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24/03/2015

Fiocruz promove seminário internacional de saúde mental

Danielle Monteiro


A Fundação, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), o Ministério da Saúde e a Plataforma Gulbenkian para a Saúde Mental Global, realiza, entre 23 e 25 de março, o Seminário Internacional de Saúde Mental: Desinstitucionalização e Atenção Comunitária. O objetivo do encontro é analisar a experiência brasileira e identificar avanços, barreiras e estratégias efetivas em saúde mental.

O objetivo do encontro é analisar a experiência brasileira e identificar avanços, barreiras e estratégias efetivas em saúde mental (foto: Peter Ilicciev)

 

Presente à abertura do evento, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, lembrou que o Brasil tem uma tradição rica no campo da saúde mental com o processo da Reforma Psiquiátrica, que traz sucessos, mas também alguns problemas que precisam ser solucionados. “Esse encontro é um estímulo para fortalecer o que a Fundação já vem fazendo e tornar o campo da saúde mental prioritário em nossas atividades”, afirmou.

O diretor de saúde mental da OMS, Shekhar Saxena, reforçou que, em grande parte dos países, o cuidado à saúde mental ainda está centrado nos hospitais psiquiátricos, nos quais o cuidado não é de boa qualidade e o estigma sobre os pacientes é maior. “Precisamos mudar esse processo de cuidado à saúde, transferindo o cuidado para a comunidade, na atenção básica e também nos hospitais gerais”, defendeu.

O vice-diretor da Fundação Calouste Gulbenkian, Sergio Gulbenkian, falou sobre a Plataforma Gulbenkian para a Saúde Mental Global e ressaltou que ainda se fazem necessárias muitas ações para a desinstitucionalização no campo da saúde mental no Brasil. “É muito gratificante para nós organizar esse seminário com essas organizações. Esse encontro vai ajudar a aumentar a reflexão sobre a Reforma Sanitária e a Política Nacional de Saúde Mental e analisar os progressos no campo. Espero que este encontro se traduza em resultados concretos na implementação de melhores cuidados em saúde mental”, destacou.

Segundo a representante da Opas/OMS, Dévora Kestel, o seminário vai abrir portas para que todos aprendam com o que já foi feito. “Os países latino-americanos ainda têm um longo caminho para percorrer, já que 70% dos recursos em saúde mental ainda são todos destinados aos hospitais psiquiátricos”, disse. A representante do Ministério da Saúde, Lumena Furtado, lembrou que o Brasil foi um dos países que propôs uma mudança radical no campo de saúde mental, abandonando o modelo centrado em hospitais psiquiátricos e adotando o cuidado à saúde na atenção primária. “Temos ampliado, junto aos Estados e municípios, a oferta de cuidado no SUS. Não dá para pensar em desinstitucionalização sem buscar a autonomia e reinclusão social do usuário. Os manicômios não podem mais ser os espaços na forma de cuidar em saúde mental”, defendeu.

Durante sua apresentação, o representante da Plataforma Gulbenkian de Saúde Mental, José Miguel Caldas, destacou que o principal objetivo do seminário é discutir o processo de transição do cuidado centrado em instituições para o cuidado baseado na comunidade, ou seja, nas redes de atenção à saúde e nos serviços da atenção primária. “A mudança no modelo de cuidado em saúde mental é fundamental, pois é a única forma de melhorar o acesso e a qualidade dos serviços e combater abusos aos direitos humanos”, reforçou.

Desinstitucionalização: a situação no contexto mundial

Ainda no primeiro dia do evento, o diretor de saúde mental da OMS, Shekhar Saxena, destacou que o processo de desinstitucionalização vai muito além da extinção dos hospitais psiquiátricos. “A desinstitucionalização significa oferecer cuidado de boa qualidade e que vá ao encontro dos direitos humanos”, afirmou. Ele alertou que fechar os hospitais psiquiátricos não é simples para muitos países, principalmente para aqueles que não dispõem de atenção básica e outros serviços desenvolvidos. “Em muitos países, os hospitais psiquiátricos são a única forma de cuidado”, atentou. Ele lembrou que, nos anos 1990, o termo desinstitucionalização não constava em nenhum documento mundial de saúde mental. “Foi o Plano de Ação em Saúde Mental da OMS, para o período 2013-2020, que, pela primeira vez, afirma que o cuidado à saúde mental deve ser feito na comunidade”, destacou.

O representante da OMS em Genebra, Mark van Ommeren, apresentou pesquisa feita pela organização com especialistas e profissinais em saúde mental. Os resultados apontaram que os serviços baseados na comunidade são ainda a melhor abordagem para a provimento de tratamento e cuidado em saúde mental e que a maioria dos países gasta a maior parte de seus recursos, destinados à saúde mental, em instituições. O estudo ainda alertou para a importância da habilidade política e necessidade de tempo como elementos imprescindíveis para a implantação da desinstitucionalização e apontou que há diversos caminhos para esse processo. “São necessários cinco princípios para a desinstitucionalização: a organização dos serviços baseados na comunidade, o comprometimento da força de trabalho com a mudança, o apoio político, o timing que dê início a esse processo e recursos financeiros adicionais”, afirmou.

Análise da situação no Brasil: desinstitucionalização e atenção comunitária

O coordenador do comitê organizador do evento, Pedro Gabriel Delgado, fez uma apresentação sobre os avanços e desafios para a implantação do processo de desinstitucionalização no Brasil. Segundo ele, alguns dos principais êxitos no campo foram a redução dos leitos psiquiátricos e a criação de serviços residenciais terapêuticos. Desde 2001, houve redução de mais de 25 mil leitos de hospitais psiquiátricos no país. Atualmente cada um desses hospitais possuem até 160 leitos.

Outro avanço, segundo ele, foi a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e do Programa De Volta Para Casa, que dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas. “O programa possui 4.300 beneficiários, mas apresenta dificuldades com pacientes de longa permanência, pois eles têm menor vínculo familiar, são mais dependentes e têm mais dificuldades de inclusão social”, alertou.

Entre os desafios, segundo Pedro, está a gestão dos serviços residenciais terapêuticos, o financiamento ineficiente, a fragilidade das organizações representativas, a baixa prioridade da saúde mental na agenda pública e a vulnerabilidade social e a violência urbana. “O mecanismo de acompanhamento dos pacientes, quando eles deixam o serviço, não é suficiente e, muitas vezes, inexistente. Além disso, a internação compulsória voltou a se tornar quase uma epidemia, juntamente com o processo de judicialização”, complementou.

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