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13/02/2009

Fórum Social Mundial discute criação de sistemas de saúde nos moldes do SUS

Informe Ensp


A crise econômica que assola o mundo foi um dos principais assuntos do Fórum Social Mundial (FSM), realizado de 27 de janeiro a 1º de fevereiro, em Belém. O evento reuniu representantes de cerca de 150 países, totalizando mais de cem mil pessoas. Para saber de que maneira a crise foi abordada no fórum, como pode ser contornada e seus impactos na saúde, o Informe Ensp, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, entrevistou os pesquisadores Álvaro Nascimento e Hermano de Castro, que estiveram em Belém.


 Nascimento: Qual é o resultado imediato da crise? O aumento do desemprego. Milhares estão sendo postos fora do mercado do trabalho. Esse impacto na saúde é imediato (Foto: Carolina Evaristo)

Nascimento: Qual é o resultado imediato da crise? O aumento do desemprego. Milhares estão sendo postos fora do mercado do trabalho. Esse impacto na saúde é imediato (Foto: Carolina Evaristo)


O Fórum Social Mundial aconteceu em meio à crise econômica que tem abalado todo o mundo. Como os senhores avaliam o fórum, e como a crise e seus impactos foram abordados?


Álvaro Nascimento: O fórum foi muito positivo. Contou com a participação de mais de cem mil pessoas e delegações de mais de 150 países, de acordo com números da organização. Foi um grande acontecimento para a população de Belém e marcou muito positivamente a forma como os paraenses o receberam. Da mesma maneira que vivemos um momento de crise, concluímos que ela se coloca como uma oportunidade de questionar o modelo liberal de desenvolvimento. Sua dimensão demonstra o quanto o atual modelo de desenvolvimento está equivocado, sendo absolutamente frágil no sentido de garantir um mundo mais equânime e com oportunidades. Essas políticas liberais fazem crescer um mundo desigual, com menos oportunidades e mais diferenças entre países ricos e pobres.


Hermano de Castro: Esses momentos de crise fazem com que a sociedade reflita sobre os processos dos problemas. Isso gera novas idéias, novas possibilidades. É preciso adotar um modelo que seja adequado para garantir a saúde e o bem-estar da população.


De que maneira o Fórum Social Mundial abordou as questões relacionadas à saúde?


Nascimento: No que diz respeito à área da saúde, o FSM teve dois grandes eventos. O Fórum Social Mudial da Saúde e o Seminário de Crise Econômica Mundial e a Conjuntura Político e Social na America Latina: Impactos na Saúde. Todas as preocupações, tanto do Fórum da Saúde quanto do seminário, têm diretamente a ver com os trabalhos que a Ensp desenvolve. Dessa forma, a Escola ofereceu um aporte político e técnico nas discussões.


Como o Fórum Social Mundial da Saúde (FSMS) tratou a crise econômica e seus impactos na saúde?


Nascimento: A partir da leitura que tivemos no fórum, identificamos a atual crise do capitalismo mundial como a mais grave de toda a história do capitalismo, superando as crises de 1929 e a do petróleo nos anos 70. Ou seja, esse momento tem uma repercussão sobre as sociedades de uma magnitude ainda não vista. A grande preocupação das delegações é que as providências tomadas para o enfrentamento desta crise estão justamente em repassar volumosos recursos financeiros para os que a promoveram. Portanto, nossa grande preocupação é que não sejam eleitos como os que vão pagar por ela, aqueles que não a provocaram, e que sempre sofreram a crise eterna do capitalismo, que é uma crise de exclusão.


Castro: Já vivíamos, antes dessa crise financeira, uma crise social mundial de grande magnitude, com milhões de pessoas sem acesso à alimentação adequada, moradia digna, saneamento, renda, terra, medicamentos, sistemas de saúde. Essa crise social nunca foi tratada com a importância que deveria. No momento que o capitalismo entrou em crise acelerada, virou a pauta do mundo, como se a crise social fosse algo que devêssemos lidar como normal, e a do capital não. A do capital precisa de grandes investimentos públicos e bilhões de dólares injetados na indústria automobilística, nos grandes bancos, na indústria de tecnologia e no mercado financeiro para impedir uma hecatombe. Enquanto, nas últimas décadas, a crise social foi tratada como algo que não tinha muito jeito. Os milhares de africanos e sul-americanos que passam fome, os desempregados, o êxodo das populações; isso nunca foi tratado com a prioridade que a falência das grandes empresas vem sendo tratada. O modelo de desenvolvimento atual tem causado não só danos ambientais e para a saúde humana, como não dá conta de atender às demandas do mundo. Ficou evidente, com o fórum, que é preciso mudar.


 Castro: Há uma crise na civilização; logo, é preciso encontrar novos rumos de sustentabilidade em todos os setores. Esse padrão de consumo atual não consegue se sustentar (Foto: Virginia Damas)

Castro: Há uma crise na civilização; logo, é preciso encontrar novos rumos de sustentabilidade em todos os setores. Esse padrão de consumo atual não consegue se sustentar (Foto: Virginia Damas)


De acordo com o FSMS, quais as linhas estratégicas estabelecidas para transformar o atual modelo?


Nascimento: Algumas das deliberações do fórum indicam que a crise estrutural da hegemonia tenha uma resposta igualmente estrutural, em que o principal enfrentamento é político e ideológico. Outra visão é que entendemos que o compromisso ético dessa nova leitura deve satisfazer as necessidades das pessoas e da redistribuição de riquezas visando a uma maior justiça social, que já era uma coisa colocada no âmbito do capitalismo antes da crise. Temos outras propostas no sentido que ganhe especial importância o desafio financeiro de dignificar o trabalho dos servidores públicos e uma democracia radical capaz de produzir justiça social. Hoje, temos uma democracia formal que não dá conta das demandas sociais.


Além disso, se convocou para discutir especificamente os sistemas de saúde e seguridade uma conferência mundial, a ser realizada ainda em 2009, e que vai ser universalizada como o Dia Mundial de Luta. Essa luta é para que os estados adotem sistemas universais de saúde e seguridade social. Esse foi o grande ponto do fórum: o debate da criação de sistemas nos moldes do SUS brasileiro que contemplem saúde e seguridade social.


Quais foram as conclusões do Seminário de Crise Econômica Mundial e a Conjuntura Político e Social na América Latina?


Nascimento: No que diz respeito ao seminário, tivemos uma discussão restrita à América Latina, convocada pelo Cebes, Abrasco, Abres, Rede Unida, Ampasa, ONG Criola e Alames, em que elaboramos quatro sessões. A primeira foi sobre a crise econômica mundial e seus impactos na saúde. Na segunda sessão, discutimos as novas democracias e a nova correlação de forças - impactos na proteção social e na saúde. O terceiro tema foi sobre determinação social da saúde - velhas e novas questões, e a última sobre soberania e saúde - a perspectiva regional. Tivemos um diagnóstico de que a crise não é apenas econômica, mas também ambiental e de um projeto civilizatório, que contemplava os interesses de marcado, e não da sociedade. Fizemos um alerta de que a crise deve aumentar as iniquidades em saúde e as diferenças de acesso.


Castro: A crise ambiental, por exemplo, é resultado de um modelo devastador. É um modelo que causa dano impactante ao ambiente. Por conta disso, classificamos essa crise como civilizatória. Há uma crise na civilização; logo, é preciso encontrar novos rumos de sustentabilidade em todos os setores. Esse padrão de consumo atual no mundo não consegue se sustentar. Quando o fórum tem na sua palavra de ordem 'um outro mundo é possível', é preciso que todos mudem de comportamento.


E os impactos causados na saúde?


Nascimento: Qual é o resultado imediato da crise? O aumento do desemprego. Milhares estão sendo postos fora do mercado do trabalho no Brasil e no mundo inteiro. Esse impacto na saúde é imediato. Você passa a não ter acesso a uma série de bens. Na medida em que se perde o emprego, o sujeito perde o acesso a uma habitação decente, a um transporte decente, a bens de consumo e até mesmo medicamentos. Portanto, como propôs a reforma sanitária, saúde é o resultado de um conjunto de questões, não apenas o resultado de uma boa assistência médica. Na medida em que se perde acesso à habitação, saneamento, renda, lazer etc, o sujeito adoece. Então, o impacto será imediato a partir do desemprego.


Além disso, o desemprego também causa danos nos regimes de seguridade, já que se tem uma profunda queda na arrecadação. Desse modo, mais do que um conserto no capitalismo, os movimentos sociais devem voltar a discutir a questão estrutural da sociedade, incluindo nela a perspectiva da construção de uma sociedade socialista. Discussão que foi abandonada desde o colapso dos países do leste europeu, mas que experiências recentes, como a da Venezuela, da Bolívia e do Equador, demonstram que a perspectivas de estados socialistas estão na agenda como nunca antes estiveram. O capitalismo elevou ao máximo o nível de desigualdade e, com a crise, isso aumentará. O fórum expressou que a perspectiva socialista está, mais do que nunca, colocada para ser debatida para a sociedade brasileira.


Qual avaliação fazem da participação da Ensp no evento?


Nascimento: A Escola não enviou uma delegação ao fórum, mas muitos profissionais estavam presentes. As pessoas têm a Fiocruz como referência e nos cobram, inclusive com demandas de formação de recursos humanos e aprimoramento do Sistema Único de Saúde. Portanto, as tarefas colocadas para a sociedade são as tarefas colocadas para a Ensp. Quando a gente pensa em enfrentar a crise do capital e a questionar de uma forma mais profunda a maneira pela qual a sociedade está estruturada, isso é uma tarefa para a Escola também. A Ensp deve voltar a discutir, como já discutiu em décadas anteriores, a perspectiva de uma sociedade mais equânime, igualitária, socialista, no sentido de contemplar as demandas sociais.


Castro: Muitos profissionais da Escola se organizam por dentro da Abrasco, do Cebes, participam de seus grupos de trabalho. A Ensp tem uma participação singular em eventos como esse, justamente por ter seus profissionais inseridos nos diferentes movimentos. Uma de nossas reinvidicações foi no sentido de que a conferência se torne mais aberta e mais representativa, tendo como base as experiências dos ministérios envolvidos, o do Meio Ambiente, das Cidades, da Saúde e as organizações ambientais e de saúde que, de alguma maneira, estão envolvidas nesses processos. A ideia é aproveitar esse coro, e que ele se some.


Publicado em 13/2/2009.

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