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19/10/2015

Fundação promove seminário sobre saúde e segurança pública

Luiza Gomes (Cooperação Social/Fiocruz)


Promovido pela Fiocruz, o seminário Saúde e Segurança Pública: os desafios nos territórios vulnerabilizados capturou a atenção de cerca de 70 participantes (13/10), no auditório do Museu da Vida, em Manguinhos. O encontro reuniu pesquisadores como Maria Cecilia Minayo, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e Alexandre Fonseca, pós-doutor em sociologia e coordenador-geral de Segurança, Cidadania e Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, também marcou presença durante o evento. 

Promovido pela Fiocruz, o seminário 'Saúde e Segurança Pública: os desafios nos territórios vulnerabilizados' capturou a atenção de cerca de 70 participantes (foto: Peter Ilicciev)
 
 

Na fala de abertura do evento, José Leonídio Madureira, coordenador da Cooperação Social da Presidência – um dos realizadores do evento junto ao Centro de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/Fiocruz) e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)  – ressaltou  o clamor legítimo que existe nos territórios de favelas por uma política de segurança pública mais comprometida com garantia de direitos e preservação da vida, objetivos estes que são, segundo ele, parte da missão institucional da Fundação. “A Fiocruz, por ser uma instituição do Governo Federal, presente em Manguinhos, na Colônia Juliano Moreira, Curicica, com o campus Fiocruz Mata Atlântica e também na Cidade de Deus com Farmanguinhos [Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz], se coloca na situação de atuar a partir dos marcos da promoção da saúde e da identificação das iniqüidades na determinação social da saúde. Isto, observando-se os índices da realidade do território: a morte prematura e adoecimentos decorrentes da violência advinda dos enfrentamentos armados em territórios vulnerabilizados que reduzem a expectativa de vida dessa população”, pontuou.

Segundo a pesquisadora Maria Cecilia Minayio, que inaugurou as falas da mesa Segurança Pública na perspectiva dos determinantes sociais da saúde, dados do Ministério da Justiça mostram que as vítimas e praticantes de crimes no Brasil são particularmente homens na faixa etária de 14 a 29 anos de idade, da cor parda ou preta, residentes nas periferias e favelas, com escolaridade que não ultrapassa o ensino fundamental, renda por pessoa inferior a um salário mínimo e com um ambiente familiar marcado por histórico de ausências e/ou violência. “Nos encontramos com forças policiais militares ainda ligadas ao Exército, como vem sendo desde a Ditadura: acostumada a ver o outro como inimigo público. Se pensarmos uma comunidade com 50 mil habitantes, e nela houver 50 garotos armados no tráfico, isso representa 0,1%. É muito pouco, em termos quantitativos, mas de grande impacto. Temos nas favelas uma população resistente, que trabalha e que muitas vezes estrategicamente se cala diante do crime, porque não têm outra saída”, comentou Minayio. Para ela, é necessidade de primeira ordem para desconfigurar esse quadro de opressão e insalubridade a valorização dos profissionais de segurança pública, que, em suas palavras, precisam ser melhor formados e educados; a reestruturação do sistema penitenciário; o combate a corrupção policial, e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência. 

A cada 10 minutos, uma pessoa é assassinada

Em sua exposição, Alexandre Fonseca, coordenador-geral de Segurança, Cidadania e Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, apresentou as linhas de atuação da secretaria com respeito às fendas criadas pela política de segurança atual nas populações vulneráveis. “Nós fazemos internamente a disputa política sobre a redução da maioridade penal e a redução dos autos de resistência. Também trabalhamos com programas de proteção a pessoas vítimas e testemunhas de crimes (Provita), Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), mais as ações de combate a tortura, de extinção do trabalho escravo”, explicou. 

Alexandre também deu um panorama sobre os trâmites institucionais pelos quais passa o Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios. “A expectativa é que se reduza a cada ano a 5% os homicídios onde se mais mata no país. Dados de 2014 do Fórum de Segurança apontam que a cada 10 minutos uma pessoa é assassinada. Desde o final do ano passado, temos tido uma série de reuniões por conselhos nacionais, secretário de segurança pública, governadores, Governo Federal, e a ideia é de uma primeira fase que termine até o fim de 2015 e consiga levar para o território essa discussão”, indicou. Para saber mais sobre o Pacto Nacional pela Redução de Homicídios, leia a entrevista. O pesquisador também classificou como indício de racismo institucional a superpopulação de jovens e negros encarcerados, lembrando dado do IBGE de que jovens negros tem 2,5 vezes mais chances de serem assassinados.

Preconceito, violência policial e violação de direitos

Coordenadora do Grupo Arteiras e membro da Rede de Instituições do Borel, Mônica Santos Francisco criticou a cristalização dos esteriótipos sociais do “jovem negro, de boné, bermuda, sem camisa” como formas institucionalizadas pela polícia e agentes de segurança de se reconhecer um criminoso, e apontou um aumento do nível de tensão psicológica vivida por moradores de comunidades com a entrada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) e as remoções em Manguinhos. “O resultado é dramático, não só pela violência simbólica, afastamento das suas raízes, seu lugar de identidade, afetividade, sociablidade, no caso das remoções forçadas, mas uma violência policial que se traduz em óbitos, aumento do sofrimento mental, e vai impactar diretamente no SUS, na atenção básica”, analisou.

Ana Paula Santos, integrante do Fórum Social de Manguinhos, e mãe do adolescente Jonatha, assassinado aos 19 anos com um tiro nas costas, no ano passado, deu um emocionado depoimento sobre os impactos da violência policial em seu estado de saúde mental, e das famílias de vítimas de violência. “Eu cresci debaixo dessa violência, dentro de uma favela, vendo meu pai que era dependente químico apanhar da polícia pelo simples fato de ser usuário de drogas. A gente adoece. A gente vê que todo esse território é adoecido. Que uma mãe também quando perde um filho pelo braço armado do Estado, que tinha total dever de zelar pela vida, adoece”, lamentou. Ela também lembrou do caso de Paulo Roberto, de 17 anos, assassinado sete meses antes de seu filho, espancado até a morte por policiais da UPP. “As enfermeiras disseram que ele tinha morrido por ingestão de drogas, com um corte na boca. O hospital estava cercado de viatura de polícia. Depois, até pela luta do Fórum Social de Manguinhos, os laudos comprovaram o espancamento”, relatou.

Na segunda mesa Promoção da Saúde e garantia de direitos em territórios vulnerabilizados, a pesquisadora das relações entre saúde e violência pelo Claves/Ensp/Fiocruz, Patrícia Constantino destacou a importância de políticas públicas de prevenção da violência contra grupos prioritários. “Para isso, essas políticas precisam estar fundamentadas em um diagnóstico situacional da violência, considerando sua pluralidade e multifatorialidade, e as especificidades dos segmentos e territórios aos quais elas deverão servir, e só então definir as melhores estratégias de ação. Ter políticas só de controle da violência muitas vezes só agrava o problema”, explicou. 

Para Paulo César Ribeiro, diretor da EPSJV/Fiocruz, as lacunas deixadas por políticas públicas disfuncionais ou descontinuadas, em especial em regiões vulnerabilizadas, não são ocasionais. “Elas não são frutos do acaso ou do descaso, mas fruto de um modelo político e econômico que preza e precisa da vulnerabilidade social de grupos imensos da população”. E ponderou: “Precisamos pensar que a violência está relacionada também com falta de condição de vida básica: saneamento, educação, saúde publica, transporte público”. 

O gestor também apontou que a formação acadêmica dos médicos os prepara prioritariamente para a saúde privada, e que esse direcionamento é insuficiente para os que vão trabalhar na atenção básica no sistema de saúde pública. “Precisamos de outros modelos de formação, para que os trabalhadores sejam capazes de observar os possíveis impactos que a violência do ambiente em que vivem os pacientes possa ter na vida daquela pessoa. Para que esses profissionais trabalhem mais criticamente e para que haja a oportuna identificação e encaminhamentos corretos para essas situações”, pontuou.

No encerramento da segunda mesa, o deputado estadual pelo PSOL, Flávio Serafini, lembrou o passado de violência que marcou a colonização, e o grande período escravocrata que a nação viveu. “Vivemos uma desigualdade extremamente brutal, uma violência que historicamente fez parte desse modelo de dominação. A gente coleciona taxas de homícidios de 50 mil por ano e taxas de violência policial que também alcança o marco de 10 mil por ano”, assinalou.

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