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03/03/2011

Experiência australiana mostra como reduzir impactos de enchentes

Filipe Leonel


As enchentes de 2008 nas cidades de Mackay e Charleville, no estado de Queensland, na Austrália, serviram de base para um estudo de caso sobre a vulnerabilidade, a capacidade de resiliência e a adaptação das comunidades em relação aos desastres naturais. A análise, apresentada pela pesquisadora do Centro de Estudos de Desastres da Universidade de Cook, Melanie Thomas, na segunda-feira (28/2), na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), ressaltou a importância das redes comunitárias na recuperação de desastres, na construção de um eficiente sistema de alerta para a população e na criação de registros que identifiquem as populações mais vulneráveis das comunidades afetadas. A apresentação está disponível na Biblioteca Multimídia da Ensp.


 Profissionais da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro assistem à palestra sobre enchentes

Profissionais da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro assistem à palestra sobre enchentes


A atividade, promovida pelo Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Ensp, foi mais uma tentativa de adquirir experiências por meio de estudos já consolidados para o enfrentamento desses fenômenos no Brasil, como o desastre que afetou a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro no início de 2011. Na Austrália, apesar da tempestade de 15 de fevereiro de 2008, com registro de 625 a 900 milímetros (mm) de chuva em um espaço de 24 horas, apenas duas mortes foram registradas graças a um eficiente sistema de alerta, que, quando há previsão de risco de enchentes, avisa aos municípios e membros previamente cadastrados com até um dia de antecedência.


O estudo procurou analisar como as comunidades se adaptam aos desastres naturais, considerando a possibilidade de aumento desses fenômenos em decorrência das mudanças climáticas. Por conta disso, Melanie afirmou que há três tipos de enchentes: as causadas pelas fortes chuvas e trombas d'água, as resultantes do transbordamento de rios e as causadas pela elevação do nível do mar.


A pesquisa retratou os casos da cidade de Mackay, com cerca de 160 mil habitantes, cuja enchente foi causada por fortes chuvas e trombas d'água; e de Charleville, com uma população de aproximadamente 4 mil habitantes, inundada pelo transbordamento do Rio Bradleys. "A precipitação anual de chuvas em Mackay vai de 1,6 mil a 2 mil mm e a estação principal de ocorrência é fevereiro. Em 2008, tivemos mais da metade da precipitação anual em poucos dias, com inundações de até dois metros de altura e mais de 4 mil moradores afetados. Foram registradas duas mortes, e seis centros de evacuação foram disponibilizados para a população. Em Charleville, que é uma região mais seca e com precipitação de 400 a 500 mm de chuvas anuais, o desastre de 2008 fez com que as águas subissem mais de 3 metros de altura, se tornando o maior evento de enchente desde 1963 (a enchente de 2010, que não foi contemplada no estudo, superou a tragédia de 2008)".


Efeito das enchentes na Austrália é amenizado por planejamento urbano


Os desastres na Austrália, de acordo com a pesquisadora, são gerenciados em nível local a partir de um grupo composto de representantes do governo local, da defesa civil, de representantes da comunidade e grupos comunitários. Entretanto, à medida que aumenta a gravidade dos impactos, principalmente no contexto de Queensland, eles passam a ser gerenciados pelo distrito e posteriormente pelo estado.


"A Holanda é um exemplo clássico de país que aplica soluções de engenharia na mitigação de enchentes - como a construção de diques. Na Austrália, a mitigação das enchentes é resolvida a partir do planejamento urbano, por meio do Programa de Mitigação de Enchentes Australiano. Agora, ele está sendo incorporado ao Programa Nacional de Mitigação de Desastres, financiado com US$ 75 milhões e 270 projetos que incluem construção de diques, elevação de casas, construção de prédios à prova de enchentes, de canais de desvio, barragens para controle de enchentes, bacias para retardo e de sistemas de alerta para a população", explicou.


Os resultados da pesquisa, cujo principal objetivo era verificar a capacidade de resiliência da sociedade a partir das enchentes nas duas regiões, demonstraram que o papel das redes da comunidade na recuperação de desastres foi fundamental na reestruturação de Charleville (uma cidade de menor porte). "Charleville foi considerada uma cidade mais resiliente que Mackay devido ao importante papel das redes comunitárias. Além disso, medidas de mitigação das inundações, como a elevação do solo, resultaram em maiores níveis de resiliência, assim como nas residências cobertas por seguro. Por outro lado, encontramos fortes impactos psicológicos nas populações afetadas, principalmente nas crianças, que apresentaram comportamentos regressivos após os acidentes, o que pode ser considerado um indicador do distúrbio de estresse pós-traumático".


No final da palestra, citando o exemplo de Chaleville, Melanie Thomas ressaltou a importância de facilitar o envolvimento da comunidade nas organizações voluntárias para a construção de "capital social", criar registros para identificar os membros vulneráveis da comunidade e possuir planos de gerenciamento de emergência que possam ser implementados por qualquer cidadão.


Publicado em 2/3/2011.

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