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06/09/2007

Fiocruz amplia atuação na Amazônia Ocidental


A preocupação com as repercussões e impactos na área da saúde, decorrentes da construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Porto Velho, inspirou a aproximação do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais em Rondônia (Ipepatro) com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz para discutir um acordo de cooperação técnica entre as duas instituições. Na primeira reunião, ocorrida em dezembro de 2006, houve uma tentativa de se estabelecer uma estratégia conjunta de planejamento de medidas, capazes de prevenir e minimizar os problemas de saúde pública, associados aos impactos ambientais e sociais das obras. Aceito o desafio, nada mais natural do que entregar, agora em 2007, a coordenação dos trabalhos aos pesquisadores Paulo Sabroza e Luciano Toledo - este último, além de desenvolver pesquisas na região há mais de 20 anos, foi diretor do Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (CPqLMD), unidade da Fundação no Amazonas, durante seis anos. Abaixo, a entrevista com Luciano Toledo.


 Toledo: A atuação na região interessa à Fiocruz, ao governo e à sociedade brasileira (Foto: Virginia Damas)

Toledo: A atuação na região interessa à Fiocruz, ao governo e à sociedade brasileira (Foto: Virginia Damas)


Sobre o que trata, exatamente, esse acordo de cooperação técnica e quais são as instituições que estão envolvidas na parceria?

Luciano Toledo:
Nas primeiras reuniões com o Ipepatro, realizadas em dezembro, aqui no Rio, a idéia inicial era que a Ensp, com base na experiência adquirida, instalasse um Centro de Saúde Escola em Porto Velho, com o objetivo de prover o local de um serviço de atenção à saúde mais específico e, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades de formação de recursos humanos para o SUS na região. Essa medida, no entanto, nos pareceu inviável, pois não haveria como a Ensp assumir a construção e a administração de uma unidade de saúde tão distante, além de não ser este exatamente o papel da Escola. Nós, então, estabelecemos contato com a Universidade Federal de Rondônia (Unir), que tem curso de enfermagem e medicina e, institucionalmente, tem a responsabilidade de formar recursos para o SUS na região. A universidade assumiu o projeto de gestão desse centro de saúde, cabendo à Ensp o papel de assessorar e prestar orientação técnica.


A história, no entanto, não pára por aí, uma vez que, por sugestão da direção, a Ensp propôs a criação de um núcleo intersetorial de monitoramento e análise das condições de vida e saúde na área de abrangência das hidrelétricas propostas. Digamos assim, de uma "incubadora intersetorial de projetos de pesquisa e ensino sobre a região" que reúna representantes de vários órgãos e instituições que atuam e têm interesses na área, possibilitando o trabalho cooperativo. A proposta da Ensp foi muito bem recebida por Furnas, responsável pela construção das hidrelétricas, pelas secretarias de Saúde de Rondônia e de Porto Velho, pela Unir, pelo Ipepatro e até mesmo pelo Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), órgão vinculado ao Gabinete Civil da Presidência da República. O Sipam disponibilizou suas instalações de Porto Velho para a realização de um primeiro seminário, no qual as diversas instituições envolvidas discutirão suas responsabilidades e seu papel nessa parceria.


O que está sendo pensado em termos de participação da Escola?

Toledo:
Já estamos realizando, em Porto Velho, um curso de especialização em vigilância das doenças transmissíveis, dirigido para a qualificação técnica de profissionais do SUS e do qual participam docentes de diversos departamentos da Ensp. No final do ano, vamos implantar, também em Rondônia, uma nova turma de mestrado em vigilância em saúde, em parceria com a Unir. Ambos os cursos vem sendo financiados com recursos do Vigisus. Preocupações com os impactos das grandes queimadas sobre a saúde humana na Amazônia, com a ampliação das desigualdades sócio-sanitárias nas áreas de implantação de grandes projetos de desenvolvimento, são pressupostos básicos na conformação desses cursos.


Até agora abordamos o acordo e o papel da Ensp. O senhor pode falar sobre os impactos que estão sendo esperados com as obras?

Toledo:
Bem, o Rio Madeira é um dos que apresenta maior volume de sedimentos do país e o temor de algumas pessoas é que a redução da velocidade das águas, cause um assoreamento muito grande dos lagos das duas hidrelétricas. Outros técnicos, no entanto, garantem que esse problema tende a se estabilizar com o tempo e que, portanto, não haveria maiores conseqüências. Além disso, avanços tecnológicos permitem que as áreas de inundação dessas usinas sejam bem menores que as de Tucuruí e Balbina – que começaram a operar em 1984 e 1988, respectivamente –, trazendo muito menos riscos ao meio ambiente. Na opinião de muitos técnicos, nós mesmos inclusive, é que, apesar dos danos ambientais não poderem ser descartados, os maiores impactos das atuais usinas seriam sociais.


Como assim?

Toledo:
Em primeiro lugar, diferente das usinas de Tucuruí e Balbina que ficavam distante de tudo, no meio da mata do Pará e do Amazonas, as usinas de Santo Antônio e Jirau ficam praticamente na periferia de Porto Velho, uma cidade que tem atualmente cerca de 250 mil habitantes e cuja população da periferia já enfrenta sérios problemas sociais e, conseqüentemente, de saúde. Considerando que, só de mão de obra direta, essas obras empregararão, no momento de pique, cerca de 40 mil pessoas e que outras 80 mil migrariam para a região, atraídas pela oportunidade de ganhar dinheiro com o pequeno comércio, a prostituição ou até mesmo o garimpo, o quadro seria lastimável. Se imaginarmos que a população aumentará em cerca de 30% em apenas quatro anos, é fácil perceber que os problemas de saúde já existentes, como a malária, e todos aqueles causados pela exclusão social – violência contra a mulher, os adolescentes e as crianças; alcoolismo e vários outros distúrbios psiquiátricos – serão potencializados e tenderão a ficar incontroláveis.


Quando se vê toda essa discussão sobre a construção das usinas e a preocupação de vários órgãos e instituições de saúde em se adiantar aos problemas que poderão surgir, nota-se uma grande diferença nos processos que resultaram na construção das usinas de Tucuruí e Balbina e das usinas do Rio Madeira. O que isso representa?

Toledo:
Bem, naquela época, o Brasil vivia um período de governo militar. As coisas não eram discutidas, elas eram feitas e pronto – do tipo: missão não se discute, cumpre-se. Agora nós vivemos um momento em que as questões ambientais ganharam uma importância e uma visibilidade muito grande, chamando atenção do mundo todo. O tema está sempre presente na mídia e não dá mais para simplesmente sair realizando obras sem maiores discussões sobre seus impactos no meio-ambiente, sobre a vida como um todo, inclusive a humana. Ou seja, o contexto hoje é muito diferente do contexto daquela época. Mas tem também as lições que nós aprendemos com os erros, ou seja, uma tentativa de se evitar erros anteriores e a vontade de se criar um novo modelo de desenvolvimento regional num cenário social mais justo e mais saudável para as populações.


O que todo esse projeto representa para a Fiocruz?

Toledo:
Em primeiro lugar, o reconhecimento pelo trabalho realizado. A participação da Ensp nesse projeto não é à toa. A Escola e a Fiocruz, como um todo, foram chamadas a participar dessa parceria por causa dos trabalhos que vêm desenvolvendo há mais de 30 anos. Ou seja, os profissionais da Escola têm um conhecimento muito grande acumulado; um conhecimento que legitima a participação da Ensp nessa iniciativa. Fora isso, há a possibilidade de vários profissionais participarem de um projeto grandioso, que interessa à Ensp, no que diz respeito ao seu trabalho com saúde pública, mas também à Fiocruz, ao governo e à sociedade brasileira. Há a chance de envolver profissionais de todas as áreas e departamentos da Escola. No caso do centro de saúde, por exemplo, será fundamental a participação dos profissionais do setor, que têm uma experiência muito grande de trabalho com populações da periferia, populações de baixa renda. Mas não é só isso, há muito trabalho para o pessoal do Daps, porque será preciso desenvolver e aperfeiçoar o trabalho de gestão em saúde naquela região; para o pessoal da epidemiologia. A contribuição que os profissionais aqui do Densp podem dar é enorme. Enfim, é um projeto capaz de envolver a Ensp de forma geral, que conta com total apoio da direção e que ratifica o papel pioneiro que a Escola sempre exerceu no âmbito da saúde pública no país.


Fonte: Informe Ensp

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