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06/07/2018

Humanidades digitais são tema de debate no Encontro às Quintas

César Guerra Chevrand (COC/Fiocruz)


O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação sobre a produção de conhecimento no campo das Ciências Humanas e, em especial, na História foi a pauta da apresentação de Ricardo M. Pimenta, no último Encontro às Quintas, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). O pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/UFRJ) proferiu a palestra A era digital, o neodocumentalismo e o desafio às humanidades digitais: perspectivas em torno do fazer científico histórico e sociológico no Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS), em Manguinhos (RJ).

De acordo com o professor do programa de pós-graduação em Ciência da Informação do IBCT/UFRJ, a velocidade, o volume de informações e a capacidade de armazenamento de dados trazidos pelo avanço tecnológico impõem aos pesquisadores das ciências humanas novas reflexões e desafios na produção e no compartilhamento de conhecimento. “É necessário desenvolver novas metodologias, buscar novas possibilidades de formação, para desenvolver novas competências, que possam nos auxiliar a dar continuidade à realização do nosso ofício”, afirmou Ricardo.

Uma das grandes questões apontadas pelo pesquisador do IBICT/UFRJ foi a mudança na relação do historiador ou do cientista social com o documento e a fonte. Como dados e informações não estão mais disponíveis somente nos arquivos, Ricardo M. Pimenta explica que a própria ideia de instituição arquivística hoje tem que ser repensada. “O trabalho se torna mais difícil se nós pensarmos que a nossa relação com o documento e a fonte não está mais plenamente e unicamente intermediada pela instituição arquivística. Nós também produzimos conhecimento a partir de determinadas fontes e dados que não estão necessariamente numa instituição arquivística e muitos deles precisam ser trabalhados, organizados, indexados, classificados”, comentou.

O pesquisador do IBICT reiterou que o processo de relacionamento com esse tipo de fonte não é ensinado em nenhuma grade curricular, de nenhum curso de História. Outro problema destacado é o controle da informação disponível na internet, que escapa do alcance dos pesquisadores da grande área de humanidades. “O novo regime de informação da era digital passa pelo controle dos dados e do que nós classificamos de maneira grosseira como Big Data. Nós não detemos essa competência. São os indivíduos e as grandes corporações que controlam o fluxo informacional no ambiente digital que têm o controle e produzem as tecnologias de informação e comunicação”, analisou.

O volume inédito de dados, somado à variedade de fontes, em uma velocidade sem igual, também exigirá dos especialistas novas ponderações sobre a produção do conhecimento científico. “Essa aceleração – de volume e capacidade de armazenamento – nos leva a uma discussão que seria sobre o dilúvio de dados. Nós estamos produzindo dados o tempo todo. Dados que se tornam insumos e matéria-prima para a produção de outros bens, de outros produtos e serviços. Nós estamos produzindo isso e isso é monetizado e posto no mercado. Nós pagamos muitas vezes pelos produtos, que são gratuitos, com os nossos dados e eu garanto que os dados valem muito mais que alguns reais”, provocou Ricardo M. Pimenta.

Segundo o pesquisador do IBICT, as mudanças em curso não significam a desintermediação do acesso à informação, mas a substituição do indivíduo especializado dos arquivos por uma tecnologia digital. “Não há desintermediação. Isso também é uma mentira. O que estamos fazendo é acessar determinada informação intermediada agora por um objeto técnico, que foi construído e mantido por inúmeros indivíduos especializados que compõem uma nova mão de obra de infoproletários que produzem software e soluções digitais”, salientou.

A materialidade dos documentos e as demais questões que envolvem o que Ricardo M. Pimenta chamou de neodocumentalismo também estão no centro da discussão sobre o impacto das tecnologias da informação e comunicação nas humanidades. “A linguagem matemática, a programação, os bytes e os algoritmos obedecem a uma natureza de forma que existe para além da matéria. O eletrônico pode ser um documento. Quando nós precisamos produzir informação e conhecimento sobre isso, nós precisamos dar matéria a esta forma”, disse o pesquisador do IBICT.

Ao analisar o novo cenário estabelecido pelos artefatos técnico digitais, Ricardo M. Pimenta também chama atenção para o perigo em relação ao controle da escrita. “No HD não há nada escrito. Não há nenhum traço e nenhuma marca. Há uma superfície lisa. O que está gravado ali são dados e não há nenhuma gramática que explique os códigos. Não há algo que permita ler e aprender como falar o “binarismo”. Com a mudança digital, nesse sentido, nós também perdemos o controle da escrita”, completou o pesquisador, ressaltando a importância dos novos pesquisadores conhecerem algum nível de linguagem de programação.

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