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06/06/2008

Fiocruz Pernambuco cria laboratório para estudos de violência e saúde

Rita Vasconcelos


No Brasil, os acidentes e violência ocupam, atualmente, um lugar de destaque no campo da saúde pública, uma vez que os mesmos são responsáveis pela segunda causa de morte no país e por uma considerável (e cara) parcela de internações hospitalares e de atendimento nos serviços de emergência. A geração de conhecimento científico em torno desta temática tem contribuído para que os profissionais, gestores e pesquisadores possam discutir a sua magnitude, refletir sobre políticas públicas específicas e propor soluções para o problema. Com o intuito de conhecer um pouco mais sobre as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas em Pernambuco acerca desta temática, a unidade da Fiocruz no estado promoverá, de 9 a 10 de junho, o 1º Encontro Interdisciplinar em Acidentes e Violência, com o tema Olhares sobre a produção científica. O evento marca a abertura das atividades públicas do Laboratório de Estudos de Violência e Saúde (Leves), da Fiocruz Pernambuco. A coordenadora do Leves, Maria Luiza Carvalho, conta a seguir sobre a iniciativa.


 Maria Luiza: A complexidade real da experiência e do fenômeno da violência exige que se ultrapasse simplificações e requer a abertura para a integração de esforços e pontos de vista de várias disciplinas

Maria Luiza: A complexidade real da experiência e do fenômeno da violência exige que se ultrapasse simplificações e requer a abertura para a integração de esforços e pontos de vista de várias disciplinas


Como surgiu a necessidade de criação de um laboratório voltado para o estudo da violência?


Maria Luiza Carvalho: Precisávamos agrupar pesquisadores, alunos da pós-graduação e pesquisadores de outras instituições/colaboradores com interesse em estudar e aprofundar sobre o tema da violência voltado para as questões da saúde pública, uma vez que esse é um tema que vem preocupando a todos nós. A complexidade real da experiência e do fenômeno da violência exige que se ultrapasse simplificações e requer a abertura para a integração de esforços e pontos de vista de várias disciplinas, setores, organizações e comunidades. Daí a necessidade de formar um laboratório que pudesse agrupar pessoas com formação diversificada e implementar as pesquisas científicas nesse tema, de modo que forneçam informações e conhecimentos capazes de implementar as políticas públicas, estratégias de prevenção e avaliação da efetividade das ações.



Quais serão as principais áreas de pesquisas desenvolvidas pelo Leves?


Maria Luiza: Estudos de morbimortalidade por causas externas; estudos epidemiológicos da violência contra criança, adolescentes e idosos; prevalência e fatores de risco da violência entre namorados adolescentes; estudos epidemiológicos sobre acidentes de transporte; violência e portador de deficiência; homicídios; e avaliação de políticas setoriais na área da saúde voltadas para a redução da morbimortalidade contra os acidentes e as violências.


Como a senhora avalia a atual produção científica brasileira sobre o tema violência e a sua relação com a saúde pública?


Maria Luiza: A produção brasileira tem crescido muito, principalmente a partir da década de 90, quando direcionou mais os estudos com dados primários de morbidade e não mais só com a mortalidade por causas externas. A relação com a saúde pública é evidente, uma vez que tradicionalmente a área de saúde tem concentrado seus esforços em atender os efeitos dos traumas e lesões físicas nos serviços de emergência, na atenção especializada, nos processos de reabilitação, nos aspectos médicos legais e nos registros de informações.


Ultimamente, as pesquisas sobre a violência contra a mulher, a criança e adolescente e o idoso, têm enfatizado fatores que incluem aspectos individuais, relacionais, comunitários e macro-sociais, a partir de uma abordagem que considera para a prevenção e tratamento a dinâmica familiar como núcleo de atenção e não somente a vítima. Isso passa a ser um avanço para se pensar em redes sociais de prevenção e uma atenção familiar para a recuperação da vítima e do agressor. O grande desafio para a nossa realidade ainda continua sendo o dos homicídios, que requerem - como as pesquisas têm revelado - a implementação de políticas sociais equânimes que visem diminuir as desigualdades sociais, o desemprego, a insuficiência na escolaridade, a obtenção de moradia e lazer, enfim que melhorem as condições de vida dos mais carentes.


Algumas pessoas acreditam que o homem é naturalmente violento e que por isso a violência não pode ser evitada. A senhora concorda com isso?


Maria Luiza: A violência é um dos problemas que acompanha a história da Humanidade. Contudo, o nível de conhecimento atingido, seja no âmbito da filosofia, das ciências humanas, permite inferir, no entanto, alguns elementos consensuais sobre o tema e ao mesmo tempo compreender o quanto este é controverso, em quase todos os seus aspectos. Hoje é praticamente unânime, por exemplo, a idéia de que a violência não faz parte da natureza humana e que a mesma não tem raízes biológicas. Trata-se de complexo e dinâmico fenômeno bio-psicossocial, mas seu espaço de criação e desenvolvimento é a vida em sociedade. Portanto, para entendê-la há que se apelar para as especificidades históricas. Daí se conclui, também, que na configuração da violência se cruzam problemas da política, da economia, da moral, do direito, da psicologia, das relações humanas e institucionais, e do plano individual.


Há alguns anos Pernambuco vem liderando os números de casos de violência contra as mulheres. Apenas este ano (até 30 de maio) já ocorreram 105 homicídios tendo mulheres como vítimas. A que a senhora atribui este quadro? No que Pernambuco se diferencia dos demais estados?


Maria Luiza: A cultura machista, que por sua vez escraviza e torna a mulher submissa em relação aos homens, a falta de oportunidade de emprego e de remuneração principalmente para as mulheres de classes sociais menos favorecidas que ficam a mercê de homens que a maltratam, além da coisificação do corpo da mulher. São fatores que contribuem para essa estatística tão alta.


Diversas cidades no mundo, inclusive o Recife, têm marcadores de homicídios,

controlados por organizações não-governamentais, que atualizam os dados da violência diariamente. Como vê essa iniciativa? Crê que esta ferramenta ajuda no enfrentamento da violência?


Maria Luiza: Pelo menos conscientiza a sociedade para a necessidade de mudanças no quadro social da nossa cidade. Mas não é só publicizar os números que mudará esta situação. Teremos que debater com profundidade uma política pública de segurança e também de mudança da estrutura social.


Como a senhora vê a atuação da mídia no que se refere à violência?


Maria Luiza: Acho que poderia ter um papel mais de promoção e de prevenção do que de sensacionalismo. Vejo como uma contribuição ainda pequena, pois é mais sensacionalista, analisa pouco o contexto dos eventos e cria na maioria das vezes um sentimento de impotência e banalização frente a violência.


A senhora conhece alguma política pública exitosa de enfrentamento da violência?


Maria Luiza: Sim, em Medelin, na Colômbia, pelo que venho acompanhando. Algumas conquistas foram alcançadas, assim como em Nova York. E isso se deveu a uma decisão política.

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