Início do conteúdo

02/02/2023

Glossário de Termos Indígenas

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


O que são as terras indígenas? Como se constituem? E quando foram implantados os Distritos Sanitários Especiais Indígenas? Qual a forma correta de se referir aos povos originários, “índio” ou indígena? Estas e outras questões estão respondidas no glossário abaixo que tem como fontes a Adelco, a Funai, o Instituto Socioambiental e a Unesco.

Aldeia

Grande parte dos povos indígenas tem subdivisões territoriais internas que são chamadas de aldeias ou comunidades. Cada aldeia/comunidade apresenta processos de formação relativamente autônomos, mas são todas vinculadas ao seu grupo maior (o povo) pela história, cultura e genealogia. A maioria dos povos opta pelo termo “aldeia”, enquanto alguns usam a categoria “comunidade”.

Autodefinição

Entre os povos indígenas existem alguns critérios de autodefinição mais aceitos, embora não sejam únicos e nem excludentes: continuidade histórica com sociedades pré-coloniais; estreita vinculação com o território; sistemas sociais, econômicos e políticos bem definidos; língua, cultura e crenças definidas; identificação como diferente da sociedade nacional; e vinculação ou articulação com a rede global dos povos indígenas.

Direito originário

A posse indígena sobre suas terras não é uma concessão do Estado, mas um direito que é originário em razão da posse imemorial dos indígenas, ou seja, mesmo antes do empreendimento colonial português se estabelecer no Brasil, grupos autóctones já possuíam a terra. Assim diz a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Distritos Sanitários Especiais Indígenas

A implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DISEIs) teve início em 1991, com o Decreto n. 23, do governo Collor, e consolidou-se com a Lei Arouca, que em 1999 regulamentou as atribuições ministeriais para a implantação de um sistema de atenção diferenciada à saúde a ser prestada aos indígenas. O sistema estava baseado na “distritalização” sanitária sob a responsabilidade do Ministério da Saúde e seria estabelecido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Foram implantados 34 DISEIs, distribuídos por todas as regiões do país.

Etnia

A etnia define-se, geralmente, como uma população designada por um nome (etnônimo), que se reclama de uma mesma origem, que possui uma tradição cultural comum, especificado por uma consciência de pertença ao mesmo grupo cuja unidade se apoia em geral numa língua, num território e numa história idênticos.

“Índio” ou indígena

Desde a primeira invasão de Cristóvão Colombo ao continente americano, há mais de 500 anos, a denominação de “índios” dada aos habitantes nativos dessas terras perdurou por séculos. Mas essa denominação é resultado de um erro náutico. O navegador italiano Cristóvão Colombo, em nome da Coroa espanhola, empreendeu uma viagem em 1492 partindo da Espanha rumo às Índias, na época conhecida uma região da Ásia. Castigada por fortes tempestades, a frota ficou à deriva por muitos dias até alcançar uma região continental que Colombo imaginou que fossem as Índias, mas que na verdade era o continente americano. Foi assim que os habitantes encontrados neste novo continente receberam o apelido genérico de “índios”. No entanto, não existe nenhum povo, tribo ou clã com a denominação de índio. Na verdade, cada indígena pertence a um povo, a uma etnia identificada por uma denominação própria, ou seja, a autodenominação, como os guarani, os yanomami, os baniwa etc.

Com o surgimento do movimento indígena organizado a partir da década de 1970, os povos originários do Brasil chegaram à conclusão de que era importante manter, aceitar e promover a denominação genérica de indígena. Essa identidade une, articula, visibiliza e fortalece todos os povos originários do atual território brasileiro e, principalmente, para marcar a fronteira étnica e identitária entre eles, enquanto habitantes nativos dessas terras, e aqueles com procedência de outros continentes, como os europeus, os africanos e os asiáticos. Existem 114 registros de povos indígenas vivendo em isolamento, sendo 28 confirmados. Outros 86 permanecem em investigação. Além da Terra Indígena Alto Tarauacá, demarcada em função da presença de registros confirmados de isolados.

Línguas indígenas

Apesar de muitas línguas indígenas terem sido extintas ao longo dos mais 500 anos de colonização, os povos indígenas do Brasil ainda conservam e falam mais de 180 idiomas nativos. Embora a língua não seja o principal elemento que identifica um povo indígena, ela é um fator importante de reprodução e produção dos conhecimentos tradicionais e de incorporação, de forma apropriada, dos novos conhecimentos do mundo externo ao grupo. Segundo pesquisadores e estudiosos da linguística, em 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro, no atual estado da Bahia, existiam entre 1,2 mil e 1,5 mil línguas indígenas. Destas, somente 180 ainda são faladas hoje e, delas, mais de 40 estão ameaçadas de extinção em curto prazo devido ao número reduzido de falantes, à baixa transmissão às novas gerações e aos poucos que as dominam.  

Parente

É comum que indígenas de povos distintos tratem uns aos outros pelo termo “parente”, mesmo não havendo laço consanguíneo direto. Trata-se de uma categoria nativa, através da qual os representantes de diferentes povos reconhecem-se uns aos outros enquanto indígenas. O termo parente não significa que todos os índios sejam iguais e nem semelhantes. Significa apenas que compartilham de alguns interesses comuns, como os direitos coletivos, a história de colonização e a luta pela autonomia sociocultural de seus povos diante da sociedade global. Cada povo indígena constitui-se como uma sociedade única, na medida em que se organiza a partir de uma cosmologia particular própria que baseia e fundamenta toda a vida social, cultural, econômica e religiosa do grupo. Deste modo, a principal marca do mundo indígena é a diversidade de povos, culturas, civilizações, religiões, economias, enfim, uma multiplicidade de formas de vida coletiva e individual.

Povo indígena

A expressão “povo indígena” encontra semelhança à noção de “etnia indígena”. Indica uma população que se determina sob um nome (etnômio) e que compreende ter um território, origem, história e aspectos culturais específicos. Os direitos constitucionais dos indígenas estão expressos num capítulo específico da Constituição de 1988 (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”), além de outros dispositivos dispersos ao longo de seu texto e de um artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

São direitos marcados por pelo menos duas inovações conceituais importantes em relação a constituições anteriores e ao chamado Estatuto do Índio (de 1973). A primeira inovação é o abandono de uma perspectiva assimilacionista, que entendia os indígenas como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento. A segunda é que os direitos dos povos indígenas sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto é, anteriores à criação do próprio Estado nacional. Isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que eles foram os primeiros ocupantes do Brasil.

Povos isolados

Estima-se que existam atualmente 46 evidências de “povos isolados” no território brasileiro, das quais apenas 12 foram confirmadas até hoje pela Funai. “Povos isolados” é uma terminologia usada para designar aqueles com os quais ela não estabeleceu nenhum contato. Em geral, não se sabe ao certo quem são, onde estão, quantos são e que línguas falam. Algumas poucas informações reunidas baseiam-se em vestígios e evidências pontuais ou relatos. A pequena literatura sobre esses povos traz, por vezes, fotos de tapiris, flechas e outros objetos encontrados nas áreas, fornecidos por sertanistas da Funai ou por pesquisadores e missionários que atuam nas regiões próximas. O que é mais abundante são os relatos orais feitos por outros índios que vivem próximos, narrando encontros casuais ou simplesmente reproduzindo informações de terceiros que, muitas vezes, se misturam a lendas e a mitos corriqueiros em diferentes regiões da Amazônia.

É importante esclarecer o conceito de “povos isolados”, que dá a ideia de grupos que nunca estabeleceram qualquer tipo de contato com outros grupos, indígenas ou não-indígenas. Muitas vezes esses grupos já tiveram no passado algum tipo de contato com outros indígenas ou mesmo com a sociedade não-indígena e se refugiaram em lugares mais distantes e inóspitos exatamente para fugir das tragédias que por algum tempo experimentaram.

Com relação aos povos que resistem a qualquer tipo de contato permanente, duas questões de direito humano são fundamentais. A primeira delas é o pleno direito de decidirem se querem ou não qualquer tipo de aproximação. Somente eles podem determinar que tipo, quando e em que condições vão estabelecer relações com outros povos. Eles são referências vivas da completa autonomia indígena que todos os povos ameríndios um dia puderam usufruir, na medida em que vivem as tradições culturais de seus antepassados e sobrevivem da caça, da pesca, da coleta e da agricultura tradicional.

A segunda questão diz respeito ao fato de terem seus territórios reconhecidos e assegurados pelo Estado brasileiro para a sua existência presente e futura. A demarcação das terras onde vivem e a proteção ao meio ambiente são indispensáveis para garantir sua sobrevivência física e cultural. Qualquer possibilidade de contato e estabelecimento de relações amistosas deve partir espontaneamente deles. Afinal, quem pode dizer ou decidir o que é melhor para eles? Só e unicamente eles.

Terras indígenas

Nos termos da legislação vigente, as terras indígenas (TI) podem ser classificadas nas seguintes modalidades:

Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas: A Constituição de 1988 consagrou o princípio de que os povos indígenas são os primeiros e naturais senhores da terra. Esta é a fonte primária de seu direito, que é anterior a qualquer outro. Consequentemente, o direito desses povos a uma terra determinada independe de reconhecimento formal. A definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontra-se no parágrafo primeiro do artigo 231 da Constituição: são aquelas “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos indígenas a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Também por força da Constituição, o Poder Público está obrigado a promover tal reconhecimento. Sempre que uma comunidade indígena ocupar determinada área, nos moldes do artigo 231, o Estado terá que delimitá-la e realizar a demarcação física dos seus limites. A própria Constituição estabeleceu um prazo para a demarcação de todas as TI: 5 de outubro de 1993. Contudo, isso não ocorreu e as TI encontram-se em diferentes situações jurídicas.

Reservas Indígenas: São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que são reconhecidas como de ocupação tradicional.

Terras Dominiais: São as terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil.

Interditadas: São áreas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição da área pode ser realizada concomitantemente ou não com o processo de demarcação, disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.

Yanomami

Os yanomami formam uma sociedade de caçadores-agricultores do norte da Amazônia. Seu território cobre aproximadamente 192 mil km², situados em ambos os lados da fronteira entre o Brasil e a Venezuela, na região do interflúvio Orinoco (afluentes da margem direita do Rio Branco e esquerda do Rio Negro). Constituem um conjunto cultural e linguístico composto de pelo menos quatro subgrupos adjacentes (yanomae, yanõmami, sanima e ninam) que falam línguas da mesma família. Os yanomamis são um grupo de aproximadamente 35 mil indígenas, que vivem em cerca de 200 a 250 aldeias.

Para os yanomami, “urihi”, a terra-floresta, não é um mero espaço inerte de exploração econômica (o que chamamos de “natureza”). Trata-se de uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos. Como tal, se encontra hoje ameaçada pela predação dos brancos.

O etnônimo “yanomami” foi produzido pelos antropólogos a partir da palavra “yanõmami”, que na expressão yanõmami thëpë significa “seres humanos”. Essa expressão se opõe às categorias “yaro” (animais de caça) e “yai” (seres invisíveis ou sem nome), mas também a “napë” (inimigo, estrangeiro, “branco”). Os yanomami remetem sua origem à copulação do demiurgo Omama com a filha do monstro aquático Tëpërësiki, dono das plantas cultivadas. A Omama é atribuída a origem das regras da sociedade e da cultura yanomami atual, bem como a criação dos espíritos auxiliares dos pajés: os “xapiripë” (ou “hekurapë”). O filho de Omama foi o primeiro xamã. O irmão ciumento e malvado de Omama, Yoasi, é a origem da morte e dos males do mundo.

Saude Indigena

Mais notícias

Voltar ao topo Voltar