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09/06/2020

Fiocruz participa de marcha em defesa da vida, saúde e do SUS

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


Pesquisadores da Fiocruz participaram, nesta terça-feira (9/6), da Marcha Virtual pela Vida. Transmitido pelo canal da Fiocruz no YouTube, o evento foi promovido pela Frente pela Vida, que reuniu entidades da sociedade civil e convidou para o que foi chamado de Dia V [de vida], um encontro em defesa da vida, da saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS), da solidariedade, do meio ambiente, da democracia, da ciência e da educação. A presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima, abriu o encontro com a palestra O papel da Fiocruz na pandemia de Covid-19. Em seguida, outros três pesquisadores da Fundação intervieram. A coordenação esteve por conta dos também pesquisadores Wilson Savino e Carlos Machado. 

Confira o evento na íntegra. 

 

Depois da presidente, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira, abordou O panorama da ciência no âmbito da saúde coletiva. O pesquisador Maurício Barreto discorreu sobre Informação e conhecimento em tempos de pandemia: o exemplo da Rede Covida. E Sergio Luz comentou a respeito de Pesquisa e ação em saúde em populações vulneráveis na Amazônia.

A presidente Nísia Trindade Lima iniciou sua participação comentando o trabalho integrado em Covid-19 que a Fiocruz vem fazendo, juntando vários de seus institutos e reforçando o caráter nacional da instituição, que está presente em dez estados e nas cinco regiões da Federação. Consternada pelas mais de 37 mil vítimas do novo cororavírus no Brasil, ela se mostrou preocupada com o que ainda está por vir.

Segundo Nísia, a pandemia deixou ainda mais expostas as vulnerabilidades socioeconômicas de largas parcelas da população brasileira, além da desindustrialização e da forte dependência tecnológica que o Brasil tem em relação a outros países (imagem: Divulgação)

 

“A importância deste evento, de tantos outros que têm sido realizados, é juntar esforços para salvar vidas. Lembro que a Fiocruz, fundada há exatos 120 anos, surgiu para combater as epidemias de febre amarela, varíola e peste bubônica que castigavam o país na época. Decorridas tantas décadas, continuamos no enfrentamento dos problemas de saúde pública, numa perspectiva de defesa da vida”.

Nísia afirmou que o fortalecimento do conceito de Estado nacional é contemporâneo da criação do Instituto que deu origem à Fiocruz. “As linhas da História do Brasil se entrelaçam com as desta instituição”, disse ela, recordando que na época não havia nem mesmo uma instância federal para a saúde. Foi em 1930 que surgiu o Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública, que em 1937 se tornou o Ministério da Educação e Saúde. E finalmente, em 1953, Ministério da Saúde, desmembrado do da Educação. 

Segundo ela, o grande marco de direitos sociais é a Constituição de 1988, pela qual, por meio do movimento da Reforma Sanitária, chegou-se ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Que, neste momento, é um diferencial, uma fortaleza que garante o acesso universal, equânime e integral e assim consegue cuidar da população, em especial a mais vulnerável”. Nísia lembrou que a extrema desigualdade brasileira, aliada à grande densidade demográfica nas grandes cidades e aos problemas relacionados à mobilidade urbana, agravam a situação.

Entre os êxitos do SUS ela enumera, entre outros, a Atenção Básica, que está presente em 95% dos municípios, cobrindo 60% da população, e uma rede de vigilância em saúde organizada nacionalmente. A presidente também citou o potencial da pesquisa em saúde no Brasil, que se elevou 10 posições no ranking mundial nos últimos 15 anos, atingindo a 14ª posição.

Apesar das conquistas, para Nísia a pandemia deixou ainda mais expostas as vulnerabilidades socioeconômicas de largas parcelas da população brasileira, além da desindustrialização e da forte dependência tecnológica que o Brasil tem em relação a outros países. “Temos que pensar em ações específicas para o caso nacional e a resposta deve vir desse conjunto de saberes. Além disso, é fundamental defender o SUS e a C&T aplicada à saúde”.

Em relação aos pilares para gestão da pandemia, a presidente listou cinco: ciência, tecnologia e inovação; integração e análise de dados; testagem em massa; capacidade de tratamento intensivo (UTI); e distanciamento e isolamento social. “A pandemia é um imenso desafio a um país continental como o Brasil, por ser um fenômeno ambiental, econômico, social e sanitário em um país tão desigual e que apresenta eventos epidêmicos diversos. Temos grandes problemas de saneamento, moradia, emprego e renda e diante disso é vital termos uma agenda forte de geração de conhecimento, e não apenas de alta tecnologia, para mitigar essa difícil situação”.

Como parte das estratégias e ações da Fundação no enfrentamento da pandemia, Nísia listou o Inova Covid, que faz parte do Programa de Fomento à Inovação (Inova Fiocruz) e está voltado para projetos de pesquisa em áreas estratégias com foco na pandemia. Foram lançados dois editais: Ideias e Produtos Inovadores Covid-19-Encomendas Estratégicas; e Geração de Conhecimento e Enfrentamento da Pandemia e Pós-Pandemia Covid-19 - Encomendas Estratégicas.

Entre as estratégias para diagnóstico, ela citou a ampliação da testagem molecular (RT-PCR) para Covid-19 e a implantação de unidades de apoio ao diagnóstico molecular. A Fundação vai produzir 11 milhões de testes moleculares para o Ministério da Saúde até setembro. Além disso, serão estruturadas centrais analíticas para apoiar o Ministério da Saúde na realização de exames para o controle da pandemia. As quatro centrais analíticas ficarão no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Curitiba. Haverá ainda apoio à testagem em seis unidades técnico científicas da Fiocruz: Rondônia, Amazonas, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

Nísia comentou também sobre a construção, no campus da Fiocruz, de um hospital destinado a pacientes graves de Covid-19. E a liderança da Fiocruz, no Brasil, do estudo clínico Solidarity, criado pela OMS e destinado a pacientes graves internados nesse hospital, que já está em funcionamento.

Outras medidas destacadas pela presidente foram a capacitação de profissionais de saúde. Houve a capacitação de técnicos em saúde de nove países da América Latina para a realização de diagnóstico laboratorial do novo coronavírus: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai. A ação foi coordenada junto com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS). Ela citou ainda a elaboração de cursos e materiais educativos para profissionais de saúde.

A presidente disse que o apoio a populações vulneráveis das periferias das grandes cidades, bem como a indígenas e outras comunidades desassistidas, tem sido um dos focos da Fiocruz na pandemia. “E um ponto importante é que estamos trabalhando ‘com’ esses grupos, e não ‘para’ esses grupos.

Na área de análise e integração de dados, Nísia apresentou quatro iniciativas surgidas na pandemia. Uma delas é o Observatório Covid-19, que desenvolve análises integradas (cenários epidemiológicos; impactos sociais da pandemia; medidas de controle e serviços de saúde; qualidade do cuidado e segurança). Também foram criados a Rede Covida-Ciência, Informação e Solidariedade, que monitora a pandemia no Brasil e faz produção de sínteses de evidências científicas, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA); o Infogripe, que faz o monitoramento dos níveis de alerta para os casos reportados de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e a situação da Covid-19 no Brasil, em parceria com FGV, Emap e Ministério da Saúde; e o MonitoraCovid-19, um painel com estimativa da situação do Brasil e unidades federativas baseada no número de casos e óbitos notificados.

Em relação a vacinas, Nísia observou que, segundo a OMS, imunizantes e medicamentos são bens públicos. Ela integra um painel, do qual fazem parte outras instituições, que avalia quais os projetos mais promissores. “Esperamos vir a produzir, no Brasil, uma vacina contra a Covid-19”, afirmou a presidente, que tem sido convidada pela OMS para participar também de outros fóruns que reúnem líderes da saúde global”.

Por fim, ela comentou sobre o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (Cibs), o maior investimento do país em biotecnologia e que aumentará a capacidade atual de 20 milhões para 120 milhões de frascos de vacinas e biofármacos por ano. Nísia encerrou sua participação enviando uma mensagem de solidariedade às vítimas do novo coronavírus. “Precisamos estar todos engajados em ações que reduzam os impactos da pandemia. Junto com o Conass, o Conasems, o Congresso Nacional, a SBPC e as demais instituições de pesquisa visando salvar vidas e fortalecer o SUS e o sistema nacional de ciência e tecnologia”.

Depois da presidente houve a intervenção da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira, que abordou o panorama da ciência no âmbito da saúde coletiva. Ela fez um histórico da evolução do termo saúde coletiva, que teria aumentado o escopo dessa área acadêmica a partir das décadas de 1970 e 1980. “Ocorreu uma transformação do conhecimento em saúde, que se tornou multidisciplinar, reunindo ciências de fora do campo biomédico, como a economia, a geografia, a sociologia e a antropologia, entre outras”.

Segundo Cristiani, a produção científica sobre Covid-19 em periódicos nacionais já atinge a marca de quase 4 mil artigos, em todas as áreas (imagem: Divulgação)
 
 

A saúde coletiva se estrutura em um tripé formado por epidemiologia; políticas, planejamento e gestão em saúde; e ciências sociais em saúde, expandindo e tornando mais complexa essa área. Isso levou a um grande crescimento e diversificação dos programas de pós-graduação e da produção científica. Atualmente a Fiocruz tem 27 programas de pós-graduação acadêmicos e 16 profissionais. A Fundação oferece ainda 50 cursos de especialização e outros 30 de residência médica, enfermagem e multiprofissionais. Existem também cursos de qualificação profissional (presenciais e EAD) e cursos de formação técnica profissionalizante, como o de agentes comunitários de saúde.

Segundo Cristiani, a produção científica sobre Covid-19 em periódicos nacionais já atinge a marca de quase 4 mil artigos, em todas as áreas. Na área da saúde pública são cerca de 300 artigos. “A ciência brasileira, os pesquisadores brasileiros, estão produzindo e estão dando suas contribuições para o enfrentamento da pandemia”. Ela concluiu afirmando que o SUS “é um projeto civilizatório. E a saúde pública tem um compromisso com a vida, os direitos sociais e a democracia”.

O coordenador-geral do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), Maurício Barreto, discorreu sobre Informação e conhecimento em tempos de pandemia: o exemplo da Rede Covida. A Rede é uma iniciativa multidisciplinar de colaboração científica composta por pesquisadores e profissionais de diversas áreas, da Fiocruz e da Ufba, e focada na pandemia de Covid-19. Segundo ele, a rede tem quatro objetivos centrais: colaborar no monitoramento da pandemia, com previsões periódicas de sua evolução; construir modelos matemáticos com possíveis cenários de epidemia; sintetizar as evidências científicas em tempo real; e coletar, selecionar e tratar informações confiáveis sobre a Covid-19. “A partir disso são criadas estratégias de disseminação desse conteúdo adequadas para diversos tipos de público, em especial as populações mais vulneráveis”.

De acordo com Barreto, a Rede tem tido crescente acesso e credibilidade e permitido a criação de uma “inteligência coletiva” capaz de melhor compreender a pandemia, suas consequências e assim propor soluções. “Isso gera um importante legado de conhecimentos e dados e possibilita a elaboração de projetos de pesquisa em torno de tópicos específicos”. A Rede também tem publicado notas técnicas e recentemente lançou um guia para a produção e o uso correto de máscaras. “Somos mais de 180 profissionais, todos voluntários. E este número tem crescido”.

Por fim, o diretor da Fiocruz Amazonas, Sérgio Luz, abordou a grave situação da Covid-19 naquele estado da Região Norte. Para ele, a pandemia deixou evidentes a desigualdade no estado e a fraca efetividade do sistema de saúde amazonense. “E aí veio o colapso. Que ocorreu em Manaus e, de forma ainda mais grave, no interior. Quando o vírus subiu os rios, atingindo os municípios mais afastados, ocorreu um desastre maior do que na capital. São áreas isoladas, onde só se chega de barco, após muitas horas ou mesmo dias viajando de barco, em que 60% dos habitantes são indígenas e nas quais não existem UTIs”.

Luz disse que o futuro dessas comunidades é preocupante. “Estão perdendo muitos idosos entre os indígenas. E isso, para as comunidades, representa a perda do conhecimento, da cultura e do saber tradicionais. É um massacre”. O diretor afirmou que a situação é pior na chamada Tríplice Fronteira (Brasil, Colômbia e Peru), onde estão os cinco municípios brasileiros com maior porcentagem de indígenas entre seus habitantes. “São 7 grupos étnicos e 15 povos em total isolamento, a maior concentração do planeta”.

Para tornar a realidade ainda mais difícil, existe o que Luz chamou de “custo Amazônia”, que faz com que qualquer operação para levar materiais à região seja três ou quatro vezes mais cara do que nas regiões Sudeste e Sul, já que os rios são barreiras naturais e as dificuldades para transportar, imensas. Outro dado igualmente preocupante é que parte dos agentes que atuam nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) adoeceu. Luz disse que a Fiocruz está capacitando mais agentes e montando uma logística que permita chegar com mais facilidade a esses locais isolados. A unidade da Fiocruz no Amazonas também está conduzindo estudos epidemiológicos entre os indígenas para obter mais dados sobre essa difícil situação.

Um dos coordenadores da Marcha, Savino aponta que esta "é um processo, que não termina hoje. Somente assim vamos contribuir com a população e salvar vidas" (imagem: Divulgação)
 
 

O pesquisador Wilson Savino, um dos coordenadores da Marcha, afirmou na conclusão do evento que o esforço da Fiocruz e tantas outras instituições de pesquisa tem gerado inciativas concretas e também conhecimento para melhor enfrentar a pandemia. “É necessário transformar esse grito de desespero e tristeza, da Amazônia mas também das nossas periferias, em ação, por meio d ciência e da resiliência. A Marcha é um processo, que não termina hoje. Somente assim vamos contribuir com a população e salvar vidas. Solidariedade entre os brasileiros e entre os países”.

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