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17/05/2019

Fiocruz Pernambuco promove debate sobre branquitude

Erika Farias (CCS/Fiocruz)


Na última segunda-feira (13/5), o auditório do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) recebeu um acalorado debate sobre Branquitude nas ciências: a influência da cor no fazer científico. O evento foi o primeiro realizado fora do Rio de Janeiro pelo Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz e teve apoio do Sindicato Regional dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc/PE). 

Evento foi o primeiro realizado fora do Rio de Janeiro pelo Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz (foto: Fiocruz Pernambuco)

 

A mesa contou com a participação de uma das mais importantes estudiosas sobre o tema branquitude na atualidade, a pesquisadora em Psicologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lia Vainer Schucman; e do estudioso em racismo institucional, coordenador da Cátedra Gilberto Freyre, da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Alexandro de Jesus.

“Esse é um assunto que por mais que se discuta, não se encerra”, afirmou a presidente local do da Asfoc/PE, Joselice Pinto, que teve seu discurso endossado pela vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), Mychelle Alves. “Para o movimento negro, o 13 de maio é um dia de luta e resistência. Hoje completamos 131 anos dessa ‘falsa abolição da escravatura’”. 

Coordenadora da Assessoria de Comunicação da Fiocruz Pernambuco e integrante do Comitê Pró-Equidade, Rita Vasconcelos contou a história por trás da foto que ilustrou o convite do evento. A imagem provoca uma reflexão sobre a branquitude na área das ciências e sobre como é o reconhecimento e a representatividade da pessoa negra dentro desse campo.


Foto é um registro da 1ª Conferência Internacional de Biologia das Baleias, em 1971, nos Estados Unidos. Ao lado de 38 homens brancos, há apenas uma mulher, negra (Imagem: Divulgação)

 

"A foto é um registro da 1ª Conferência Internacional de Biologia das Baleias, em 1971, nos Estados Unidos. Ao lado de 38 homens brancos, há apenas uma mulher, negra. Durante 47 anos não houve interesse em saber quem era essa mulher. Tanto é que, no rodapé, há o nome de todos os pesquisadores que participaram dessa Conferência, menos o dela. Ela é Sheila Minor Huff. O que se descobriu anos depois é que ela trabalhou para o governo americano como cientista por 35 anos, indo contra o que muitos acreditavam: que estava na foto por ser assistente ou secretária de algum pesquisador".  

Branquitude: o privilégio estrutural do branco

Ser branco é um lugar de conforto. Essa é a ideia que o campo de estudos críticos da branquitude procura transmitir, ao apontar os privilégios simbólicos e materiais dos brancos. “É fundamental entender que esse é um termo que só faz sentido dentro da luta antirracista”, explicou Lia Vainer. O tema, que chegou a ser abordado no início do século 20 por pesquisadores como W.B. Du Bois e Frantz Fanon, ganhou destaque na década de 1990, nos Estado Unidos. Mas foi só nos anos 2000 que o conceito ganhou dimensão acadêmica.

A pesquisadora frisou que não se trata de colocar novamente o branco como centro do debate. Pelo contrário. “Esse estudo surgiu da percepção de que nos estudos de relações raciais, olhar apenas para as etnias marginalizadas - no caso do Brasil, indígenas e negros - recoloca o branco numa posição de normatividade, enquanto continua insinuando que quem tem raça é o outro”.

"É fundamental entender que esse [branquitude] é um termo que só faz sentido dentro da luta antirracista”, explicou Lia Vainer (foto: Fiocruz Pernambuco)

 

Diferentemente do racismo, que acontece na relação entre brancos e negros, a branquitude acontece ao longo da vida da pessoa branca, colocada pela sociedade em um papel de superioridade. Segundo a pesquisadora, há um exercício de manutenção do poder dos brancos. “É próprio da branquitude achar que racismo é problema dos negros. É difícil para as pessoas reconhecerem sua herança branca. Entender que chegaram a determinado lugar por serem brancas”, explicou. 

"A branquitude é sempre um lugar de vantagem estrutural do branco em sociedades estruturadas pelo racismo, ou seja, todas aquelas colonizadas pelos europeus, porque a ideia de superioridade surge ali e se espalha via colonização. Dessa forma, colocam as definições vindas da branquitude como se fossem universais. O que chamamos de História Geral, por exemplo, deveria ser chamada de História branco-europeia". 

Vainer conta que, ao realizar sua pesquisa de doutorado, perguntou para dezenas de pessoas brancas o que ser branco representava para elas. Muitas nunca haviam pensado sobre o assunto. “O próprio privilégio de, aos 40 anos, nunca ter pensado sobre o que é ser branco, é próprio dessa ideia de que o branco não tem raça”, conclui a pesquisadora.

Clique aqui para saber mais sobre o tema branquitude.

Racismo Institucional

Pesquisador de racismo institucional da Universidade Federal de Pernambuco, Alexandro de Jesus explicou que iria “reagir ao conceito de branquitude” em sua apresentação, pensando na expectativa que a mesa gerou ao ser anunciada. “Percebi reações variadas ao meu redor. Pessoas próximas tiveram receio de que a branquitude fosse uma outra forma de consumir, de diminuir o negro”, afirmou.

Alexandro de Jesus explicou que “negritude e branquitude são duas clausuras que o ‘ser moderno’ experimenta” (foto: Fiocruz Pernambuco)

 

Sobre a experiência desse conceito, Alexandro explicou que “negritude e branquitude são duas clausuras que o ‘ser moderno’ experimenta”. “Embora nossa estrutura moderna seja ‘racializada’, na prática, ela se dá no sentido inverso. Enquanto a negritude é uma clausura de raça, que tem como marca fazer a pessoa entender, desde o início de sua vida, que ela é efetivamente negra; a branquitude funciona no sentido inverso. A clausura aparece na experiência de ser branco como uma não-clausura. O branco médio, padrão, ele se experimenta como uma ‘não-raça’”.

Para Alexandro, é fundamental que a pessoa branca entenda que o racismo também é prejudicial para ela, no momento em que o coloca numa falsa posição de superioridade. "Na medida em que o fardo da raça recai apenas sobre o negro, a superação da relação racial é uma responsabilidade dele. Minha expectativa em relação à branquitude é que ela devolva ao branco a ideia de que ele também é construído racialmente, ainda que toda a estrutura seja colocada para que ele não veja isso. Que ele veja que nessa experiência racializada, o branco não pode mais ocupar essa posição de universal. Ele é uma experiência tão parcial, tão limitada quanto a nossa". 

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