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24/04/2018

Evento aborda uso de arquivos para esclarecer fatos históricos

Fiocruz Pernambuco


Com o objetivo de criar uma cultura de memória e preservação de documentos e patrimônios públicos, a Fiocruz Pernambuco promoveu (19/4) a mesa-redonda Arquivos, Ditadura e Democracia. O evento contou com apresentações de três expositores: a pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Ana Luce Girão; o diretor do arquivo público de Pernambuco, Félix Filho; e a relatora da Comissão da Verdade no estado, Socorro Ferraz. A mesa, coordenada pela pesquisadora Tereza Lyra, foi uma ação promovida pela Comissão para Gestão de Acervos Culturais das Ciências e da Saúde da Fiocruz Pernambuco, criada em 2017.

Mesa-redonda teve como objetivo de criar uma cultura de memória e preservação de documentos e patrimônios públicos (foto: Fiocruz Pernambuco)

 

Historiadora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco, Socorro Ferraz falou sobre o uso de documentos e fontes orais pela comissão, mostrando a importância desses instrumentos para esclarecer as circunstâncias em que pessoas foram mortas ou desapareceram durante a ditadura militar brasileira. Cinquenta e um casos foram investigados nesse trabalho, com base em documentos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), dos institutos de Medicina Legal e de Criminalística (IML e IC) do estado e de arquivos públicos estaduais, entre outras entidades. Também foram ouvidos 157 depoimentos, de vítimas desse período, de seus parentes e amigos e de agentes da repressão.

Foi fazendo uso desses recursos que a Comissão conheceu, por exemplo, algumas conjunturas envolvendo a morte do sindicalista rural Manoel Aleixo da Silva, dado como desaparecido em agosto de 1973, embora não tenha esclarecido quem foi seu assassino. Arquivos consultados mostram dois assassinos diferentes para este caso. Um foi apontado pelo delegado da cidade de Ribeirão e outro por um delegado da capital ligado ao Dops. Só um dos acusados foi ouvido pela polícia, na época. Porém no depoimento do matador Cláudio Guerra à Comissão, o mesmo relatou ter vindo ao Recife para matar duas pessoas - uma delas seria Manoel Aleixo - a pedido de pessoas ligadas a ditadura. Guerra foi ouvido por 12 horas, em depoimento fechado, no ano de 2013.

Em seu depoimento foram constatadas também divergências sobre a arma usada na morte do líder sindical. Ele afirmou ter matado a vítima com um único tiro usando uma pistola ponto 45, que é compatível com o ferimento de entrada da bala, mas não o de saída. Ainda de acordo com seu relato, era comum que as descrições de mortes feitas por legistas fossem confusas, contraditórias, para confundir os futuros pesquisadores. “Infelizmente não sabemos quem matou Manoel Aleixo. Eles conseguiram (o pretendido)”, analisou a relatora referindo-se às informações desencontradas existentes nesse caso.

Cláudio Guerra veio ao Recife custodiado, pois cumpria pena de dez anos pelo assassinato da esposa e da cunhada. Assim como todos os outros envolvidos em mortes, torturas e desaparecimentos durante o regime militar, ele nunca foi punido por estes crimes.

Parte dos documentos usados como fonte de informações pela Comissão da Verdade Dom Hélder Câmara estão hoje no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje). São laudos periciais, exames, prontuários e declarações de óbito, entre outros documentos, oriundos do Dops, IML e IC de Pernambuco, que estão sendo digitalizados. Do Dops são quase 30 mil dossiês, do período de 1929 a 1990. Encontra-se lá também todo o material produzido pela Comissão. “Ao todo são mais de 70 mil itens”, afirmou o diretor do Apeje, o jornalista Félix Filho (foto acima).

Na ocasião ele falou ainda sobre o acervo da instituição. Responsável por recolher, classificar e preservar documentos produzidos pelo estado, assim como torná-los acessíveis ao público, o Arquivo possui uma hemeroteca com mais de dez mil títulos, incluindo a primeira edição do Diário de Pernambuco, o jornal mais antigo em circulação da América Latina. Uma biblioteca com mais de seis mil obras e uma acervo iconográfico com mais de 12 mil imagens.

Para a pesquisadora Ana Luce Girão, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) que também palestrou no evento, os arquivos contribuem para o fortalecimento da cidadania. “Eles registram ações que se deram no passado, mas que estão submetidos as necessidades e usos do presente. Na medida que sua preservação nos permite uma infinidade de usos estão sempre nos remetendo ao futuro”, destacou. Durante sua apresentação, Ana Luce falou também sobre o acervo da COC/Fiocruz, que é responsável pela preservação arquivos de ações importantes para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), como a 8ª Conferência Nacional de Saúde e a Comissão da Reforma Sanitária.

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