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28/05/2008

Informações sobre dengue devem considerar representações da doença

Renata Moehlecke


Para a dengue ser transmitida são necessários três elementos fundamentais: o vírus, o mosquito e o homem. A prevenção e o combate à doença dependem do conhecimento que se tem sobre eles. Várias pesquisas vêm sendo desenvolvidas sobre o vírus e o vetor, entretanto, sobre o homem e seu comportamento muito ainda tem que ser estudado. É justamente essa lacuna que a pesquisadora Márcia Lenzi ajuda a preencher em tese recém-defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. Seu trabalho avaliou atitudes e representações sociais da doença entre os moradores da comunidade Parque Oswaldo Cruz, em Maguinhos (na Zona Norte do Rio de Janeiro), que dificultam um engajamento adequado na luta contra a dengue. O grupo foi escolhido pela alta incidência da doença em três grandes epidemias ocorridas no estado em 1986, 1991 e 2002.


 Márcia Lenzi: a idéia sobre o vetor é vaga e muitas vezes fantasiosa (Foto: Virginia Damas)

Márcia Lenzi: a idéia sobre o vetor é vaga e muitas vezes fantasiosa (Foto: Virginia Damas)


Segundo Márcia, algumas subjetividades em relação à dengue podem aumentar as vulnerabilidades de um grupo social, e o reconhecimento destas são de suma importância para a definição de estratégias de prevenção, de educação e de identificação de situações de risco, que causam e mantêm a circulação da doença. “As pessoas têm representações desenvolvidas, por exemplo, com a própria experiência de adoecer que influenciam diretamente a construção do conhecimento e vice-versa”, explica.


Para o estudo, a pesquisadora, acompanhada de um agente de saúde, visitou e entrevistou pessoas em 196 domicílios entre janeiro de 2003 e março de 2006, após a população vivenciar uma epidemia de grandes proporções (2002) e sofrer uma fase de grande incidência de casos (2005). Os resultados foram reveladores. Pode-se observar que, apesar de haver muita informação sobre dengue, focando quase que exclusivamente a prevenção, existem crenças que afastam a população dessas práticas divulgadas de combate ao mosquito, como por exemplo, a associação do mosquito a ambientes insalubres ou de mata. “Muitos mencionaram a água limpa como lugar de reprodução do vetor”, diz Márcia. “A água é o meio de reprodução mais comumente citado devido às mensagens repetidamente divulgadas pela mídia. Entretanto, não é uma informação decodificada e ancorada pela totalidade desse grupo. Na prática, é uma outra história: o ambiente limpo é considerado protegido, livre da dengue”.


Márcia também verificou que a idéia sobre o vetor é vaga e muitas vezes fantasiosa. Os entrevistados, em sua maioria, não foram capazes de descrever as características do mosquito e afirmaram reconhecê-lo só por ter visto sua imagem na televisão. “Pode-se observar que a maioria desconhece o hábito diurno do inseto ou tem idéia de sua circulação ao final do dia, assim como o pernilongo”, aponta a pesquisadora. “Essa informação, ou mais precisamente, a falta dela, pode levar a práticas de proteção completamente ineficazes no tocante ao vetor, como o uso noturno de inseticidas e ventiladores”.


A pesquisa ainda constatou que apenas 37% das pessoas que tiveram dengue em casa buscaram diagnóstico médico. A justificativa constante para a falta de procura de um profissional de saúde foi que o tratamento é sempre padrão, citando ser necessário apenas repouso, muito líquido e o uso do medicamento Tylenol. Muitos dos indivíduos consultados também afirmaram ser possível uma segunda infecção por dengue, baseados em experiências com epidemias passadas.


Em relação à dengue hemorrágica, o estudo mostrou que pouca ou nenhuma informação circula na comunidade. “Nem mesmo o agente de saúde que trabalhava naquela área, e que, na ocasião foi entrevistado, foi capacitado para informar sobre o tema, dizendo ter como única fonte de informação a televisão”, lamenta a pesquisadora. “A idéia mais freqüente é relacionada à perda visível de sangue e morte, mas ninguém soube explicar a evolução do quadro até chegar ao agravamento dos sintomas”.

 

A pesquisadora destaca que essa experiência junto ao grupo de moradores chama atenção para o pouco entendimento que existe por parte dos profissionais de saúde sobre o tipo de saber e atitudes que movem essas pessoas no combate a doença, essenciais para a formulação de estratégias educacionais e informativas efetivas. “Ficou claro que é preciso avaliar e redirecionar as informações e a forma como elas são elaboradas para a população, a fim de diminuir a sua vulnerabilidade”, explica Márcia. “É possível que essa situação se repita em outras favelas e mesmo fora dessas áreas desfavorecidas”.


Discurso apresentado em informativos não é adequado à população


A fim de tentar compreender como se constroem as noções entorno da dengue na comunidade Parque Oswaldo Cruz, Márcia Lenzi analisou materiais informativos sobre a doença distribuídos pelo governo na área durante a epidemia de 2002 e o surto de 2005. Os folhetos foram reconhecidos por 51% dos consultados, mas 23% deles afirmaram não os terem lido. A análise mostrou que as ações de comunicação e educação são repetitivas, sazonais e padronizadas, desconsiderando aspectos sociais, culturais e históricos na elaboração de intervenções mais próximas à população.


“As mensagens se repetem, centradas nos cuidados com os reservatórios”, comenta a pesquisadora. “O discurso oficial científico é reconhecido e reproduzido, mas as representações da doença refletem que as informações são somente apreendidas e não compreendidas. Eles sabem que é preciso evitar água parada e o acúmulo de lixo, por exemplo, mas não entendem a razão dessas práticas, devido à falta de conhecimento sobre o ciclo do mosquito”. 


Parte do problema está na forma como o conhecimento é passado para a população. A área possui altas taxas de analfabetismo e um alto índice de pobreza. “A maioria dos participantes mencionou que os folhetos têm importância no conjunto das ações de prevenção, entretanto a TV foi o meio de comunicação preferencial para receber informações, já que a captação da mensagem não depende de leitura”, diz Márcia. “A falta de tempo foi a razão mais citada para justificar o desinteresse pelos folhetos, e a dificuldade de ler devido a pouca ou nenhuma instrução, foi  uma outra razão que embora não citada, foi percebida”.


A pesquisadora também observou que dados essenciais à compreensão da situação não são transmitidas a esses indivíduos. “Apesar de já haverem ocorrido três epidemias com óbitos por febre de dengue hemorrágica na região e, agora, a pior epidemia em número de casos que já tivemos, de 1991 a 2008, não há informação sobre sintomas de risco e febre de dengue hemorrágica para a população. As pessoas não sabem reconhecer o agravamento dos sintomas que alertam para a procura imediata de um médico, pois não há nenhuma divulgação sobre isso”.


Para Márcia, o grande desafio e contribuição da saúde pública é dar instrumentos à população de forma que ela tenha o direito a informações completas e adequadas a sua realidade, para que sejam compreendidas. “Folhetos e outdoors não são os meios mais apropriados”, esclarece. “Essa epidemia é mais do que prova que a população é refém da incompreensão e do desconhecimento do que é divulgado”. Mais do que quantidade, o que importaria realmente é a qualidade da informação, que deve ser adaptada ao público-alvo. “Ao planejar, é necessário que sempre se reflita sobre o direcionamento dessas campanhas, ou seja, quais os aspectos mais relevantes a serem informados e quais os veículos mais eficazes a serem utilizados para que a população possa se proteger, podendo com isso evitar internações e óbitos”.

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