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14/03/2007

Exposição e artigo recuperam a trajetória do profissional que renovou a arquitetura hospitalar

Edna Padrão


Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave. Um nome que era quase uma incógnita, mesmo entre estudiosos da área de saúde. Mas a partir da curiosidade de dois pesquisadores do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (COC) da Fiocruz, Renato Gama-Rosa e Gisele Sanglard, a história do engenheiro-arquiteto e seus feitos em arquitetura hospitalar, da década de 20 a meados da de 30, obteve visibilidade. Além da recente publicação de um artigo na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Gama-Rosa e Gisele são curadores da exposição Projetos para a saúde pública: a contribuição do arquiteto Porto d’Ave, que será inaugurada no 8º Encontro de História e Saúde.


 Vitral do Instituto de Pesquisa do Hospital Gaffrée e Guinle. Da direita para esquerda, Louis Pasteur, Oswaldo Cruz e Robert Koch (Foto: Roberto Jesus Oscar e Vinícius Pequeno de Souza/Acervo COC)

Vitral do Instituto de Pesquisa do Hospital Gaffrée e Guinle. Da direita para esquerda, Louis Pasteur, Oswaldo Cruz e Robert Koch (Foto: Roberto Jesus Oscar e Vinícius Pequeno de Souza/Acervo COC)


Segundo Gama-Rosa, os anos 20 marcaram uma época de transição da arquitetura hospitalar européia, que distribuía as especialidades médicas por pavilhões, para o modelo americano, que concentrava as especialidades em monoblocos. “Talvez este período de transição tenha sido o motivo que levou a historiografia brasileira ao esquecimento dos trabalhos feitos por Porto d’Ave. Foi um momento crítico, em que havia falta de leitos hospitalares no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que a adoção da tradicional estrutura de pavilhão estava em cheque frente aos avanços introduzidos pela moderna estrutura em monobloco”, diz Gama-Rosa.


A exposição conta a trajetória profissional e de vida de Porto d’Ave, com ênfase na produção de projetos em arquitetura hospitalar. Traz também uma coleção fotográfica composta por 124 imagens, doada pela família, e que atualmente encontra-se sob a guarda do Departamento de Arquivo e Documentação da COC, onde recebe tratamento técnico para a conservação e a preservação. Esse trabalho integra o projeto O Hospital das Clínicas, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e os projetos de Porto d’Ave e foi viabilizado pela Fiocruz.


Arquitetura hospitalar e política pública de saúde


O Hospital Gaffrée e Guinle, inaugurado em 1929 para o combate à sífilis e às doenças venéreas, foi a primeira construção assinada por Porto d’Ave. Está intimamente relacionada à reforma sanitária liderada por Carlos Chagas à frente do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNPS). A assistência médica, na época, passava por momento crítico. Faltavam hospitais gerais destinados a atender a um grande público empobrecido e os que existiam (irmandades e ordens terceiras, hospitais dos militares etc) ofereciam atendimento restrito. O hospital da Santa Casa da Misericórdia não supria a quantidade de atendimentos e então ocorreram pequenas mudanças, como a criação do Hospital São Francisco de Assis, em 1922.


 Projeto do Hospital Gaffrée Guinle, de Porto dAve, de 1924 (Acervo COC)

Projeto do Hospital Gaffrée Guinle, de Porto dAve, de 1924 (Acervo COC)


O projeto do Hospital, sob a fiscalização e orientação dos médicos Eduardo Rabello e Gilberto de Moura Costa, era composto por um prédio principal de quatro pavimentos, onde se localizavam serviços como pronto-socorro, ginecologia, obstetrícia, sífilis visceral, salas de operação, serviço das mulheres contagiantes etc. No campus foram projetados pavilhões especiais para abrigar o Instituto de Pesquisa, o biotério, uma capela, as oficinas de conservação, o dormitório dos empregados e a lavanderia.


Segundo Gama-Rosa e Gisele, o Instituto de Pesquisa do Gaffrée e Guinle foi pensado como uma homenagem à bacteriologia moderna. Nos vitrais de sua escadaria principal encontram-se Louis Pasteur e Robert Koch, os dois maiores nomes da bacteriologia mundial, ao lado do bacteriologista Oswaldo Cruz. A orientação técnica do Instituto coube a Gomes de Faria, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz.


Após a construção do Gaffrée e Guinle, Porto d’Ave projetou e construiu o Hospital do Câncer e o Hospital das Clínicas. Também fez os projetos do Hospital Espanhol, do Hospital Regional de Niterói – todos na década de 20 – e, por fim, o Hospital dos Servidores do Estado, seu último projeto, em 1935.


A influência da arquitetura americana já se fazia sentir naquela época, embora a década de 30 é que seja considerada o período moderno da arquitetura hospitalar. O estilo arquitetônico adotado por Porto d’Ave não era totalmente europeu, mas misto, o que foi motivo de grandes contestações. No projeto do Hospital das Clínicas, por exemplo, Porto d’Ave criou quase uma cidade-hospital, onde cada uma das especialidades médicas teria seu próprio pavilhão e eles interligariam-se uns aos outros, tanto pela parte externa quanto pelos corredores subterrâneos. Foi somente com o Hospital dos Servidores, nos anos 30, que Porto d’Ave adotou a tipologia americana, projetando um monobloco de dez pavimentos.


 Adelstano Soares de Mattos Porto dAve (Acervo COC)

Adelstano Soares de Mattos Porto dAve (Acervo COC)


A exposição sobre Porto d’Ave pretende contribuir para a história da arquitetura brasileira, em uma época fortemente caracterizada pela passagem de um tipo de arquitetura a outro – do pavilhão ao monobloco. Os projetos de Porto d’Ave são a prova desse processo, que teve longa duração. “O estudo dos trabalhos também nos permite refletir sobre o papel, nem sempre notado, do arquiteto no desenvolvimento de projetos hospitalares”, conclui Gama-Rosa.


A exposição sobre Porto d'Ave, no 8º Encontro de História e Saúde, será inaugurada em 15 de maio, no Castelo da Fiocruz.

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