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11/11/2019

Evento debate Conferência Internacional de Populações

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)


A dinâmica populacional humana se relaciona com o desenvolvimento dos países e do mundo. O tamanho da população e sua distribuição por faixas etárias, sexo, região, raça, renda, entre outros fatores afeta a economia e coloca desafios econômicos e sociais. Até 1994, essa relação era comandada pela definição de metas demográficas para os países, que buscavam ditar para onde deveria caminhar a dinâmica populacional de acordo com projeções de crescimento e economia. Uma conferência em Cairo, no Egito, mudou a forma como essa relação era vista e colocou os direitos humanos no centro do debate de populações.

Evento reuniu participantes da conferência histórica, sociedade civil e comunidade científica para discutir e sintetizar as contribuições de 15 eventos regionais, realizados em todo Brasil entre maio e outubro de 2019 (foto: Peter Ilicciev)

 

Para lembrar e atualizar os 25 anos da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), uma Cúpula Mundial será realizada entre os dias 12 e 14 de novembro em Nairóbi, no Quênia. Para se preparar para esse evento, a Fiocruz, em parceria com a Rede Brasileira de População e Desenvolvimento (Rebrapd) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizou o Seminário Cairo +25: Desafios da agenda de População e Desenvolvimento no Brasil nos dias 5 e 6 de novembro, no auditório do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

O evento reuniu participantes da conferência histórica, sociedade civil e comunidade científica para discutir e sintetizar as contribuições de 15 eventos regionais, realizados em todo Brasil entre maio e outubro de 2019, que buscaram atualizar o debate de Cairo e reunir contribuições que serão levadas pela delegação brasileira a Nairóbi. O seminário contou ainda com homenagens a brasileiros que tiveram atuação importante no debate sobre população no país.

Para o coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento, Richarlls Martins, “além de representar uma ruptura e uma mudança de paradigma, a CIPD também inaugurou um novo modelo de democracia participativa e de participação social na arena internacional”. Foi através da mobilização de feministas e organizações não governamentais que as demandas de grupos populacionais específicos foram atendidas. Pela primeira vez, um documento internacional usou o termo gênero e reconheceu os direitos reprodutivos e a necessidade de políticas para HIV, por exemplo.

A Fiocruz estará representada na Cúpula de Nairóbi por uma comitiva que inclui a presidente, Nísia Trindade Lima, a única brasileira no Comitê Diretivo que irá supervisionar e facilitar a implementação dos compromissos firmados no evento. Além disso, a instituição tem se dedicado a temas da agenda do Cairo, em especial a redução da mortalidade materna, que tem sido o foco da parceria firmada este ano com o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa). 

“A Fiocruz já trabalha com diversas questões trazidas pela Agenda do Cairo, como os direitos sexuais e reprodutivos; a saúde da mulher, das crianças e dos jovens em uma perspectiva ampliada; determinantes sociais da saúde; desigualdades e saúde; o tema das vulnerabilidades e das violências e saúde; o racismo estrutural; a questão indígena; entre outros”, ressalta Nísia. 

Processo histórico

“Um processo revolucionário, em que o impossível se tornou possível”, assim descreveu a participante da CIPD Carmem Barroso, que hoje é co-presidente do Grupo Técnico de Gênero e Direitos da Organização Mundial da Saúde (OMS), na Conferência de Abertura.

Ativista histórica, Carmem Barroso citou que existem três tarefas a serem cumpridas na atualização dos 25 anos da CIPD (foto: Peter Ilicciev)
 
 

As políticas anteriores ainda tinham uma perspectiva malthusiana e encaravam como um problema o crescimento populacional de países do sul. Esta perspectiva estava expressa em livros como A bomba populacional, de Paul R. Ehrlich. A necessidade de controle populacional levou a políticas coercitivas como a esterilização compulsória de milhões de pessoas na Índia entre 1976 e 1977.

Segundo a participante da Conferência, a mudança de paradigma só foi possível porque as feministas encontraram aliados entre demógrafos e economistas, que entenderam que o empoderamento da mulher era mais efetivo do que a coerção para a redução das taxas de natalidade. “As mulheres não precisavam ser convencidas de terem menos filhos. Muitas vezes, elas só precisavam de acesso a meios que permitissem seu planejamento”, explica Carmem, para quem a ciência foi uma importante aliada.

De acordo com Carmem, desde a conferência, as mulheres no mundo e na América Latina avançaram em seus direitos e hoje é maior o número de mulheres com acesso a contraceptivos, educação e planejamento familiar. Ainda assim, existem muitas lacunas para que as recomendações de Cairo sejam cumpridas. Na América Latina, a alta taxa de gravidez na adolescência, assim como o grande número de cesárias e a mortalidade materna e infantil ainda são grandes desafios.

Para a ativista histórica, existem três tarefas a serem cumpridas na atualização dos 25 anos da CIPD, que fez parte da chamada ‘década das conferências’, em que grandes temas foram discutidos em fóruns internacionais. A primeira tarefa é conservar as conquistas, para então implementar o que ainda não foi feito e, enfim, ampliar a pauta para atender a reivindicações não contempladas pelo texto final de Cairo.

Lacunas e atualizações

Além de recordarem o processo que culminou na Conferência, os participantes do evento discutiram os principais desafios do tema hoje. Uma mesa discutiu o tema Direitos, Vulnerabilidades e Violências e outra População e Desenvolvimento Sustentável: desafios para o século 21.

A questão da violência em suas múltiplas formas, como a violência sexual, a violência do Estado e o racismo, foi identificada como uma das prioridades para uma agenda atualizada sobre populações. O Brasil e a América Latina estão entre as regiões mais violentas do mundo. Uma violência que não atinge igualmente toda a população, mas tem como alvo prioritário populações vulneráveis, como jovens negro, indígenas, defensores de direitos humanos e pessoas LGBT.

Para a pesquisadora da Fiocruz, Cecília Minayo, as mudanças demográficas são um dos fatores que influência no principal indicador de violência, o homicídio. Como esse crime está muito ligado ao sexo masculino, segundo uma faixa etária específica, o aumento ou a redução de homens jovens influencia no número de homicídios. Isto se relaciona com os ideais de masculinidade reproduzidos pela sociedade. 

Para Cecília Minayo, as evidências apontam que o melhor caminho para reduzir a violência é investir na juventude, com oportunidades de educação, trabalho e cultura (foto: Peter Ilicciev)

 

No Brasil, estima-se que as transformações demográficas foram responsáveis por 25% do aumento da taxa de homicídios no período de 1991 a 2010, em que a taxa de homicídio saltou de 20,9 por 100.000 para 27,2. Se levássemos em conta apenas a demografia, seria possível prever uma redução da letalidade no Brasil, devido as projeções de redução da população jovem. No entanto, esse é apenas um dos fatores com influência nos índices de violência. Desemprego, renda, densidade urbana, o descontrole das armas de fogo e a dinâmica geográfica do tráfico de drogas são outros fatores que influenciam esses índices.

Para Cecília, as evidências apontam que o melhor caminho para reduzir a violência é investir na juventude, com oportunidades de educação, trabalho e cultura. Além disso, os países que conseguiram reduzir seus índices de violência são aqueles que investiram na melhoria de vida da classe trabalhadora, com garantia de direitos individuais e coletivos e redução da desigualdade.

Além da questão das juventudes e da violência, os participantes do seminário também identificaram como pontoas a serem abordados por uma agenda de população a questão da migração, o envelhecimento populacional e a inclusão de populações ignoradas pelo documento final de Cairo nas discussões futuras.   

“A Conferência de Cairo olhou muito para a mulher e a criança, com 203 e 103 menções respectivamente em seu texto final, mas pouco para as populações idosas e de homens, com 39 e 15 menções”, afirmou a pesquisadora da Fiocruz Dalia Romero. Para ela, é necessário olhar para as necessidades especificas desses grupos. 

Os homens, por exemplo, vivem menos que as mulheres e morrem mais por causas evitáveis, como homicídios e suicídios. A redução do ritmo do crescimento populacional e o acelerado envelhecimento afetam e afetarão a expansão econômica, o mercado de trabalho, o meio ambiente, as demandas por políticas de creche, educação, saúde, segurança pública, previdência e por cuidados com a população idosa. Além disso, sem políticas adequadas, o envelhecimento populacional tende a aumentar a sobrecarga de mulheres com o cuidado de idosos.

População e ambiente

A sustentabilidade do planeta e da própria humanidade relacionada ao tamanho da população é tema de debate desde do século 18, com a teoria de Malthus sobre a escassez de recursos naturais. Esse debate foi sendo ressignificado ao longo do tempo, principalmente após o boom populacional após a Segunda Guerra Mundial, que mais que dobrou a população do mundo a partir da década de 1950.

A crise ambiental reacende esse debate, uma vez que o crescimento da população é visto por alguns autores como um dos fatores da degradação ambiental. Cesar Marques, diretor da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), apresentou essa discussão e a perspectiva que se a população for reduzida, a desigualdade também será reduzida e será possível manter um equilíbrio ecológico.

“Ao mesmo tempo, a Conferência de Cairo se opôs a definição de metas populacionais, por entender que fertilidade deve considerada uma decisão privada”, reafirmou Cesar. Para ele, a saída para esse impasse passa pelo fortalecimento dos direitos, principalmente a educação, uma vez que as projeções de demografia levam em conta o desenvolvimento e a educação.

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