08/02/2008
Ricardo Valverde
Faz 70 anos que a extinta Divisão de Assistência a Psicopatas do Distrito Federal (DAP-DF) iniciou um inquérito que duraria quatro anos e seria utilizado para elaborar o Plano Hospitalar Psiquiátrico, com o planejamento e a construção de 4 mil leitos. De acordo com a antropóloga Ana Teresa Venancio, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC) da Fiocruz, a formulação do plano é um dos eventos centrais da história da assistência psiquiátrica no país entre os anos 30 e 50 do século passado. Os outros dois seriam as criações do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (Ipub) e do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM). Estudiosa da história da psiquiatria, Ana Teresa e a bolsista Janis Alessandra Cassilia (Pibic/CNPq/Fiocruz) apresentaram, na reunião anual da Associação Nacional de Pós-graduação em História (Anpuh), em São Leopoldo (RS), um trabalho sobre o caso da Colônia Juliano Moreira (CJM), no Rio de Janeiro, cujo modelo, o de hospital-colônia, foi privilegiado e implementado como padrão pelo SNDM, que utilizou o inquérito feito pelo DAP-DF como subsídio para as mudanças estabelecidas a partir de 1941.
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Getúlio Vargas e o ministro Gustavo Capanema percorrem as enfermarias da colônia, em 1941 |
“O nosso trabalho analisa a história da assistência à doença mental na década de 40, centrada no caso da Juliano Moreira. Avaliamos como, naquele período, a assistência psiquiátrica esteve articulada à política para a área da saúde, centralizadora e modernizadora, que acabou por incentivar a criação de ambulatórios e produzir a expansão de grandes estruturas hospitalares psiquiátricas em vários estados”, diz Ana Teresa. Para a pesquisadora, “a especificidade da CJM se dá no modo como a política pública da época reverberou no ideário original institucional, centrado no tratamento das doenças mentais pela praxiterapia e pela assistência hetero-familiar, que produzia uma vida social e urbana como parte da instituição”.
O SNDM era um dos 23 órgãos do Departamento Nacional de Saúde (DNS) do Ministério da Educação e Saúde, que compreendia as divisões de Saúde Pública, de Assistência Hospitalar, de Assistência a Psicopatas e de Amparo a Maternidade e a Infância. De acordo com Ana Teresa, “a reunião desses órgãos foi um indício de mudanças substanciais no campo da política assistencial psiquiátrica, porque ampliou a ação do Departamento Nacional de Saúde (DNS) na área psiquiátrica, até então mais circunscrita ao Distrito Federal”. O SNDM representou a junção, em apenas um órgão, do Serviço de Assistência a Psicopatas (SAP) e da DAP-DF.
Segundo a pesquisadora, o inquérito iniciado em 1937 tinha por finalidade obter um diagnóstico da assistência psiquiátrica, o que resultou na demonstração da diversidade da assistência prestada pelas diferentes unidades da Federação. Os estados foram classificados como: os que não prestavam assistência a seus doentes (Sergipe, Goiás e o então Território do Acre); os que ofereciam uma assistência rudimentar, sem tratamento diferenciado e especializado (Mato Grosso, Espírito Santo e Piauí); os que prestavam alguma orientação especial, ainda que a assistência fosse considerada bastante deficiente (Amazonas, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas e Santa Catarina); os que ofereciam assistência especializada, mas ainda reduzida (Paraíba, Pará, Bahia e Rio de Janeiro); e os que assistiam seus doentes com base nos métodos psiquiátricos considerados mais modernos e preocupados com a prevenção (Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais).
“Quando analisamos as propostas contidas no Plano Hospitalar Psiquiátrico vemos que a estrutura hospitalar implementada como padrão foi a do hospital-colônia. Entre os 20 estados (incluindo-se o Distrito Federal) 14 são citados como aqueles que deveriam ser contemplados com a construção ou ampliação de hospital-colônia ou colônia”, afirma Ana Teresa, acrescentando que esse modelo institucional já era defendido há 30 anos. “De um modo geral, as ações político-assistenciais iniciadas na década de 40 na área psiquiátrica foram organizadas a partir de um processo de modernização, centralização e nacionalização da assistência mais ampla em saúde. Mas o principal modelo assistencial psiquiátrico proposto e executado a partir daquela época foi o das grandes estruturas, que sob a alcunha de hospital-colônia recriavam o modelo institucional já idealizado nos anos 10”, observa a pesquisadora, que trabalhou na Colônia Juliano Moreira entre 1986 e 1988, atuando como assistente no Núcleo de Pesquisa em Psiquiatria Social.
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