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26/07/2016

Fiocruz debate comunicação pública e democracia no Brasil

André Costa, César Guerra Chevrand, Claudio Oliveira e Renata Moehlecke


“Esse seminário ocorre em um momento muito grave do nosso contexto político e, ao mesmo tempo, prepara uma revisão da Política de Comunicação da nossa instituição pautada pelo conceito de comunicação pública”, destacou a vice-presidente de Ensino, Comunicação e Informação da Fundação, Nísia Trindade, na mesa de abertura da Semana de Comunicação da Fiocruz, que ocorre de 25 a 29 de julho. “Este não é um evento isolado e certamente o debate aqui vai contribuir muito para reflexão que todos na Fiocruz vão poder realizar”.

Segundo Nísia, o evento coloca em pauta a Comunicação, tema fundamental atualmente para se pensar a democracia no Brasil. A proposta é que a semana de debates auxilie na construção coletiva de uma Política de Comunicação institucional. “Nossa ideia é que essa discussão vá a uma consulta pública na comunidade Fiocruz e, depois, para o nosso Conselho Deliberativo. Também o Conselho Superior será chamado a discutir esse tema como um tema de grande prioridade institucional”, afirmou. Ela ainda acrescentou: “Essa Política de Comunicação está associada a outras políticas que estão sendo instituídas na Fiocruz, com o propósito da democratização da informação, de ter uma comunicação pública e cidadã. Dentre essas políticas, está a de Acesso Aberto, que foi instituída no início de 2015”.

Logo após a mesa de abertura, a primeira atividade da semana foi a mesa-redonda Comunicação Pública: construção e impasses, que reuniu o coordenador do Programa Radis Fiocruz, Rogério Lanes, o vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Rodrigo Murtinho, a deputada do PT/MG Margarida Salomão e o integrante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação Israel Vale. Os especialistas defenderam a importância da comunicação pública na construção de sociedades democráticas.

A mesa foi aberta pela professora de linguística Margarida Salomão. Eleita deputada federal pelo PT em Minas Gerais, ela destacou a relação direta entre a expansão da comunicação humana e a democracia, e deu exemplos de como a comunicação foi utilizada para moldar o imaginário popular construindo apoio para temas políticos. “A intervenção da Casa Branca em Hollywood após a 1ª Guerra Mundial mostra que, já naquele tempo, os norte-americanos entendiam a importância da TV e do cinema”.

Comentando a situação brasileira, a deputada lamentou o oligopólio na comunicação, a dificuldade em tratar o tema no congresso e alertou sobre possíveis retrocessos. “A mídia criou um ambiente propício para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff com a profusão de notícias negativas sobre o governo. E também manipula informações, como no caso da pesquisa do Datafolha recentemente publicada pela Folha de S. Paulo”. A professora descreveu o congresso como obscurantista e conservador, e apontou uma série de avanços na comunicação que estão em risco, um deles, seria o Marco Civil da Internet. “ A CPI dos crimes cibernéticos, a pretexto de evitar atividades criminosas, põe em risco o direito à privacidade”, apontou.

Na sequência do debate, o jornalista Israel do Vale falou sobre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e as dificuldades encontradas pelas TVs públicas no Brasil. Segundo ele, a tentativa de interferência no processo eleitoral da EBC/TV Brasil fere não só a liberdade de imprensa, mas também a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece que todo ser humano tem o direito de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios. O jornalista destacou ainda as dificuldades encontradas por aqueles que procuram debater sobre a comunicação no Brasil. “Sonho com o dia em que a comunicação pública será discutida nos botecos. O que vemos é uma mídia comprometida com os interesses de uma elite que não permite que outros tenham direitos”.

A mesa foi fechada por Rodrigo Murtinho, vice-diretor de comunicação e informação do Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Murtinho apresentou dados de uma pesquisa elaborada pela Fundação Perseu Abramo em 2013. O estudo mostra que 60,2% da população acreditam que as emissoras de TV são empresas de propriedade privada como qualquer outro negócio. Ou seja: desconhecem que, na verdade, trata-se de concessões públicas. “A maioria da população desconhece o Art. 223 da Constituição Federal, que determina a competência do Poder Executivo para outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. A radiodifusão no Brasil é comercial, concentrada nas mãos de poucos e está diretamente ligada à publicidade. As emissoras públicas acabam tendo um papel marginal”. 

Segundo Murtinho, a legislação brasileira sobre o assunto é uma colcha de retalhos que inclui leis que vão da década de 1930 a 2007, porém, o pesquisador vê como positivas as propostas referentes à comunicação formuladas nas conferências nacionais de saúde. “De forma geral, buscam a democratização dos meios de comunicação, a ampliação de vozes e o controle social da propaganda de produtos nocivos à saúde”.

Ao fim do seminário, os participantes lembraram da dificuldade enfrentada por aqueles que desejam debater comunicação no país. “Nada pode impedir a realização de um debate, mas é o que faz a grande mídia quando classifica como censura qualquer tentativa de debate. A verdade é que, de certa forma, vivemos em estado de censura”, disse Israel Vale.

Saúde Amanhã

A parte da manhã foi encerrada com o lançamento do novo portal do projeto Saúde Amanhã, realizado pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (Icict/Fiocruz) e lançado no último domingo (24/7). O projeto visa ter papel estratégico na saúde brasileira, desenvolvendo estudos prospectivos que identifiquem cenários possíveis para o sistema de saúde nacional pelos próximos 30 anos.

Segundo Bel Levy, uma das responsáveis pelo site, todo mês o portal reunirá diversas referências sobre um tema específico, mirando públicos que vão da academia a cidadãos, passando pelo poder público. “Este projeto põe a Fiocruz cumprindo seu papel de instituição estratégica de estado. Ele é norteado sempre por um olhar de longo prazo”, disse o diretor do Icict/Fiocruz, Umberto Trigueiros. Além do novo portal, o projeto agora conta também com uma página no Facebook e com um perfil no Twitter.

Documentário Freenet?

A exibição do documentário Freenet?, no auditório do Museu da Vida, também foi um dos destaques da programação do primeiro dia da Semana de Comunicação. O filme colaborativo questiona a liberdade e a privacidade na rede mundial de computadores, a partir de entrevistas com usuários e ativistas do Brasil e do mundo.

Discutindo o acesso à internet como um direito democrático, o documentário reúne imagens de arquivo e entrevistas inéditas sobre o tema. O longa é uma realização de quatro entidades brasileiras comprometidas com o debate de liberdade e defesa de direitos na internet: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS/FGV), Instituto Nupef e Intervozes.

Na mesa de debates, a coordenadora do Intervozes, Coletivo Brasil de Comunicação, Veridiana Alimonti, afirmou que o filme é uma iniciativa “complexa e ousada” no sentido de resumir em uma hora e meia as disputas entre os interesses econômicos de um lado e a garantia de direitos do outro. Diretor do Icict/Fiocruz, Umberto Trigueiros ressaltou a importância do filme para rediscutir conceitos como privacidade e inclusão social na era digital. “A internet hoje é um meio vital para o acesso à informação, à educação, à saúde e aos serviços públicos”, concluiu.

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