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31/03/2010

Fiocruz Minas promove fórum sobre a violência contra a mulher

Jamerson Costa


Especialistas em saúde pública, coordenadores de órgãos de defesa dos direitos humanos, profissionais de Assistência Social, pesquisadores e estudantes. Esse é o perfil do público que participou do 1º Fórum Fiocruz Minas: Mulheres em situação de violência, um tema de saúde pública. O evento foi organizado pela coordenadora-adjunta do Comitê Pró-Equidade de Gênero da Fiocruz, Elizabeth Fleury, que apresentou a palestra Violência contra mulheres como manifestação de um contrato social. As atividades do fórum ocorreram no Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR/Fiocruz Minas), em Belo Horizonte.


 Em Minas, a violência doméstica apareceu em primeiro lugar disparado, entre os casos mais denunciados no Disque Direitos Humanos

Em Minas, a violência doméstica apareceu em primeiro lugar disparado, entre os casos mais denunciados no Disque Direitos Humanos


O comitê, criado em 2009, é vinculado à Vice-Presidência de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz e surgiu para assessorar na implantação e acompanhamento do Programa Pró-Equidade de Gênero, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal. Pós-graduada em ciências políticas, a coordenadora do evento registra que o encontro vai gerar desdobramentos nas políticas públicas relacionadas ao tema e melhorar o atendimento, ou mesmo a prevenção, para mulheres em situação de violência.


“Já obtivemos da Secretaria da Saúde de Minas Gerais a promessa que começarão agora a tratar da inclusão das mulheres em situação de violência na área da Superintendência de Atenção Primária à Saúde, como avisou a subsecretária da área, Helidéa de Oliveira Lima. Essa é a vitória mais importante que o fórum já provocou. Há anos o atendimento da secretaria estadual (e esta é a situação em geral no país todo) se resumia aos casos de violência sexual”.


O evento promovido na Fiocruz Minas deu aos participantes o panorama dos investimentos públicos realizados, as metodologias de trabalho dos pesquisadores e as dificuldades dos profissionais que atuam na área. Segundo Beth Fleury, o evento conseguiu se aproximar dos objetivos traçados, entre eles articular os atores sociais e políticos, registrar os principais impasses, discutir demandas de capacitação do setor saúde nesta área e iniciar aproximações com várias instituições presentes, visando à construção de trabalhos em parceria.


Atendimento em BH e em Minas



Entre os presentes estavam representantes das secretarias de Saúde de Belo Horizonte e de Minas Gerais, que apresentaram dados e mostraram como está o andamento dos programas de conscientização, proteção e reintegração das mulheres em situação de violência. “Aumentou a notificação dos casos e isso é importante. Aumentaram os números de casos, mas também de informação que agora todos nós temos”, aponta Márcia Rovena, da Secretaria da Saúde de Minas Gerais.


“Com isso, podemos trabalhar em diferentes níveis de prevenção. Existe a primária, que pretende prevenir a situação antes que ela aconteça. Tem a secundária, formada pelos cuidados médicos e psicológicos necessários às vítimas de violência doméstica. E a terciária, que são trabalhos de reabilitação e reintegração dessas vítimas”, explica. Ela lembra ainda de programas que se tornaram essenciais para inserir o cuidado às mulheres na pauta de debate e de ações da saúde pública, como o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que levou as secretarias estaduais e municipais a criarem cartilhas, planos e programas próprios.


Exemplos do RS e do RJ


Outra palestrante do evento, a pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Stela Meneghel, mostrou especificidades na forma de conduzir pesquisas acadêmicas sobre o tema. Ela é autora do livro Rotas críticas 1 e 2 – Ferramentas para trabalhar com a violência de gênero.“Prefiro as pesquisas participantes. Elas dão mais informações sobre a realidade das situações”, comenta. “Além disso, existem muitas pesquisadoras que se identificam com as pesquisas, com os acontecimentos da pesquisa”, afirma.


Cecília Minayo, do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), apresentou a palestra Representações sociais de profissionais de saúde sobre violência sexual contra a mulher: estudo de três maternidades públicas do Rio de Janeiro. Ela falou de como os profissionais de saúde observam a situação. Eles se encontram diante de três ideias diferentes, quando pensam no assunto. A primeira é de que a violência é um grande sofrimento para a mulher. A segunda, é que o problema é motivado por um distúrbio dos homens que cometem a agressão e, nesse caso, que a solução estaria em tratar os agressores. E, como terceira perspectiva mais comum, que o problema é nada mais que uma relação sexual forçada, como qualquer outra.


 “Com isso, os profissionais que atendem mulheres nessa situação procuram tratamentos ligados com essas ideias que têm da violência. Para quem vê o problema como um sofrimento para a mulher, o diagnóstico é receitar remédios. Para quem acha que isso é causado por um distúrbio dos agressores, não cabe falar em prevenção, mas em educação ou em tratamento deles”, aponta. Quanto à relação sexual forçada, “a explicação está nos conflitos que existem nas relações. É mais sobre uma relação entre homem e mulher e o que existe nessa relação. Assim, o tratamento passa pelo casal, pela família, pelo grupo”, aponta Minayo. “A violência sexual tem consequências que duram anos”, lembra.


Público apresenta casos



Mulheres e homens, estudantes e pesquisadores, servidores municipais e estaduais, de um lado, e diretores de entidades públicas, de outro. O público presente no auditório do Centro de Pesquisa René Rachou polemizou, tirou dúvidas e contribuiu ativamente nos dois dias de evento.


Da plateia, o superintendente de Avaliação e Qualidade de Atuação do Sistema de Defesa Social, da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (Seds), José Francisco da Silva, lembrou que durante o ano 2000, quando começaram as atividades do programa Disque Direitos Humanos, era esperado que temas como violência policial fossem os mais denunciados.


“Mas a violência doméstica apareceu em primeiro lugar disparado, entre os casos mais denunciados no Disque Direitos Humanos, para nossa surpresa”, comentou. Para ele, é necessário que exista interação entre os programas das diferentes secretarias de um mesmo órgão e entre as três instâncias públicas. “São as interações verticais, entre União, estados e municípios, e horizontais, entre os órgãos de uma mesma instância”, explica.


Em outra participação da plateia, a assistente social Gláucia Fulgêncio, da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, comentou sobre a angústia que sente ao tentar saber dos casos de violência doméstica e da falta de interação entre profissionais e entre equipes. Ela se sente isolada no Centro de Saúde em que trabalha, numa comunidade da região de Venda Nova.


“Sempre gostei de estudar sobre esses assuntos. Hoje, nomeada para o Centro de Saúde do bairro Lagoa, na região de Venda Nova, vejo que as denúncias não chegam, mesmo com quase totalidade da comunidade do bairro fazendo uso do local”, aponta. “Acho que médicos e enfermeiras, no geral, não foram capacitados para atender a esses tipos de conflito. E, acredito, não querem participar na resolução dos casos. Muitas situações chegam aos centros de saúde, mais do que aos hospitais, mas ficam por isso mesmo”, diz.


Notificação de casos



A participante Rosana Scotti, da Coordenação de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente, da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, lembra que existe uma diferença entre a notificação e a chamada sub-notificação. E opina que, em Belo Horizonte e mesmo no estado, “os casos são muito sub-notificados. Além disso, a violência não é só pessoal, mas familiar”.


Para ela, que chegou a ser contestada por alguns participantes, mas também apoiada por outros, “é preciso superar a dicotomia vítima e agressor. Essa é uma questão de família. Por isso, tem que tratar as relações familiares como um todo”. A pesquisadora, socióloga e vereadora Terezinha Berenice Stralen, da Câmara Municipal de Sabará, pensa o contrário, e acredita que “o boletim de ocorrência policial é um registro, inclusive para o Judiciário, e por isso é importante como meio de notificação”.


Mônica Guimarães, da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, lembrou ainda que existem agravantes, no caso, por exemplo, de uma mulher ser negra. “Quando uma mulher é negra, é pior, porque já vem com o estigma do preconceito”, diz. “Por isso, não é importante falar só de um sintoma e de políticas, mas de mulheres, que são emoção”, opina.


Além dos desdobramentos em políticas públicas, segundo a coordenadora do evento, o fórum vai gerar um documento de análise técnica, a ser produzido por ela, com a colaboração da socióloga Terezinha Stralen, consultadora convidada pela Fiocruz Minas para dar suporte neste trabalho. Em até seis meses as especialistas esperam estar com a análise pronta, que apresentada aos gestores de órgãos públicos em uma sessão pública de debates, organizada especialmente com este objetivo.


Publicado em 29/3/2010.

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