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03/06/2011

Humanização: elemento fundamental para a gestão de qualidade em saúde

Irene Kalil


Desde 2003, o Ministério da Saúde entende que a adoção de práticas de atenção e de gestão mais humanas, que estimulem intercâmbios solidários de saberes e intenções entre gestores de instituições de saúde, seus trabalhadores e usuários, pode contribuir para a promoção da saúde e a produção de sujeitos plenos e realizados. A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS, mais conhecida como HumanizaSUS, foi pensada a partir das experiências do chamado SUS que Dá Certo, que vem contribuindo para a legitimação do Sistema Único de Saúde como política pública de êxito nacional. Nesta entrevista, o pediatra e atual coordenador da Comissão de Humanização do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Antonio Albernaz, fala sobre esse processo de trabalho no IFF e quais as principais melhorias trazidas por ele para usuários e trabalhadores de instituições de saúde e para o sistema como um todo.


Quando surgiu o movimento da humanização no contexto brasileiro?


Antonio Albernaz: Os movimentos em torno de propostas que viabilizem um sistema de saúde público para o Brasil já existem há muito tempo. Antes mesmo da consolidação do SUS, na constituição de 1988, identificamos ideais que evoluem nesse sentido. No seguimento desta evolução, vem a proposta da Política Nacional de Humanização (PNH), que organiza um discurso em torno de diretrizes com oferta de um “modo de fazer” e oferece dispositivos de apoio para alcançarmos um sistema de saúde humanizado e democrático. É a tríade universalidade, integralidade e equidade, que orienta o SUS em sua proposta de atender a população brasileira em todas as suas necessidades, observando as variações impostas pelas regionalidades.


E como essa ideia vem sendo desenvolvida na rede pública de saúde?


Albernaz: Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente na sua vertente mais delicada, que é a assistência, tem tratado o seu trabalhador, tanto da gestão quanto da atenção, de forma desumanizada. Além de sofrer com as suas condições de trabalho, esse trabalhador também sofre por não poder responder como gostaria à demanda da população. O melhor indicador é o notável aumento dos índices de absenteísmo (ausência ao trabalho) por licença médica. Como pode o trabalhador dar conta da demanda da população se ele próprio está necessitando de atendimento e passa pelas mesmas dificuldades? A proposta, portanto, é recuperar um ambiente humanizado para o trabalho no SUS, tendo como eixo mais forte a aproximação entre gestão, atenção e saúde do trabalhador. A PNH oferece dispositivos, inseridos em diretrizes, que propõem mudanças no “modo de fazer” e estabelece parcerias com sistemas e hospitais interessados em consolidar esse novo modelo de trabalhar.


Em 2006, o IFF criou uma comissão para orientar as ações de humanização. Como funciona o trabalho e quais são seus avanços mais significativos?


Albernaz: Muito antes de a PNH chegar ao IFF, o instituto já implementava ações de humanização. Um exemplo sempre citado em nossas reuniões é o programa Saúde e Brincar, que há mais de 15 anos atua junto aos pacientes por meio de posturas humanizadas. Mas foi em 2005 que nasceu o Grupo de Trabalho em Humanização, dando origem, um ano depois, à Comissão de Humanização, que tem como missão assessorar a direção nas ações de humanização de forma mais sistematizada. Na verdade, o objetivo é criar estratégias para que as posturas mudem, mudando também o modo de fazer dos trabalhadores e gestores. E essa mudança de postura abre espaço para valorizar ações de humanização.


Um exemplo é o do compartilhamento de poder dentro de serviço ou departamento. Um chefe que atua em colegiado, dividindo as dificuldades, decisões e, consequentemente, as responsabilidades com sua equipe adota uma postura humanizada. Uma postura que altera a lógica de gestão verticalizada, hierarquizada. Uma postura democrática, compatível com as diretrizes da PNH. Sabemos que é muito mais difícil, para um chefe de serviço, atuar assim, pois dá trabalho fazer reuniões, lidar com o contraditório, chegar a uma decisão mais próxima do ideal para todos, uma solução co-construída. Por outro lado, decisões tomadas dessa forma são responsabilidade de todos e não somente do chefe, o que aumenta o envolvimento e a responsabilização pela aplicação, na prática, das decisões tomadas. Acreditamos que não há um modo de fazer perfeito, mas já é possível afirmar que o modo de fazer democrático é mais produtor de responsabilidade em todos os trabalhadores, que a decisão compartilhada gera mais satisfação (ou menos insatisfação) no trabalho do dia a dia. Com ela, vemos menos sofrimento e adoecimento e mais compromisso e satisfação por parte do trabalhador.


Em sua opinião, qual a principal contribuição da humanização para usuários e trabalhadores do sistema de saúde e para o ambiente hospitalar como um todo?


Albernaz: A nossa missão é oferecer apoio na construção de estratégias baseadas nas diretrizes da PNH, auxiliando a gestão e a atenção na melhoria progressiva da atenção ao usuário dentro e fora do IFF. Uma das principais diretrizes é produzir, ou melhor, co-produzir a capacidade de autogestão da própria saúde e o bem-estar do usuário, do trabalhador e do próprio gestor. Perguntar somente se o usuário gosta do atendimento não é um indicador suficientemente válido, deve ser considerado positivo somente se os indicadores concretos acompanharem. Estamos falando de variáveis como tempo de internação, índice de reinternações, apoio aos pacientes crônicos dependentes de tecnologias em sua residência, apoio aos serviços de outras unidades do SUS perto das residências desses mesmos pacientes, entre outras. Estes são alguns critérios que apontam para a melhoria na qualidade da atuação do Instituto. Mas sempre lembrando: avançar no processo de humanização requer, logo de início, aumentar a satisfação e o comprometimento dos trabalhadores envolvidos tanto na gestão quanto na atenção à saúde. Para isso, é fundamental aproximar atenção e gestão com a implementação de um colegiado gestor, composto pela direção e vice-diretorias, e colegiados descentralizados a partir da reorganização da estrutura – de setores e equipes de trabalho – em unidades de produção.


Para saber mais, acesse aqui.


Publicado em 3/6/2011.

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