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29/01/2008

Identificado o mapa proteômico do parasito causador da tricomoníase

Bel Levy


Um estudo desenvolvido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz em parceria com o Instituto de Química e o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mapeou pela primeira vez o proteoma do parasito Trichomonas vaginalis – agente etiológico da tricomoníase, doença sexualmente transmissível que registra 200 milhões de novos casos por ano no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A partir da definição do proteoma, repertório de proteínas expressas pelo microrganismo, os pesquisadores geraram dados inéditos sobre processos biológicos que regulam o ciclo de vida e a patogenicidade do parasito e verificaram a ocorrência de uma forma até então desconhecida de T. vaginalis. A expectativa é que as descobertas possam subsidiar o desenvolvimento de métodos diagnósticos mais eficientes e esquemas terapêuticos alternativos. Os resultados foram publicados na edição de julho da revista Proteomics e em outubro no Journal of Mass Spectrometry.


 Em meio não-ferroso (à dir) o parasito <EM>T. vaginalis</EM> internaliza estruturas e produz uma nova forma, que pode comprometer o diagnóstico da tricomoníase (Foto: José Batista de Jesus)

 Em meio não-ferroso (à dir) o parasito T. vaginalis internaliza estruturas e produz uma nova forma, que pode comprometer o diagnóstico da tricomoníase (Foto: José Batista de Jesus)


O passo inicial foi o mapeamento completo do proteoma do T. vaginalis, feito em parceria pelo IOC, os dois institutos da UFRJ e o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Cuba. Com base nestas informações, os pesquisadores aplicaram análises proteômicas a diferentes cepas do parasito, cultivadas na presença e na ausência de ferro, metal fundamental à sobrevivência do microrganismo no trato urogenital humano. Durante os experimentos, realizados in vitro, verificou-se que muitas proteínas são expressas somente em meio ferroso, ambiente natural de T. vaginalis – 45 delas já foram identificadas pelos pesquisadores.


“O ferro é responsável pela síntese de diversas proteínas e está direta ou indiretamente envolvido na regulação de genes. Acreditamos que ao menos algumas das proteínas do T. vaginalis que deixam de ser produzidas em meio de cultura carente do metal sejam essenciais ao ciclo biológico do parasito e possam indicar o caminho para o desenvolvimento de novas drogas”, comemora o parasitologista José Batista de Jesus, pesquisador do Laboratório de Biologia Molecular de Doenças Endêmicas do IOC e coordenador do projeto.


Os pesquisadores também observaram que na ausência de ferro o parasito – que tem o formato de uma elipse e cinco flagelos – internaliza algumas de suas estruturas, produzindo uma forma arredondada incapaz de se mover. Esta constatação coloca em xeque a premissa científica de que o T. vaginalis tem somente uma etapa morfológica em seu ciclo evolutivo.


“Muitas das proteínas que não são sintetizadas pelo T. vaginalis em meio não-ferroso estão envolvidas em vias metabólicas e na dinâmica de seu citoesqueleto, o que pode resultar numa alteração morfológica do parasito, representada pela forma arredondada. Esta variante, conhecida como pseudo-cisto, pode ser uma forma de resistência do parasito a alterações no meio onde ele vive, provocadas por exemplo por estresse nutricional ou por variações hormonais do trato vaginal humano, comuns durante o ciclo menstrual”, explica José Batista. Este comportamento do parasito pode comprometer o diagnóstico da tricomoníase, realizado a partir do reconhecimento visual do parasito durante a análise em microscópio do material coletado da cavidade vaginal durante o exame ginecológico. Como a forma arredondada do T. vaginalis foi descoberta apenas agora e o protocolo de diagnóstico da doença é guiado pela verificação das estruturas externas do parasito, a forma mutante produzida em meio carente de ferro pode não ser identificada.


“Quando assume a forma de pseudo-cisto, o T. vaginalis pode não ser identificado pelo diagnóstico tradicional da tricomoníase, retardando o tratamento. Por isso, a possibilidade de um novo método para identificação do parasito é especialmente interessante para o Brasil, onde a detecção por meio de cultura – opção prática e eficiente, mas de custo relativamente elevado – ainda não é disponibilizada como rotina”, alerta o especialista. “Além disso, os numerosos relatos de resistência de pacientes ao Metronidazol, droga indicada para o tratamento da tricomoníase humana, apontam a necessidade urgente de se identificar proteínas ou enzimas cruciais para a sobrevivência do parasito que possam ser investigadas como alvos seletivos para novos fármacos”, ressalta.


Para investigar as propriedades do pseudo-cisto, os pesquisadores cultivaram a forma mutante em condições ideais, isto é, na presença de ferro, e verificaram que o patógeno é capaz de se reproduzir, gerando as tradicionais formas infectantes. Para esclarecer se o pseudo-cisto caracteriza realmente uma forma infectante de T. vaginalis, porém, são necessárias ainda análises in vivo do patógeno.

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