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27/08/2008

Exposição recupera trajetória de Emmanuel Dias

Marcelo Garcia


Durante mais de três décadas dedicadas ao estudo da doença de Chagas no início do século 20, o pesquisador Emmanuel Dias se destacou pelo estudo pioneiro de estratégias de eliminação do vetor, fundamentais para o controle da doença em toda a América Latina, reunindo o mais numeroso acervo de artigos da história do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Recentemente, o Centro de Estudos do IOC comemorou o centenário de nascimento do especialista. O evento marcou também a nomeação do Anfiteatro Emmanuel Dias e a inauguração da exposição Doutor Emmanuel Dias, que recupera a história das contribuições científicas do pesquisador.


 Emmanuel Dias teve papel fundamental no combate ao vetor da doença de Chagas no Brasil e na América Latina, com trabalhos pioneiros na utilização de inseticidas contra o barbeiro (Fotos: Acervo COC)

Emmanuel Dias teve papel fundamental no combate ao vetor da doença de Chagas no Brasil e na América Latina, com trabalhos pioneiros na utilização de inseticidas contra o barbeiro (Fotos: Acervo COC)


Afilhado de Carlos Chagas e um de seus mais importantes seguidores, Emmanuel Dias também dedicou sua vida ao estudo da doença de Chagas. Durante sua carreira produziu trabalhos pioneiros e até hoje muito relevantes sobre aspectos da epidemiologia, biologia, clínica, controle e diagnóstico da infecção. A morte prematura em um acidente de carro, em 1962, encerrou a carreira mais profícua de um pesquisador do IOC, com um total de 203 trabalhos publicados.


Nascido em 1908, formou-se em medicina pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Como tese de conclusão do curso, fez um dos mais completos estudos da biologia do Trypanosoma cruzi. O trabalho foi publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, com um prefácio do próprio Carlos Chagas, e recebeu os prêmios Gunning e de Louvor.


A relação do pesquisador com o IOC começou ainda antes de seu nascimento. Filho do primeiro assistente de Oswaldo Cruz, Ezequiel Dias, e da cunhada do sanitarista, Maria Cândida Fonseca Dias, Emmanuel era afilhado de Carlos Chagas e ganhou experiência durante a faculdade, com estágios voluntários que desenvolveu no Instituto, sob a orientação do padrinho. Na época, teve como companheiros inseparáveis os jovens Walter Oswaldo Cruz, Evandro Chagas e Carlos Chagas Filho.


Depois de formado, tornou-se pesquisador do IOC e herdou o comando do laboratório que era liderado por Chagas, pouco antes da morte do padrinho. Em 1943 fundou, em Bambuí (MG), um centro de estudos até hoje em funcionamento, e no qual também atuou como diretor. A partir dessas experiências, publicou a maior casuística sobre forma aguda de transmissão vetorial da doença da Chagas no Brasil e, junto com outros pesquisadores do IOC, o mais completo estudo sobre a cardiopatia chagástica feito até hoje no mundo, além de diversos artigos sobre a biologia, a epidemiologia e o diagnóstico da doença.


 Em 30 anos dedicados à pesquisa em doença de Chagas, Emmanuel (à direita) desenvolveu estudos pioneiros na biologia do parasito, na análise da cardiopatia associada à doença e no controle dos insetos vetores

Em 30 anos dedicados à pesquisa em doença de Chagas, Emmanuel (à direita) desenvolveu estudos pioneiros na biologia do parasito, na análise da cardiopatia associada à doença e no controle dos insetos vetores


O trabalho desenvolvido por Emmanuel Dias também o põe, ainda hoje, como uma das mais importantes agentes do controle da doença nos países latino-americanos. Em 1947, Emmanuel publicou um de seus mais clássicos e pioneiros trabalhos, sobre o emprego do Gammexane, um inseticida, no controle do principal vetor da doença no Brasil, Triatoma infestans. A partir da descoberta, o pesquisador atuou ativamente na divulgação da doença junto a políticos, intelectuais, médicos, sanitaristas e demais profissionais da saúde, visando seu controle e a eliminação de seus vetores.


Nos anos seguintes, publicou diversos estudos sobre a infestação domiciliar do barbeiro e sobre estratégias e ferramentas de controle dos vetores, inclusive na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. “Emmanuel Dias foi, também, um dos principais incentivadores do engajamento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) na iniciativa de erradicação da doença de Chagas do continente americano”, afirma o pesquisador-emérito da Fiocruz e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, José Rodrigues Coura. “Seus trabalhos serviram de base para as atuais estratégias de combate ao tripanossomídeos e para a aplicação dos inseticidas atualmente utilizados contra os vetores da doença de Chagas”.


Hoje a doença de Chagas é amplamente conhecida, com sua transmissão eliminada em extensas regiões do continente americano. Emmanuel Dias, que atuou em iniciativas para o controle da doença em diversos países das Américas do Sul, Central e no México, é considerado pela Opas e pelo governo brasileiro como o principal artífice desta vitória. “Seja por meio de estudos biológicos sobre o parasito, de estudos clínicos sobre a manifestação da infecção ou iniciativas para seu controle”, conclui Coura, “ele marcou a história da pesquisa em doença de Chagas, do IOC e da ciência brasileira, como um dos mais e importantes pesquisadores brasileiros”.


Exposição apresenta coração de paciente com Chagas estudado pelo pesquisador


A exposição itinerante Doutor Emmanuel Dias, também relacionada ao ciclo de comemorações do centenário da descoberta da doença de Chagas, está instalada no Pavilhão Arthur Neiva do IOC. A mostra reúne dez painéis que contam a trajetória do pesquisador e suas mais importantes contribuições para a ciência, além de uma bomba para fumigação original, como as usadas nas campanhas para eliminação do barbeiro promovidas pelo pesquisador. “Os painéis apresentam reproduções de fotos do acervo da COC e também imagens obtidas junto ao arquivo da família de Emmanuel Dias, que nunca vieram a público”, conta Lisabel Klein, curadora da exposição. Também estarão em exposição a reprodução de documentos, cartas e até um cartaz de uma campanha de erradicação do vetor da doença de Chagas.


 O coração de um paciente morto em decorrência da cardiopatia associada à doença de Chagas, que faz parte da exposição, é o unico exemplar conhecido comprovadamente estudado por Emmanuel Dias

O coração de um paciente morto em decorrência da cardiopatia associada à doença de Chagas, que faz parte da exposição, é o unico exemplar conhecido comprovadamente estudado por Emmanuel Dias


Lisabel ressalta a importância de exposições como essa para o recuperação e a valorização da história da instituição e de seus pesquisadores. “As imagens retratam a infância de Emmanuel, todas as fases de sua carreira na instituição, seu trabalho em Bambuí e algumas das principais parcerias que estabeleceu ao longo de sua carreira, com outros grandes nomes da ciência brasileira”, explica a curadora. “Recuperar a riqueza de histórias como essa é fundamental para inspirar as novas gerações de pesquisadores e sensibilizá-las para a grandeza e a importância da instituição”.


A exposição conta ainda,com uma peça histórica: o coração de um paciente chagásico, estudado por Emmanuel Dias na década de 1940. A peça  pertence ao acervo da Coleção de Anatomia Patológica do IOC, sob a guarda do Laboratório de Patologia.


“Durante a ditadura militar, no episódio conhecido com o Massacre de Manguinhos, em 1970, toda a documentação das coleções foi destruída, assim como grande parte das peças históricas, o que reduziu significativamente a coleção”, conta a pesquisadora Bárbara Dias, do Laboratório de Patologia. “Muitas das 854 peças que compõe hoje o acervo se salvaram porque foram escondidas pelos pesquisadores em outras partes do campus ou até em suas residências, o que provavelmente também ocorreu com esse exemplar estudado por Emmanuel Dias.”


A peça, por ainda apresentar sua etiquetagem original, é a única comprovadamente estudada pelo pesquisador. “A maioria das peças da época não apresenta mais essa identificação”, explica Bárbara. “Mesmo do exemplar estudado por Emmanuel Dias só conhecemos o nome do paciente a quem pertencia o coração, mas nos falta qualquer outra informação que possa caracterizar melhor o caso, já que toda documentação e a ficha da paciente foram destruídas”. Depois do Pavilhão Arthur Neiva a exposição será montada no hall dos pavilhões Helio e Peggy Pereira, Leônidas Deane e Carlos Chagas.


Publicado em 27/08/2008.

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