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14/04/2009

Fundação cria estratégia de controle de caramujo que se prolifera com rapidez

Renata Foutoura


Em pouco mais de 20 anos, o molusco que um dia serviu como aposta comercial, na busca de uma alternativa mais barata ao escargot, se transformou em uma verdadeira praga. Com o fracasso dos empreendimentos que introduziram no Brasil o caramujo africano, Achatina fulica, alguns milhares de exemplares foram soltos na natureza. Dotado de alta capacidade de reprodução, o molusco hoje se disseminou em 23 dos 26 estados. Os impactos para a biodiversidade são evidentes, mas os riscos à saúde pública também preocupam: dois casos de meningite em 2007, no Espírito Santo, estão relacionados ao molusco. A prevenção no contato com o animal e o controle das populações do caramujo são medidas fundamentais para frear este quadro.


 O Laboratório de Malacologia do IOC/Fiocruz recebe e analisa caramujos enviados por secretarias de Saúde de todo o Brasil e avalia a presença de parasitos causadores de doenças

O Laboratório de Malacologia do IOC/Fiocruz recebe e analisa caramujos enviados por secretarias de Saúde de todo o Brasil e avalia a presença de parasitos causadores de doenças


"Nos ambientes urbanos as populações desses moluscos são densas, invadem e destroem hortas e jardins. Como são formadas por animais de grande porte, com 10cm em média, causam transtornos às comunidades das áreas afetadas", esclarece a pesquisadora Silvana Thiengo, responsável pelo Laboratório de Referência Nacional em Malacologia Médica do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Segundo a especialista, um exemplar do molusco pode colocar uma média de 200 ovos por postura e se reproduzir mais de uma vez ao ano. "As numerosas populações desse molusco no Brasil devem-se principalmente ao seu grande potencial biótico e à ausência de patógenos específicos. Apesar de serem herbívoros, são muito vorazes e pouco exigentes para se alimentar, comendo praticamente de tudo", explica.


O Laboratório de Malacologia recebe e analisa caramujos enviados por secretarias de Saúde de todo o Brasil e avalia a presença de parasitos causadores de doenças. A atividade de vigilância epidemiológica contribui para monitorar de que forma os caramujos africanos podem atuar como vetor de doenças, trazendo riscos à população.


Quando infectado por parasitos, o caramujo africano pode transmitir dois tipos de doenças. A meningite eosinofílica é a única que teve casos registrados no país. Ela é causada pelo verme Angiostrongylus cantonensis, que passa pelo sistema nervoso central, antes de se alojar nos pulmões, num ciclo de transmissão que envolve moluscos e roedores. Já a angiostrangilíase abdominal, que ocorre no país, porém sem registro de transmissão pelo caramujo africano, é causada pelo parasito Angiostrongylus costaricensis. Muitas vezes é assintomática e em alguns casos pode levar a óbito. Com relação a doenças causadas aos animais domésticos, em 2008 o Laboratório de Malacologia publicou dados inéditos indicando que o caramujo africano pode transmitir o verme Aelurostrongylus abstrusus, que causa pneumonia em gatos.


Catação manual é a melhor medida de controle


Em função da alta toxicidade, a pesquisadora não recomenda o uso de pesticidas para controlar a proliferação do caramujo africano. Esses recursos devem ser aplicados pelo órgão governamental responsável, como secretarias de Saúde, de Ambiente ou de Agricultura. "A melhor opção é a catação manual dos caramujos e de seus ovos, sempre com as mãos protegidas com luvas ou sacos plásticos. Este procedimento pode ser realizado nas primeiras horas da manhã ou à noitinha, horários em que os caramujos estão mais ativos e é possível coletar a maior quantidade de exemplares. Durante o dia, eles se escondem para se proteger do sol", explica.


 Silvana: a concha do caramujo africano tem mais giros e é mais alongada. Já o molusco nativo é mais bojudo, gordo, tem menos giros e sua abertura é espessa, não cortante

Silvana: a concha do caramujo africano tem mais giros e é mais alongada. Já o molusco nativo é mais bojudo, gordo, tem menos giros e sua abertura é espessa, não cortante


Na África, local de origem do caramujo gigante, o ambiente conta com patógenos, como bactérias, fungos e parasitos, que realizam o controle natural dessa população. No Brasil, os estudos ecológicos sobre a espécie ainda são incipientes e as perspectivas para que ocorra um controle natural são baseadas em experiências de outros países, como os Estados Unidos. "No Havaí, a grande explosão do caramujo africano ocorreu poucos anos depois de sua introdução, na década de 30. Hoje, já não existem exemplares grandes como os encontrados aqui e a população diminuiu bastante. Esperamos que o mesmo ocorra no Brasil", declara Silvana.


Semelhança com espécie nativa


Com características semelhantes às do caramujo africano, moluscos nativos Megalobulimus spp., conhecidos popularmente como caramujo-da-boca-rosada ou aruá-do-mato, podem ser confundidos com a espécie invasora. Silvana explica que, diferentemente do molusco africano, a espécie brasileira se reproduz menos, colocando em média apenas dois ovos em cada ciclo reprodutivo. "Megalobulimus ssp. são espécies da nossa fauna e se parece com o Achatina fulica por seu tamanho. Como se reproduz pouco, é importante saber identificar a diferença entre os dois para que as espécies brasileiras não sejam prejudicadas nas ações de controle que são direcionadas ao caramujo invasor", informa.



A principal diferença entre as espécies está na concha. "A concha do caramujo africano tem mais giros e é mais alongada. Já o molusco nativo é mais bojudo, gordo, tem menos giros e sua abertura é espessa, não cortante", Silvana indica.


Cuidados na catação e descarte dos caramujos


Para realizar a catação, as mãos devem estar protegidas com luvas ou sacos plásticos para evitar o contato com o animal;


Recolher também os ovos, que são esféricos, amarelados e ficam semi-enterrados, e proceder da mesma forma usada para os animais coletados;


Os caramujos e ovos recolhidos devem ser esmagados, cobertos com cal virgem e enterrados;


Outra alternativa é usar solução de cloro (três partes iguais de água para uma de cloro): os ovos e caramujos devem ser deixados totalmente cobertos pela solução durante 24 horas, antes de serem descartados;


Jogar água fervente e incinerar também são opções, mas estes procedimentos devem ser realizados com segurança;


O material ensacado pode ser descartado em lixo comum, mas é preciso quebrar as conchas para que elas não acumulem água, tornando-se possíveis focos para reprodução de mosquitos.


Publicado em 13/4/2009.

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