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19/06/2018

Fiocruz recebe rei do povo iorubá em Colóquio Brasil-Nigéria

César Guerra Chevrand e Haendel Gomes (COC/Fiocruz)


Com a presença do rei de Ifé, da cidade nigeriana de Osun, a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) realizou (13/6) o Colóquio Brasil-Nigéria: Conhecimentos Tradicionais e Saúde, em Manguinhos (RJ). Em sua primeira visita ao Brasil, o representante cultural e espiritual do povo iorubá, acompanhado de sua comitiva, foi recepcionado pela Presidência da Fundação Oswaldo Cruz no Castelo Mourisco e participou da abertura do evento na Tenda da Ciência Virgínia Schall do Museu da Vida.

O rei de Ifé chegou a Manguinhos (RJ) acompanhado de sua comitiva (foto: Jeferson Mendonça, COC/Fiocruz)

 

A visita de Ooni de Ifé ao Brasil integra as atividades da Década Internacional dos Afrodescendentes, estabelecida pela Unesco de 2015 a 2024, e teve como principais objetivos o intercâmbio cultural, econômico e intelectual entre o povo iorubá e a sociedade brasileira. Em seu pronunciamento, Sua Majestade Imperial agradeceu a acolhida que recebeu em Manguinhos e celebrou os laços de união entre Brasil e Nigéria, as “duas maiores nações negras do mundo”. “Queremos mostrar que os ensinamentos que recebemos dos nossos ancestrais são reais e podem ser compartilhados com todos”, afirmou o rei de Ifé.

Ao lado de uma comitiva formada por pesquisadores, empresários, intelectuais e líderes espirituais da cultura iorubá, Sua Majestade Imperial anunciou o estabelecimento de parcerias com a Fiocruz. “Nós estamos trabalhando para trazer o conhecimento da medicina tradicional iorubá não só para o Brasil, mas para a América Latina e todo o mundo. Deus criou as doenças, mas Deus criou também as soluções para essa doença. Tudo isso é dirigido pela natureza, é a combinação de forças da natureza”, afirmou. Ao fim de seu discurso, o monarca também entregou aos representantes da Fiocruz um presente que simboliza a proteção à vida humana.

Representando a presidente da Fiocruz, Nisia Trindade Lima, que estava em missão institucional em Moçambique, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Marco Antonio Menezes, enfatizou o “momento histórico” da visita do rei de Ifé a Manguinhos. “A cultura tradicional do povo iorubá faz parte do que a Fiocruz reconhece como saúde em seu conceito mais amplo”, explicou. Na mesma linha, o diretor da Casa de Oswaldo Cruz, Paulo Elian, ressaltou o esforço da Fiocruz no desenvolvimento de ações de cooperação internacional. “Que nós possamos desenvolver uma cooperação que considere a história, a herança, as tradições e tudo o que esses povos vêm realizando ao longo da sua história”, disse.

Colóquio Brasil-Nigéria

Com o tema Conhecimentos Tradicionais e Saúde, o Colóquio Brasil-Nigéria contou com a participação de especialistas em saúde do povo iorubá, que revelaram como a sua cultura trata e cura doenças. Doutora em Filosofia Iorubá pela Universidade de Ibadan (Nigéria), Sophie Oluwole, da Universidade de Lagos (Nigéria), destacou a importância das ervas na medicina iorubá. “Há 35 anos eu pesquiso os segredos da medicina iorubá. É um conhecimento de valor inestimável, que precisa ser passado adiante”, frisou Sophie Oluwole. Ainda de acordo com a pesquisadora nigeriana, o seu maior desafio é superar os preconceitos que a cultura iorubá enfrenta até hoje. “A pergunta é: a África tem conhecimento? Eu digo que sim”, declarou Sophie, que afirmou ter conseguido a cura para a sua catarata a partir do tratamento com plantas medicinais. “No Ocidente, certamente eu passaria por uma cirurgia”, completou.

Tenda da Ciência ficou lotada para a realização do Colóquio Brasil-Nigéria (foto: Jeferson Mendonça, COC/Fiocruz)

 

Doutor em Filosofia da Ciência pela London School of Economics and Political Science, Kólá Abímbólá explicou a importância das divindades na cultura iorubá, responsáveis, em última instância, por “fazerem coisas que fogem à normalidade”. “Para o povo iorubá, o natural e o sobrenatural fazem parte do mesmo processo de tratamento e de cura”, disse. Professor da Universidade Howard, nos Estados Unidos, Kólá Abímbólá disse estar honrado em compartilhar seus conhecimentos com os colegas brasileiros e comentou que as “bênçãos sempre fluem das divindades”. Com poemas cantados na língua iorubá, Kola Abimbola também falou sobre as bases de sua filosofia. “Nós sentimos a necessidade de invocar o divino em muitas situações. No caso da saúde, quando o divino está presente, sempre é possível a cura”, argumentou.

Representando o presidente da Herbal Society of Nigéria, Akintunde Ayeni, a médica herbalista Funmilayo Ogunyobi disse ser possível tratar “todo tipo de doença” com folhas e ervas medicinais. Segundo ela, esse conhecimento é antigo e reconhecido por sua eficácia em países que são referência nessa área, como China e Índia. Mesmo assim, “as pessoas não dão a devida atenção aos medicamentos tradicionais”, lamentou Funmilayo Ogunyobi. A médica e pesquisadora lembrou os críticos, que diziam serem os preparos de unguentos usados em encantamentos, visando desencorajar a adoção da medicina tradicional. “Contudo, os governos começaram a perceber que a medicina alternativa tinha importância, como complemento à medicina ortodoxa ou tradicional”, afirmou.

Especialistas em saúde do povo iorubá revelaram como a sua cultura trata e cura doenças (foto: Jeferson Mendonça, COC/Fiocruz)

 

Ao final de sua curta conferência, Funmilayo Ogunyobi lembrou o conceito de saúde adotado pelas Nações Unidas no final da década de 1940, que vai além da mera ausência de doenças: só é possível ter saúde quando há completo bem-estar físico, mental e social. Para Funmi, a medicina tradicional está sendo praticada juntamente com a ortodoxa na Nigéria; é disseminada e reconhecida em um nível mais abrangente, também, em outros países.

Professor titular de Artes Performáticas da Universidade de Ilorin (Nigéria), Jeleel Ojuade também participou da mesa abordando a música e sua influência na saúde. Segundo ele, o povo iorubá soma cerca de 600 milhões de pessoas no planeta. “Veio do centro do mundo e se espalhou”, disse. Ao falar sobre o Bata, uma dança típica iorubá considerada de desempenho difícil, recorreu à mitologia religiosa. Segundo Jeleel, ela está associada à adoração de Xangô, deus do trovão e relâmpago. Por isso, seu desempenho é marcado por grande dispêndio de energia. A cultura iorubá utiliza instrumentos musicais de diversos tipos, alguns feitos com pele de animais. “Nosso povo não acredita em matar animais por diversão”, ressaltou. Há instrumentos como idiofones, xilofones e membranafones. O professor lembrou que a música está presente também no figurino da comitiva real. As roupas trazem acessórios que produzem sons, para instruções ou passar mensagens.

Estudioso do Bata, Jeleel Ojuade desenvolveu o estudo Secularizando o ocultismo: trajetórias religiosas e sociais do desempenho de bata no Sudoeste da Nigéria. Segundo ele, ao longo dos anos, a dança tem sido cada vez mais secularizada, desmistificando sua sacralidade. O estudo teve como objetivo aumentar a aplicação do Bata em eventos religiosos tradicionais, permitindo que estudiosos e aspirantes a dançarinos possam entender sua linguagem.

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