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11/09/2008

Fiocruz Pernambuco desvenda mecanismos moleculares da dengue

Bruna Cruz


O aumento do número de casos de dengue hemorrágica vem preocupando autoridades em todo o mundo. Até maio deste ano foram confirmados 1.069 casos no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde. Apesar da produção contínua de informações sobre a doença, muitas perguntas relacionadas aos fatores que levam pessoas infectadas pelo mesmo tipo de vírus a desenvolverem formas diferentes - branda ou grave - da enfermidade ainda precisam ser respondidas. Foi para tentar chegar a uma resposta que a Fiocruz Pernambuco começou a estudar os aspectos moleculares que induzem ao desenvolvimento da dengue hemorrágica.


 Calzavara: O objetivo é desenvolver um <EM>kit</EM> prognóstico para a dengue hemorrágica (Foto: Fabíola Tavares)

Calzavara: O objetivo é desenvolver um kit prognóstico para a dengue hemorrágica (Foto: Fabíola Tavares)


Os pesquisadores identificaram que, na fase aguda (inicial) da doença, diversos genes são expressos de forma diferente em pacientes com dengue hemorrágica e com dengue clássica. Segundo o biólogo do Departamento de Virologia e Terapia Experimental da Fiocruz Pernambuco Carlos Eduardo Calzavara, até então a explicação para a diferença de evolução de gravidade da dengue entre pacientes com perfil parecido vinha sendo relacionada a uma série de fatores, que vão desde o estado geral do paciente (sistema imunológico equilibrado, boa alimentação) ao meio ambiente em que ele está inserido. Mas várias hipóteses indicavam que fatores genéticos do paciente também poderiam estar relacionados com a evolução da doença para a forma grave.


A pesquisa começou a ser desenvolvida em 2006, em parceria com a  Escola de Medicina Johns Hopkins, de Baltimore (EUA). A partir de uma técnica conhecida como "microarrays de DNA", associada a análises computacionais e estatísticas, foram registradas diferenças na expressão de cerca de 2 mil genes, entre os quais 200 foram priorizados para o estudo. Para chegar a esse resultado foram comparadas amostras de sangue de 26 pacientes, dos quais 8 tinham diagnóstico fechado para dengue clássica, 10 para a dengue hemorrágica e os demais apresentavam febre, mas não tinham a doença.


Os resultados iniciais foram validados pela Fiocruz utilizando outra técnica molecular chamada de PCR Quantitativa em Tempo Real que, além de identificar a alteração na expressão dos genes, pôde quantificá-las. "Conseguimos validar os resultados obtidos pelos ensaios de "microarray" e, até agora, seis genes dentre os diversos testados estão entre os mais promissores para identificar se um paciente infectado pelo vírus dengue tem maior chance de evoluir ou não para a forma grave da doença", explicou Calzavara.


As informações obtidas no estudo estão sendo patenteadas e podem ser usadas, no futuro, para identificar, por exemplo, pacientes que podem passar da forma branda para a mais grave da dengue. Os pesquisadores pretendem ampliar a busca por genes que, associados, possam vir a ser utilizados como marca-dores para o prognóstico da dengue hemorrágica. "Nosso objetivo final é estabelecer um kit para anteciparmos a possibilidade do paciente desenvolver a forma grave da doença", antecipou o pesquisador da Fiocruz.


Calzavara esclarece ainda que esse método ainda não tem viabilidade técnica e econômica para ser aplicado junto à população, pois, além do custo a ser alto, é preciso validar os marcadores genéticos com um número maior de amostras. Ele ressalta que os resultados do estudo, apesar de promissores, são apenas preliminares.


O trabalho, que também vem sendo realizado por Ernesto Marques, Laura Gil e Ana Lisa Gomes, todos pesquisadores da Fiocruz Pernambuco, contou com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. A próxima fase, que vai ampliar a busca por genes e a validar o mecanismo de realização de prognóstico, contará com financia-mento do CNPq e do Programa Estratégico de Apoio à Pesquisa em Saúde (Papes) da Fiocruz.


Genes modificados garantem proteção ou susceptibilidade à doença


Os pesquisadores da Fiocruz Pernambuco também estão investigando se alterações na composição genética das proteínas que participam da resposta do sistema imunológico frente à presença do vírus da dengue ajudam a proteger ou deixam o organismo ainda mais suscetível ao desenvolvimento da dengue hemorrágica. Os primeiros trabalhos focaram o gene MBL2, cujas modificações (chamadas de polimorfismos), segundo a literatura, estão associadas à proteção do organismo contra doenças como a tuberculose, a lepra e a leishmaniose.


No caso da dengue, a análise de amostras de sangue de 110 pacientes com as formas severa (79) e branda da doença (31) utilizando a técnica molecular de genotipagem via PCR em Tempo Real, mostrou que 62% apresentaram apenas genes selvagens puros (AA) e os demais (38%) apresentaram genes polimórficos, ou seja, genes contendo variações (32% - A0 e 6% - 00).


Ao se comparar a variação genética com as manifestações da forma grave da doença, os pacientes que tiveram apenas genes puros apresentaram, estatisticamente, 2,32 vezes mais chance de manifestar queda do número de plaquetas (trombocitopenia), em relação às amostras dos pacientes que tinham genes variantes (modificados). "Nossa hipótese é que os indivíduos selvagens puros estejam sobreativando o sistema complemento (parte do sistema imunológico) e fazendo com que ele debele as plaquetas ao invés de produzi-las", explicou Bartolomeu Acioli-Santos pesquisador do Lavite. A queda do número de plaquetas é um dos sinais de alerta para o desenvolvimento da forma grave da dengue.


A Fiocruz também está estudando a possibilidade da alteração genética de outros genes estar ligada à indução da proteção ou à suscetibilidade à dengue hemorrágica. "O polimorfismo do MBL2 é apenas um tijolo na parede que estamos tentando levantar", comparou Acioli-Santos. Ele afirma que a identificação de um conjunto de genes que podem conferir proteção ou demonstrar suscetibilidade à dengue pode ser utilizada como marcadora para saber se as pessoas podem ou não desenvolver a forma grave da doença se tiverem contato com o vírus. O estudo, publicado na revista Human Immunology, teve a participação de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da Johns Hopkins e da Fiocruz.


Publicado em 11/9/2008.

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