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17/05/2017

Imprensa no Primeiro Reinado é tema de Encontro às Quintas

COC/Fiocruz


“Mergulhei na história da Independência e estou prisioneira do século 19”, brincou Isabel Lustosa ao comentar o motivo que a levou a estudar a origem da imprensa brasileira, e a consequente circulação de ideias nesse período, objeto da palestra da cientista política no Encontro às Quintas. A pesquisadora apresentou a palestra Imprensa e circulação de ideias: franceses na Corte de D. Pedro I, no evento organizado pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Segundo Lustosa, a migração francesa para o Rio de Janeiro se intensificou depois de 1816. Além da chamada Missão Francesa, chefiada por Joachin Lebreton (1760-1819) e que aportou na cidade naquele ano, também se estabeleceram na Corte militares, comerciantes, aventureiros e homens de letras. Alguns desses personagens atuaram na intensa movimentação de imprensa, que surgiu depois da Independência do Brasil, seja se envolvendo em questões políticas, seja apoiando o Imperador ou mesmo combatendo D. Pedro I.

Pesquisadora apresentou a palestra 'Imprensa e circulação de ideias: franceses na Corte de D. Pedro I' (foto: Vinícius Pequeno)

 

A presença francesa na vida pública brasileira gerou polêmica. Alguns a combatiam por considerar o apoio ao imperador uma interferência do país europeu nas questões brasileiras. O fim da censura prévia à imprensa, em 1821, ajudou o incremento da produção jornalística no Brasil; houve aumento significativo de publicações.

Panfletos e pequenos jornais mostravam a efervescência daquele momento no país – no contexto da independência e, logo depois, já no primeiro reinado – intensificaram a participação e a militância das elites e setores das classes médias urbanas, como médicos e intelectuais. Nesse momento, os jornais tinham caráter panfletário e ideológico, marcando, principalmente, seu posicionamento político e buscando mobilizar seus leitores.

Um dos mais influentes franceses deste período foi o médico Pierre Plancher Seignot, fundador do Jornal do Commercio, que apoiava o imperador.  “Era influente, tinha dinheiro e um lado político muito apurado. O dinheiro não era antagônico à figura republicana”, frisou.

Na época, franceses e ingleses também disputavam o comércio do Rio de Janeiro. Mas os primeiros tiveram mais sucesso no embate pelo negócio de varejo, deixando a cidade “afrancesada”, afirmou Lustosa. No campo político, havia outra preocupação francesa: a presença de bonapartistas em território nacional. Eles tinham o Brasil como posição estratégica para a Ilha de Santa Helena, localizada no Atlântico Sul.

O combate aos defensores de Napoleão Bonaparte era feito pelo coronel Jean-Baptiste Maler, cônsul-geral da França, que estava no país desde 1815. Um dos que sofreram com o monitoramento constante empreendido por Maler foi Joaquim Lebreton, responsável por trazer artistas franceses para o Rio de Janeiro. O cônsul-geral acreditava que a presença do grupo no país representava ameaça à nova situação vivida na França. Por isso, mostrou-se contrário à presença da missão artística no país.

O movimentado jornalismo no Brasil oitocentista

Isabel Lustosa contou que se interessou pela origem da imprensa brasileira no doutorado; até então, dedicava-se a temas sobre a independência. Isso aconteceu quando conheceu a obra do historiador Hélio Viana, que analisou o trabalho de jornalistas importantes como Visconde de Cairu [José da Silva Lisboa (1756-1835), jurista, publicista e político], José da Silva Lisboa e Cipriano Barata. Nesse período havia ainda nomes como Frei Caneca, Evaristo da Veiga e Gonçalves Ledo, Januário Barbosa e Luiz Augusto May. Os temas publicados eram marcados por teor agressivo, em razão dos acalorados debates e as polêmicas que marcaram o Primeiro Reinado.

A pesquisadora disse que a tiragem das publicações era pequena, variando de 200 a 500 exemplares, algumas editadas três vezes por semana, no máximo. Segundo Lustosa, os jornais eram caros. Ficavam disponíveis em gabinetes e a leitura muitas vezes era feita em público, já que o índice de analfabetos era grande na época.

Doutora em Ciência Política pelo Iuperj – defendeu a tese “Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821/1823) ” -, Isabel Lustosa dedica-se atualmente a escrever sobre Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (obra que pode ser lançada ainda este ano), enquanto exerce seu cargo de pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa. O jornalista brasileiro nasceu na Colônia de Sacramento (Uruguai) e se tornou diplomata. Em Londres, entre 1808 e 1822, editou o jornal Correio Brasiliense e foi um crítico combativo das relações Portugal-Brasil.

Fundador de O Moderador, Henri Plasson foi outro nome de destaque nesse período a apoiar o Imperador D. Pedro I. Era francês e editou o jornal em português e, também, em seu idioma explorando temas políticos. A partir de agosto de 1830, O Moderador passa a ser impresso apenas em português.

Plasson atuou na Bahia, onde chegou a se alistar para participar da guerra de independência da província. Lutou como coronel ao lado das forças imperiais na guerra da independência da Bahia. Em 1828, no Rio de Janeiro, começou a editar o jornal Le Courrier du Brésil. Atacava a imprensa brasileira opositora a D. Pedro I. Com o acirramento das disputas políticas e a intensa disputa da imprensa – o episódio antecedeu a Abdicação em abril de 1831 –, decidiu acompanhar o Imperador em seu retorno à Europa. Além do jornal de Plasson, havia ainda outros jornais franceses circulando no Rio de Janeiro, entre os quais, L’Indépendant (editado entre abril e junho de 1827), L’Écho de l’Amérique du Sud (sucessor do L’Indépendant), cuja circulação foi até março de 1828. Esses jornais eram impressos na empresa de Pierre Plancher-Seignot, dono do Jornal do Commercio.

Publicado na mesma época de ascensão da imprensa brasileira, A Malagueta rodou de dezembro de 1821 a março de 1832, tendo como editor o português Luís Augusto May. A linha editorial era nacionalista, favorável à emancipação política do Brasil. Personagem polêmico, May era ex-funcionário português e ficou famoso ao ser o primeiro a noticiar o Dia do Fico (quando D. Pedro I resistiu às ordens das Cortes Portuguesas que exigiam sua volta a Lisboa e permaneceu na colônia sul-americana de Portugal). O nome foi criado devido ao posicionamento agressivo e às críticas ao governo. No entanto, o jornal poupava D. Pedro I; José Bonifácio, principal ministro do imperador, era o alvo preferencial da ira do editor. Os ataques da imprensa radical contra o imperador era pela não aplicação da Constituição e pela dívida contraída com Portugal. O governo brasileiro pagou cerca de 2 milhões de libras esterlinas à Coroa portuguesa pela independência, em um acordo intermediado pela Inglaterra.

O imperador sofria pressão vinda da Europa – o pai D. João VI havia morrido em 1826 – e, internamente, ela aumentava com ataques dos opositores liberais, impulsionados pela imprensa panfletária. A crise se agravou no dia 21 de novembro de 1830, quando Giovanni Battista Libero Badaró, jornalista, político e médico italiano radicado no Brasil foi assassinado, em São Paulo. Liberal, Badaró fundou o jornal O Observador Constitucional, em 1829, contrariando os absolutistas. Fragilizado e preocupado com a repercussão nacional do atentado, D. Pedro I viajou a Minas Gerais em busca de apoio. A viagem, no entanto, foi frustrante. Em 1831, ele assistiu ao episódio conhecido como “a noite das garrafadas”, na qual brasileiros e portugueses se enfrentaram nas ruas do Rio de Janeiro. Os nacionais exigiam que o imperador abandonasse a causa portuguesa. Em 7 de abril de 1831, D. Pedro I abdicou ao trono.

De acordo com Isabel Lustosa, houve grande influência francesa na cultura do Brasil no período do Primeiro Reinado. Não havia tantos jornais, pois, a vida dessas publicações era curta. “O jornal acabava sendo um veiculador das luzes, um conjunto de ideias”, disse. Em decorrência da censura que prevaleceu até 1821, havia interesse por informação e conteúdo. Isso gerava a criação de um público ávido por notícias. “Não havia muita diversão para o cidadão”, concluiu a pesquisadora.

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