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29/04/2015

Fiocruz Amazonas utiliza vetor da dengue no combate à doença

César Guerra Chevrand


Uma nova estratégia de combate ao mosquito da dengue promete ampliar a cobertura aos criadouros do inseto em áreas urbanas. Desenvolvido pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazonas), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e o Smithsonian Tropical Research Institute (STRI), o método testado em bairros de Manaus consiste em atrair as fêmeas dos mosquitos até pequenos baldes com inseticida de alta potência, que mata as larvas, mas não os mosquitos adultos. A ideia é usar o próprio mosquito da dengue contra a multiplicação da doença.

As "estações de disseminação" funcionam como armadilhas para as fêmeas dos mosquitos, que são atraídas até pequenos recipientes com um pouco de água. As paredes internas dos baldes são recobertas com um pano preto, aveludado, que contém o larvicida pyriproxyfen triturado até a consistência de um pó muito fino. Quando um mosquito pousa na superfície da "estação de disseminação", pequenas partículas do larvicida grudam nas pernas e no corpo do inseto.

“Como as fêmeas de Aedes e outros mosquitos visitam muitos criadouros para colocar uns poucos ovos em cada um, elas vão levando o inseticida para esses criadouros, que viram armadilhas letais para os mosquitos imaturos. O mais importante é que assim podemos levar inseticida até criadouros inacessíveis ou indetectáveis que os agentes de controle não poderiam tratar”, explica o pesquisador Sérgio Luz, do Laboratório de Ecologia de Doenças Transmissíveis na Amazônia, do Instituto Leônidas e Maria Deane.

Publicada na revista científica PLoS Neglected Tropical Diseases, a pesquisa atinge um dos pontos mais frágeis da campanha de combate aos vetores da doença, que é a dificuldade dos agentes de vigilância em detectar e tratar todos os possíveis criadouros existentes nas suas áreas de atuação. De acordo com o estudo, o aumento da mortalidade de mosquitos imaturos e a diminuição de vetores adultos são elementos críticos para "frear" surtos e epidemias, que são mais comuns, maiores e mais graves nas cidades.

A técnica utilizada no experimento foi desenvolvida por um pesquisador japonês nos anos 1990. O diferencial do trabalho apresentado pela Fiocruz Amazônia é demostrar que a ideia pode funcionar na escala relevante para o controle de vetores urbanos, se aplicada, por exemplo, em um bairro de uma cidade.

“Os mosquitos disseminaram o inseticida até locais situados a 400 metros. Dos criadouros sentinela que nós monitoramos, até 94% foram contaminados com larvicida disseminado pelos mosquitos. Também mostramos que essa disseminação eleva a mortalidade dos mosquitos imaturos de aproximadamente 4 ou 5%, em média, para quase 90%, sendo mais de 94% no caso de Aedes aegypti”, complementa Fernando Abad-Franch, que trabalhou como pesquisador da Fiocruz Amazônia e hoje atua no Centro de Pesquisa René Rachou (Fiocruz Minas), em Belo Horizonte.

Sem riscos para a saúde

O inseticida pyriproxyfen é um análogo do chamado "hormônio juvenil" dos mosquitos e seu efeito consiste em impedir o desenvolvimento das larvas, que morrem antes de atingir o estádio adulto. O produto é considerado especialmente seguro e sua aplicação é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) até na água potável. Segundo as pesquisas, um grama é suficiente para tratar um tanque de dois mil litros de água. Também não há risco para animais domésticos, porque as doses com algum perigo potencial para cachorros, por exemplo, são muito maiores do que os mosquitos podem disseminar. Adotado pelo Ministério da Saúde, o produto já é utilizado pelos agentes de controle de criadouros conhecidos, mas não atinge os indetectáveis ou inacessíveis.

De acordo com os pesquisadores envolvidos na pesquisa, a nova técnica utilizada contra o mosquito da dengue também abre perspectiva ao combate de outras doenças transmitidas por mosquitos. “Nossos resultados, por exemplo, mostram boa efetividade contra Aedes aegypti, Aedes albopictus e Culex. O primeiro é o principal vetor da dengue e da febre amarela; o segundo, além da dengue, é um vetor muito eficiente do vírus chikungunya; diferentes espécies de Culex transmitem vários vírus e as filárias, que causam filariose linfática. Nosso trabalho mostra que o controle destes mosquitos urbanos e suburbanos pode melhorar muito com o uso de pyriproxyfen disseminado por mosquitos. O uso em outros ambientes, como as áreas rurais, precisa ainda ser avaliado, mas alguns testes na África indicam que o produto é também muito eficaz contra os vetores da malária”, aponta Sérgio Luz.

Após o sucesso dos testes em bairros localizados de Manaus, altamente infestados por mosquitos, o objetivo dos estudos agora é identificar melhor quais são os efeitos da intervenção em cidades inteiras. A nova fase da pesquisa acontece em uma pequena cidade do Amazonas, que utiliza mil estações de disseminação espalhadas por toda a área urbana.

“Esperamos ter resultados em alguns meses, desta vez incluindo a avaliação dos efeitos da intervenção na população de mosquitos da cidade toda. Em particular, saberemos como muda a infestação de casas e a abundância de mosquitos, quanto tempo persistem essas mudanças, e se os mosquitos que reaparecem depois da intervenção são 'sobreviventes' ou 're-invasores' vindos de cidades vizinhas”, afirma Fernando Abad-Franch.

Outro aspecto importante da nova fase dos estudos é a identificação e a resolução de problemas logísticos e operacionais envolvidos na mudança de escala. A meta é desenvolver um procedimento simples, seguro, eficaz e eficiente.  “Nós já identificamos vários obstáculos e estamos trabalhando para resolvê-los. Em geral, o desafio consiste em desenvolver um procedimento operacional que possa ser útil para os municípios e estados, que são as esferas políticas com responsabilidade direta no controle de vetores. Para obter uma perspectiva mais diversa, esperamos poder replicar a experiência em cidades de outras regiões do Brasil, começando por Bambuí, em Minas Gerais, onde há mais de 70 anos a Fiocruz mantém o Posto Avançado de Pesquisa Emmanuel Dias”, finaliza Fernando.

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