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12/11/2008

Infectologista comenta a instalação de unidade da Fiocruz no MS

Adriano De Lavor


O infectologista Rivaldo Venâncio da Cunha, 50 anos, doutor em medicina tropical pela Fiocruz, é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), onde também coordena o mestrado e o doutorado em doenças infecciosas e parasitárias, além de integrar o comitê de assessoria do Ministério da Saúde (MS) para dengue e febre amarela. Responsável técnico pelo escritório da Fiocruz em Campo Grande, não vê a fronteira próxima como fator complicador, ao contrário: nesta entrevista, fala com generosidade sobre os desafios da instituição na região, que demandam solidariedade com os povos vizinhos. “A fronteira não é um muro, e sim uma ponte para a vigilância em saúde conjunta entre nossos países, pela ótica da solidariedade que sempre caracterizou a Fiocruz ao longo de seus 108 anos de existência”.


 Venâncio: No MS não temos óbito por bala perdida, como no Rio, mas por bala certeira (Foto: Peter Ilicciev)

Venâncio: No MS não temos óbito por bala perdida, como no Rio, mas por bala certeira (Foto: Peter Ilicciev)


Que avaliação o senhor faz do seminário promovido em Bonito (MS), que discutiu a instalação da Fiocruz no Mato Grosso do Sul?

Venâncio:
Sucesso absoluto. Mostrou mais uma vez que o processo de construção coletiva, embora mais difícil, é mais sólido. A diversidade de participação demonstra claramente que o formato de implantação de uma unidade da Fiocruz está mais do que correto. É um marco histórico de ciência, tecnologia e formação de recursos humanos para o MS.


Quais são as principais demandas da região?

Venâncio:
Temos a segunda maior população indígena do Brasil, em sérias dificuldades pela disputa territorial com fazendeiros e moradores brancos, por problemas de saúde, pelo acelerado processo de aculturação decorrente da urbanização de aldeias, da presença muito forte da religiosidade, além do consumo do álcool. Alia-se a isso a chegada das usinas de açúcar num volume maior, que têm usado como mão-de-obra os indígenas. Esse afastamento das suas origens leva ao aumento de doenças como tuberculose e DST. Além do ponto de vista epidemiológico, da morbimortalidade das populações fronteiriças, as relações culturais, sociais, científicas e tecnológicas nos eixos Brasil-Paraguai e Brasil-Bolívia têm sido prioridade da Fiocruz. Nosso entendimento sobre a fronteira é de uma relação e um olhar sem muros. A divisão entre Brasil e Bolívia, no meio do MS, não será entendida como barreira. A fronteira não é um muro, e sim uma ponte para a vigilância em saúde conjunta entre nossos países, pela ótica da solidariedade que sempre caracterizou a Fiocruz ao longo de seus 108 anos de existência. Esses dois países irmãos estão num processo intenso de transformações que precisam da experiência do Brasil.


Esses dois países não têm sistema de saúde universal...

Venâncio:
 A Bolívia passou recentemente por um processo constituinte, a exemplo do que o Brasil teve de 1986 a 1988, e um dos grandes temas foi justamente a configuração de um sistema de saúde. Temos experiência nisso, de gestão, avaliação e formação de recursos humanos, enfim, todas as interfaces com o SUS.


E as pesquisas?

Venâncio:
 Temos agravos e doenças que não fogem muito da realidade de outros centros. Aqui não temos óbito por bala perdida, como no Rio, mas por bala certeira. A violência urbana e rural é problema sério e será objeto de investigação sob a ótica da saúde pública e coletiva, e não exclusivamente sob a ótica da segurança. Temos uma região muito rica em ecoturismo: foram registrados 800 óbitos por afogamento, numa forte ligação com lazer e turismo. Outro aspecto é o da saúde ligada ao agronegócio. Essa indústria sucroalcooleira tem renúncia fiscal em torno de R$ 1,5 bilhão ao ano, que o estado deixa de arrecadar para incentivá-la. Por isso, uma ideia é a criação de fundo setorial de ciência e tecnologia bancado pela indústria para projetos de pesquisa.


O que a região pode oferecer de exemplo ao Brasil?

Venâncio:
Nossa experiência em evitar as mortes recorrentes da dengue. Já demonstramos que é possível evitá-las. Outro exemplo: divergências pessoais, paixões ideológicas podem ser direcionadas à construção de um projeto para a coletividade maior. Outra experiência nossa nesse pedaço do Brasil que um dia já foi Paraguai: temos o dever histórico de ajudar a amenizar os discursos — quase hegemônicos em alguns meios de comunicação — que tratam divergências políticas e econômicas entre Brasil e países da América Latina como divergências entre povos. As disputas econômicas de mercado não devem, em hipótese alguma, arrefecer nossas energias na solidariedade a esses povos, que são nossos irmãos e estão a poucos quilômetros aqui de Campo Grande. Pode ser que daqui a 15 anos a gente se sinta frustrado ao ver que o processo não saiu como esperávamos, mas demos nossa contribuição histórica.


E os cursos? Algo a antecipar?

Venâncio:
Precisamos antes da aprovação do Conselho Estadual de Saúde e da Comissão Intergestores. Aí vamos atrás de financiamento para o intenso processo de formação e capacitação, voltado para o entendimento, a geração e a difusão de informações, especificamente em saúde dos povos indígenas. Para agentes de saúde indígena, cursos de especialização, um mestrado em saúde indígena e outros níveis de formação. Em breve, teremos todas as propostas.


Fonte: Radis


Publicado em 12/11/2008.

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