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18/03/2011

Fiocruz começa a ocupar um novo campus no Rio de Janeiro

Ricardo Valverde


Em maio de 1900, quando o Instituto Soroterápico Federal – embrião da atual Fiocruz – foi criado, ocupou uma antiga fazenda no bairro de Manguinhos. Hoje, quase 111 anos depois, a história se repete: a Fundação começa a instalar um novo campus em uma área que no passado também foi originalmente uma fazenda com grande produção agrícola e que tinha o açúcar como principal fonte de receitas. É o Campus Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA), uma área de 5 milhões de metros quadrados situada em Curicica, na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Segundo o sociólogo e cientista político Gilson Antunes, coordenador-executivo do programa de implantação do novo campus, esta “é uma excelente oportunidade para se estabelecer uma ocupação baseada nos princípios da sustentabilidade, tanto para os investimentos da Fiocruz no CFMA quanto nas suas relações com o meio ambiente natural e socialmente construído, que o envolve, contribuindo para a melhoria das condições de vida da população remanescente da época em que existia a extinta Colônia Juliano Moreira, para deficientes mentais”. O coordenador-executivo afirma que os planos para o espaço são ambiciosos, porque incluem a instalação de núcleos das diversas unidades da Fundação no CFMA, que em seu interior preserva uma extensa área de Mata Atlântica – daí o seu nome –, com florestas, rios, cachoeiras e trilhas. “Queremos obter o certificado ISO 14.000, que atesta a qualidade ambiental na ocupação. No Brasil, apenas a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) tem o certificado”.


 O novo <EM>campus</EM> da Fiocruz tem cerca de 5 milhões de metros quadrados – uma área um pouco maior que o principal <EM>campus</EM> da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Fundão, e bem maior que o <EM>campus</EM> da Fundação em Manguinhos, que tem por volta de 800 mil metros quadrados

O novo campus da Fiocruz tem cerca de 5 milhões de metros quadrados – uma área um pouco maior que o principal campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Fundão, e bem maior que o campus da Fundação em Manguinhos, que tem por volta de 800 mil metros quadrados


A relação da Fiocruz com o local começou em 2003, quando recebeu o chamado Setor 1 (o maior e mais bem preservado), com cessão precária. Em 2007 a cessão foi consolidada por 50 anos e dois anos depois teve início o processo de doação definitiva da área à Fiocruz, com previsão de conclusão ainda para 2011 – para isso ainda falta a regularização fundiária e urbana das populações que moram no perímetro do CFMA, que está sendo feita com R$ 7 milhões em recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Tais populações serão integradas à malha urbana da cidade a partir da redefinição do limites do CFMA. Os demais setores são o 2, onde funcionava a Juliano Moreira; o 3, que foi cedido à Secretaria de Habitação para assentar pessoas desabrigadas; o 4, vendido pelo Exército e que será transformado em um bairro; o 5, onde está instalado o Hospital Rafael Pedro Souza; e o 6, no qual está o Centro Hélio Fraga.


Em 2004, uma portaria da Presidência da Fiocruz definiu três eixos de atuação do então Campus Jacarepaguá 1, atual Campus Fiocruz da Mata Atlântica: fitomedicamentos, patrimônio cultural da saúde e biodiversidade e saúde. Em 2005, foi criado o Programa de Implantação do Campus de Jacarepaguá:  fez-se a articulação para desenvolver o Plano Diretor e o Plano de Regularização Fundiária e estabeleceu-se o sistema de gerenciamento ambiental.


 O local abriga edificações históricas, como o antigo aqueduto

O local abriga edificações históricas, como o antigo aqueduto


Além desses objetivos, o Programa de Implantação do Campus articulou ações para conhecer o novo território, elaborar projetos de captação de recursos externos e promover articulações com outras instituições para viabilizar a implantação do CFMA. O Programa de Implantação do Campus Fiocruz da Mata Atlântica (PICFMA) é um programa interdisciplinar com um modelo de ocupação que prioriza a preservação, a proteção e a recuperação dos patrimônios ambiental e cultural, consolidando um território saudável e sustentável. O novo campus da Fiocruz tem cerca de 5 milhões de metros quadrados – uma área um pouco maior que o principal campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Fundão, e bem maior que o campus da Fundação em Manguinhos, que tem por volta de 800 mil metros quadrados. “A intenção é construir nas áreas de clareiras, áreas degradadas planas, que representam cerca de 8% do território do CFMA. Estas áreas serão destinadas às edificações, paisagismo, vias urbanas, áreas de convivência e estacionamentos. O restante será objeto de ações de restauração ambiental, ou seja, mais de 90% do CFMA serão dedicados ao restabelecimento da complexidade do bioma Mata Atlântica”, afirma Antunes.


Unidades começam a fazer planos para o CFMA


Antunes diz que algumas unidades da Fiocruz, como o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), o Instituto Fernandes Figueira (IFF) e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) já demonstraram interesse em instalar núcleos no CFMA, sendo que o primeiro já estabeleceu uma área de produção de fitomedicamentos com hortos e processamento primário das plantas. “A Casa de Oswaldo Cruz (COC) fez o levantamento do patrimônio histórico e arquitetônico do campus e está iniciando os levantamentos arqueológicos. É um território rico em termos da história de ocupação humana. Já foram encontradas, por exemplo, peças como machados e outros objetos produzidos por indígenas que habitavam a região séculos atrás”. Da lista de sítios arqueológicos constam ainda um cemitério, uma senzala, uma igreja, a sede da antiga fazenda e outros. O local está tombado pelos órgãos de defesa do patrimônio histórico.


Segundo Antunes, atualmente estão em andamento os seguintes projetos e ações: Programa de Fitoterápicos (horto e viveiro); Farmácia Viva; Programa de Preservação do Patrimônio Histórico da Saúde – Arquivo, Pesquisa e Patrimônio Edificado; Programa de Biodiversidade e Saúde (levantamento florístico e parâmetros ambientais); Programa de Implantação do CFMA; integração com as ações do PAC Colônia, orçado em R$ 142 milhões; Plano Diretor de ocupação; Plano de Regularização Fundiária e Sistema de Gerenciamento Ambiental; Projeto Cidades Saudáveis; Desenvolvimento de Tecnologias Sociais; Núcleo de Educação Não-formal em Saúde e Ambiente para crianças das comunidades (com a ONG Viva Rio); recuperação do Pavilhão Agrícola e do paisagismo do entorno; e restauração da floresta. O Viva Rio atua como parceiro na área social, colaborando em projetos de educação, na regularização fundiária e no Núcleo de Convívio.


A leishmaniose também está em pauta no local. O Instituto Oswaldo Cruz tem pesquisadores no campus estudando a enfermidade. Os dados da prefeitura informam que 68% dos casos da doença na região de Jacarepaguá ocorriam no território da antiga Juliano Moreira. Com orientação e capacitação para o manejo ambiental correto, esse número vem sendo reduzido.


Um projeto em andamento é o Desenvolvimento Comunitário e Educação para a Sustentabilidade, que promove atividades para capacitação, geração de emprego e renda, conscientização ambiental, de apoio ao processo de regularização fundiária das ocupações existentes no local, buscando a melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda. Entre as ações desenvolvidas pelo projeto estão a capacitação de jovens para a conservação ambiental, ações de recuperação ambiental (nas matas, encosta e rios), implantação de sistemas de coleta seletiva de lixo, formação de jovens agentes ambientais, além dos eventos ambientais (informação, mobilização, pesquisas e monitoramento) junto às comunidades.



Coleta de lixo


O CFMA, que faz divisa com o Parque Estadual da Pedra Branca, está numa região que sofre grande impacto da expansão urbana. Portanto, o Programa de Implantação do Campus Fiocruz da Mata Atlântica desenvolve três projetos a respeito do lixo produzido pelas comunidades no interior do território e também no seu entorno imediato e nas áreas internas, especificamente o Pavilhão Agrícola – sede do PICFMA. O Projeto de Coleta Seletiva no Pavilhão Agrícola tem por objetivo separar os resíduos sólidos recicláveis gerados pelo funcionamento da Fiocruz e encaminhá-los para doação à cooperativa de catadores Barracoop, em Jacarepaguá. O projeto foi lançado com palestras para esclarecer dúvidas quanto à utilização dos coletores já instalados. A equipe de Gestão e Educação Ambiental do PICFMA pretende realizar mensalmente palestras e oficinas para informar, esclarecer e apresentar os resultados da coleta seletiva para todos os usuários do Pavilhão Agrícola.


Outro projeto em desenvolvimento trata da construção de abrigos para depositar o lixo das comunidades no interior do CFMA. Algumas residências não contam com a coleta feita de porta em porta pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) e nem com a varredura feita pelos garis. Isto causa acúmulo de lixo nas vias sem nenhum tratamento, aumentando a quantidade de vetores causadores de várias doenças. A iniciativa também é resultado de parceria com o Viva Rio. Os moradores construirão os abrigos em pontos estratégicos de cada comunidade para o acondicionamento adequado do lixo até o momento da coleta.


O terceiro projeto é o Coleta Seletiva Solidária na Colônia Juliano Moreira, que consiste em estruturar a implantação da coleta seletiva de resíduos sólidos no território da Colônia e será realizado em parceria com a Barracoop, o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Mental Juliano Moreira (IMASJM), a empresa de reciclagem de embalagens Recicoleta e a Associação de Moradores da Floresta da Pedra Branca. A Barracoop alocará, duas vezes por semana, um Posto de Troca de Recicláveis em um ponto estratégico entre as comunidades locais. Os materiais recicláveis serão a moeda de troca para a obtenção de alimentos não perecíveis.


Olimpíadas 2016


Citada no documento oficial da candidatura carioca ao Comitê Olímpico Internacional (COI) por sua relevância e importância estratégicas para o país, que cada vez mais fortalece seu papel no cenário mundial, a Fiocruz aparece com projetos para os campi de Manguinhos e da Mata Atlântica. Em relação ao campus Mata Atlântica, a inserção da Fiocruz no legado dos Jogos se refere a projetos sociais e estruturantes que contribuam para a plena realização das atividades da Fundação na região e ajudem a recuperar o local. Dentro do campus será feita a revitalização do Núcleo Histórico Rodrigues Caldas e a recuperação de outras edificações. Também será construído um centro de recepção e feita a recuperação do Complexo Zanine (o horto-escola). São ações que permitirão à Fiocruz executar os seus planos de ocupação da área, que é de importância vital e estratégica para o futuro da instituição.


Além do legado social, na região do campus Mata Atlântica haverá o legado ambiental, com a recuperação de áreas de floresta e a criação de um parque ecológico que integrará os dois vales do lugar. Como o campus está situado a pouco mais de quatro quilômetros da sede do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), na Barra, também servirá de apoio ao chamado Complexo Olímpico. Ainda no entorno do campus Mata Atlântica deverão ser erguidos um complexo educacional e uma vila olímpica, beneficiando a população.


Regularização fundiária


A antiga Colônia Juliano Moreira, situada em Jacarepaguá, na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, foi inaugurada como instituição psiquiátrica em 29 de março de 1924, em terras da antiga Fazenda do Engenho Novo. Sua criação decorreu da transferência, para as terras desapropriadas da fazenda, das antigas colônias de alienados da Ilha do Governador. Por muito tempo, a Colônia Juliano Moreira foi referência nacional em atenção à saúde mental. Dos anos 20 aos 80, funcionava como destino final para pacientes considerados irrecuperáveis. Na década de 60 chegou a abrigar cerca de 5 mil pessoas. “As antigas colônias da Ilha do Governador foram transferidas para Jacarepaguá porque o bairro estava se tornando um balneário para a classe média, portanto o governo decidiu levar os alienados, como eram chamados à época, para Jacarepaguá, então uma localidade muito distante do centro urbano da cidade”, afirma Antunes.


A distância foi o que fez com muitos parentes de pacientes e funcionários da colônia, passassem a construir casas no entorno, porque com isso evitavam grandes deslocamentos de ida e volta. “Hoje, calculamos os descendentes desses moradores originais, na área administrada pela Fiocruz, em cerca de 900 pessoas. São 215 famílias”, diz o coordenador.


As residências dessas pessoas estão sendo objeto da regularização fundiária no CFMA - cinco comunidades serão beneficiadas, já que as famílias receberão a titulação dos terrenos, mediante a delimitação física do lote em que vivem e o cadastramento. “Vamos também fazer a implantação e o reconhecimento de logradouros (endereço, número e nome de rua), com titulação dos proprietários dos lotes. Esta regularização fundiária estará associada à regularização urbanística”, observa Antunes. Ele acrescenta que será superada a situação de assentamento informal, atualmente subordinada à Fiocruz, “Após a regularização a área passará a integrar a malha urbana, sob gestão da Prefeitura”. Antunes adianta que os lotes não poderão ser divididos e nem vendidos, para evitar a favelização.


O fim da Colônia Juliano Moreira


No início dos anos 80, após longo processo de deterioração, a colônia iniciou uma transformação do seu modelo assistencial, em consonância com a Reforma Psiquiátrica que vinha ocorrendo em diversos países. Foram abolidos o eletrochoque, as lobotomias e o abuso de neurolépticos. Novas internações de longa permanência deixaram de ser aceitas e assistência a novos pacientes em crise passou a ser feita pelo Hospital Jurandyr Manfredini, especialmente criado para este fim.


Administrada pelo governo federal desde sua criação, a instituição foi municipalizada em 1996, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS) e passou a chamar-se Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira. O principal eixo do trabalho desenvolvido é o programa de desinstitucionalização, que promove a transferência progressiva de pacientes para fora das instalações hospitalares. Aqueles com maior autonomia mudam-se para as residências terapêuticas, onde passam a viver com outros usuários de serviços de saúde mental, recebendo ajuda financeira do poder público (bolsas de incentivo à desinstitucionalização oferecidas pela Secretaria Municipal de Saúde e pelo Ministério da Saúde). Outros vivem nos lares de acolhimento – grandes casas, resultantes das reformas havidas nos antigos pavilhões do Instituto que, em vez de enfermarias, contam hoje quartos para duas ou três pessoas, com banheiros privativos, copa, cozinha e sala de estar coletivas antigos pavilhões.


O Instituto também abriga, nas suas dependências, o Museu Bispo do Rosário, responsável pela guarda e manutenção de todo o acervo do artista, que viveu na instituição por 50 anos, além de manter um calendário de exposições temporárias de artistas contemporâneos destacados.


Publicado em 17/3/2011.

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