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28/07/2017

Fiocruz identifica fungo típico da África em Manguinhos

Antonio Fuchs (INI/Fiocruz)


A Tinea capitis, uma infecção fúngica cutânea dos cabelos/pelos da cabeça, é causada no Brasil principalmente pelo fungo Microsporum canis, sendo comum em crianças de três a sete anos e mais rara em adultos. Recentemente, a doença foi diagnosticada em dois menores moradores da comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Até então, nada de anormal. Entretanto, pesquisadores Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) ao investigarem mais profundamente o caso, perceberam que a Tinea capitis nesses pacientes era proveniente do fungo Microsporum audouinii, comum em países da África, e agora relatado pela primeira vez na literatura científica publicada na América do Sul.

A análise nas crianças resultou no artigo Tinea capitis por Microsporum audouinii: relatos de casos e revisão da literatura mundial publicada 2000-2016 que será publicado, em breve, na revista Mycopathologia. Segundo Rodrigo Almeida-Paes, tecnologista do Laboratório de Micologia e principal autor do trabalho, a “Tinea capitis é comum e existe no mundo inteiro. Quando fizemos o exame nos dois estudantes, aparentemente esperávamos encontrar o M. canis, mas fazendo a investigação, tanto a nível de morfologia do fungo quanto a nível molecular, percebemos que o agente causador era o M. audouinii, que até então não havia informe dele no Brasil ou em outros países da América do Sul”, disse.

(Confira o artigo, em inglês)

Rodrigo destacou que, na literatura científica, a maioria dos informes são provenientes da África, e quando se encontram notícias em outros países da Europa ou na Austrália, por exemplo, geralmente decorrem de alguma família que viajou para o continente africano e voltou para seu país de origem com a doença. “Não é o caso desses dois moradores de Manguinhos. Eles nunca foram à África. Então, a gente acredita que esse fungo esteja presente no Brasil, mas não cremos que ele tenha sido isolado pela primeira vez agora. É bem possível confundir o M. canis com o M. audouinii. Se não tivermos profissionais atentos para perceber as diferenças, um acaba se passando pelo outro. E há também o problema da notificação. Essa não é uma doença de notificação compulsória. Pode ser que haja algum laboratório que já tenha isolado essa espécie, mas que nunca a reportou ou publicou algo em nossa literatura. Nos papers disponíveis, esse primeiro caso relatado foi feito por nós do Laboratório de Micologia do INI”, informou o pesquisador.

Os sintomas são exatamente os mesmos para o M. canis e o M. audouinii, o que muda é o agente etiológico. As pessoas infectadas têm perda de cabelo em área localizada, couro cabeludo avermelhado e inflamado e coceira. Uma diferenciação importante entre elas é que as espécies são transmitidas por vias diferentes. Enquanto o M. canis é transmitido a partir de um animal infectado, sendo mais comum o gato ou cachorro, o M. audouinii pode decorrer de pessoa a pessoa. O tratamento mais indicado para a Tinea capitis é a adoção de comprimidos de griseofulvina, por trazer bons resultados a um baixo custo. Também podem ser utilizados a terbinafina, o itraconazol ou o fluconazol. Não é recomendado o uso de pomadas antifúngicas, uma vez que a ingestão oral dos medicamentos comprovou ser mais eficiente para a cura dessa infecção fúngica cutânea.

O pesquisador contou ainda que “como você tem fontes de transmissão diferentes, a profilaxia também é diferente para essas infecções. Enquanto no M. canis é necessário avaliar toda a questão dos cães e gatos que estão nas redondezas das pessoas, na infecção pelo M. audouinii é mais imperativo que se faça o rastreio não nos animais, mas sim nas pessoas. E como são crianças, você tem que investigar a turma delas no colégio ou na creche. Então a dinâmica de prevenção e controle é diferente, dependendo do agente causador”.

Os dois pacientes de Manguinhos foram atendidos por uma dermatologista do Ambulatório Souza Araújo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), e encaminhados para o Laboratório de Micologia do INI para a realização do diagnóstico. Os fungos foram classificados como M. audouinii por visualização de estruturas específicas da espécie, incluindo: hifas pectinadas, clamidoconídios e macroconidios fusiformes, crescimento com pigmento marrom característico em grãos de arroz e através do sequenciamento de DNA da região ITS. “Aqui nós coletamos o material dessas crianças, isolamos e identificamos o tipo de fungo. O trabalho finalizou agora com o aceite para publicação do artigo, mas o evento do atendimento ocorreu no final de 2014”, lembrou Rodrigo.

“Para a redação do trabalho, todas as infecções de M. audouinii descritas neste século foram revisadas e esse é o primeiro caso na literatura desta espécie na América do Sul. A identificação errada de M. audouinii com M. canis pode acontecer nessa área, levando a dados errôneos sobre a ocorrência dessa espécie”, explicam os autores no texto. Além de Rodrigo Almeida-Paes, o artigo Tinea capitis por Microsporum audouinii: relatos de casos e revisão da literatura mundial publicada 2000-2016 conta com as participações de Fábio Brito-Santos, Maria Helena Galdino Figueiredo-Carvalho e Rowena Alves Coelho, todos do Laboratório de Micologia do INI/Fiocruz, e Anna Sales, do Ambulatório Souza Araújo, do IOC/Fiocruz.

Uma proposta levantada pela equipe do Laboratório de Micologia do INI é, no futuro, entrar em contato com os profissionais do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que possui um melhor acesso à comunidade de Manguinhos e assim fazer um trabalho para investigar se as crianças dessa localidade estão tendo infecções por esse fungo ou se foram apenas dois casos isolados. “A forma como isso aconteceu aqui com certeza descarta a possibilidade de que o fungo tenha vindo da África. Nós acreditamos que ele esteja aqui, mas que não foi reportado antes por conta da falta de expertise. Seria interessante alertar os profissionais que trabalham em laboratórios para estarem atentos a essa nova espécie e os médicos pela questão da prevenção da ocorrência de novos casos, prestando atenção se são causados por M. canis ou M. audouinii”, encerrou o pesquisador.

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