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17/05/2008

Fórum Internacional une saúde coletiva, saúde mental e direitos humanos

Informe Ensp


Inspirado nos fóruns sociais mundiais, o 2º Fórum Internacional de Saúde Coletiva, Saúde Mental e Direitos Humanos, que ocorre de 22 a 25 de maio na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é um desdobramento de uma luta que teve início na época da ditadura militar na Argentina, quando as mães de jovens desaparecidos se uniram para lutar por informações sobre o paradeiro de seus filhos e filhas. "A estratégia é reunir movimentos sociais existentes nas áreas dos direitos humanos e da saúde mental. Mais recentemente, decidimos agregar à área da saúde coletiva, pois a violação dos direitos humanos está presente em todo o campo da saúde pública", explica o pesquisador Paulo Amarante, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, em entrevista a seguir.


 Amarante: o fórum vai instigar novas alianças, novas redes de relações políticas e sociais entre os atores do setor saúde com outros atores que procuram inventar uma nova sociedade política (Foto: Virgínia Damas)

Amarante: o fórum vai instigar novas alianças, novas redes de relações políticas e sociais entre os atores do setor saúde com outros atores que procuram inventar uma nova sociedade política (Foto: Virgínia Damas)


Qual a importância do 2º Fórum Internacional de Saúde Coletiva, Saúde Mental e Direitos Humanos para a saúde coletiva?


Paulo Amarante: O fórum nos permite retomar a dimensão política da saúde coletiva, suas articulações e interfaces com as lutas sociais. O SUS avançou, assim como as políticas públicas, mas a participação política e social, no campo da saúde e da formulação das políticas, passa por um processo de burocratização e estagnação. É necessário colocar a saúde coletiva na rua novamente, construindo junto com a sociedade as perguntas e os caminhos; mas não apenas com os mesmos atores sociais específicos do setor saúde, isto é, com as organizações de técnicos, profissionais, usuários de serviços de saúde, e outros que foram incorporados ao sistema participativo da política pública de saúde.


O importante é lidar com a diversidade das forças sociais, com a complexidade da formação social, que nos ajuda a questionar as normas, os padrões e os princípios de um modelo social que nós questionamos por ser excludente, por ser violento e opressor. Enfim, acho que o fórum vai instigar novas alianças, novas redes de relações políticas e sociais entre os atores do setor saúde com outros atores que procuram inventar uma nova sociedade política.


Quais são os principais objetivos desse Fórum?


Amarante: O primeiro Fórum Internacional nasceu a partir dos Congressos Internacionais de Saúde Mental e Direitos Humanos, organizados pela Universidade Popular Madres da Praça de Maio da Argentina. Esses congressos foram muito importantes para refletirmos sobre as relações entre saúde mental e direitos humanos. No entanto, percebemos que eles estavam assumindo um caráter muito científico, com predominância de técnicos e de profissionais que relatavam ou refletiam sobre suas experiências, e com pouca expressão para os atores sociais que atuam na luta pelos direitos humanos. Foi aí que surgiu a idéia do Fórum, inspirado e articulado com os Fóruns Sociais Mundiais, em que a estratégia é a reunião dos movimentos sociais existentes nestas áreas dos direitos humanos e da saúde mental. E, mais recentemente, decidimos agregar à área da saúde coletiva, pois a violação dos direitos humanos está presente em todo o campo da saúde pública.


O Brasil foi o país eleito para sediar este fórum exatamente por ser o país que mais têm exercitado práticas concretas e relevantes de participação, representação e controle social no campo das políticas públicas, e muito particularmente no campo das políticas de saúde. Aqui, no Brasil, temos o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, que já recebeu o título de doutor honoris causa coletivo da Universidade Popular das Mães da Praça de Maio. No início do mês de abril deste ano, o movimento recebeu também a Medalha Chico Mendes de Resistência. Esta medalha é oferecida pelo Grupo Tortura Nunca Mais, um dos mais importantes e amplos movimentos sociais existentes na América Latina. Além disso, existem outros movimentos antimanicomiais muito atuantes no país, entre eles podemos destacar a Rede Internúcleos de Luta Antimanicomial. Por outro lado, o Brasil foi o único país condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Este episódio ficou conhecido como Caso Damião Ximenes Lopes, cruelmente assassinado em um manicômio no Ceará.


O primeiro encontro foi realizado na Argentina, em 2006, e agora será no Brasil. Por ser itinerante, o fórum busca socializar experiências locais na luta antimanicomial em prol de uma política única para os diversos países por onde passa?


Amarante: É exatamente isso. A idéia é que possamos nos fazer compreender pela sociedade de vários países em nossos princípios de luta contra a violência de uma maneira ampla e, em particular no âmbito da saúde mental, na luta contra os manicômios; não apenas em lutas contra, mas em prol de uma maior solidariedade entre as pessoas e grupos sociais. Nosso entendimento de inclusão não é sinônimo de tolerância. A tolerância é arrogante: tolerar é suportar alguém ou algo parecido. Queremos solidariedade, reciprocidade e, para isto, precisamos mudar a sociedade.


Como está sendo feita a organização do Fórum?


Amarante: Em âmbito nacional, a organização está a cargo do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial e do Movimento Nacional de Direitos Humanos. A organização internacional está sendo feita pela Associação das Mães da Praça de Maio. É muito importante destacar a colaboração e o apoio político e administrativo que estamos recebendo da Fiocruz, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Além disso, muitos outros atores estão envolvidos, como o Grupo Tortura Nunca Mais, o Centro de Teatro do Oprimido, o Espaço Artaud, e por parte de alguns conselhos, sindicatos profissionais, associações de usuários e familiares.


Quantos trabalhos foram inscritos e quais os temas de maior destaque?


Amarante: Tivemos cerca de mil trabalhos inscritos com os mais variados temas, que vão desde questões relacionadas ao trabalho escravo até a transsexualidade. Temos também discussões voltadas para as questões indígenas, as populações de rua, os desfiliados, o direito à memória, o direito à terra, os direitos e a cidadania das pessoas em sofrimento psíquico e com deficiências físicas.


Durante o evento, teremos ainda muitas mesas importantes, como exemplo a mesa intitulada Os limites do terror, que terá a participação do juiz argentino Carlos Rozanski, presidente do tribunal que condenou o sacerdote Von Wernich por crimes de tortura e morte contra a humanidade durante a ditadura militar argentina, e um ex-policial por violação dos direitos humanos de centenas de presos políticos.


No fórum discutiremos também questões relacionadas ao trabalho, ao gênero, ao amor, à sexualidade, à tortura, à raça, às populações marginalizadas, aos manicômios comuns e judiciários, à violência policial e do estado como um todo, e muitas outras.


Qual a expectativa para o evento? A Ensp participará como debatedora ou apresentará trabalhos no encontro?


Amarante: Nós assumimos a organização de base da estrutura organizacional do evento, porque temos trabalhado em todos os congressos anteriores e em muitas relações com os movimentos sociais nesta área. A expectativa é que este fórum seja um marco político muito importante de articulação dos movimentos entre si e que, a partir daí, possam se falar mais, discutir e desenvolver ações conjuntas, para assim conseguirmos um salto de qualidade na luta em defesa dos direitos humanos e na construção da cidadania brasileira.


A programação cultural do Fórum inclui apresentações dos coletivos carnavalescos Tá pirando, Pirado, Pirou!, Loucura Suburbana e Tremendo nos Nervos e dos grupos musicais Sistema Nervoso Alterado, Camisa de Força, Coral Cênico Cidadãos Cantantes e Harmonia Enlouquece, que já se apresentou diversas vezes na Ensp. O grupo de hip-hop Black Confusion; os grupos teatrais Pirei na Cenna e Os Nômades; um grupo de jovens do Degase e um grupo de internos do Hospital de Tratamento e Custódia - antigo Manicômio Judiciário - também se apresentarão.


Além disso, uma exposição de cartazes históricos da luta antimanicomial produzida pelo fotógrafo e artista plástico Gianni Puzzo, mostras de vídeos e filmes inéditos também fazem parte do evento. Durante o Fórum, será apresentado o vídeo Loucos pela diversidade.

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