Início do conteúdo

09/10/2017

Instituto Pasteur marca presença na Coleção Oswaldo Cruz

COC/Fiocruz


Em um diário em que anotou experiências de laboratório, realizadas entre 1893 e 1896, provavelmente no laboratório instalado em sua própria residência, Oswaldo Cruz escreveu: “28 de setembro de 1895. Falece em Paris o sábio Pasteur”.

A lembrança da data de morte de Louis Pasteur não é ocasional. O químico que na segunda metade do século XIX revolucionou a medicina, a biologia, a agricultura e a saúde pública era merecedor da admiração de Oswaldo Cruz. Aos seus olhos, o pesquisador francês se distinguia pela defesa corajosa de suas ideias e pelo rigor experimental aliado a um espírito prático colocado a serviço das causas da coletividade. Essas qualidades – que também formariam o caráter do cientista brasileiro, de acordo com muitos de seus contemporâneos – constituíam uma fonte de inspiração profissional para o jovem médico, iniciado na teoria microbiológica de Pasteur e nas práticas de laboratório quando frequentou, enquanto estudante, o laboratório da Cadeira de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A monografia de conclusão do curso médico (A veiculação microbiana pelas águas), apresentada em 1892, versou sobre a contaminação das águas por micróbios patogênicos, e as formas de prevenção das infecções por eles causadas.

Emile Duclaux, diretor do Instituto Pasteur de Paris à época escreve sobre assuntos de interesse do Brasil no seu Tratado de Microbiologia (Traité de microbiologie.-t.3 Paris; Masson; 1900) (Fotos: Acervo COC/Fiocruz)

 

Dois anos depois do registro da morte de Pasteur, Oswaldo Cruz viajou a Paris para uma temporada de estudos em diferentes instituições, entre elas, o Instituto Pasteur. Àquela altura, dirigido por Emile Duclaux, o recém–criado instituto já angariava reconhecimento mundial. A vacina contra a raiva humana, descoberta e aplicada pela primeira vez por Pasteur em 1885, e o desenvolvimento da soroterapia demostrou o alcance efetivo da microbiologia aplicada à medicina.

Em seu período de estudos no Instituto Pasteur (1897-1898), Oswaldo Cruz conviveu com alguns de seus renomados cientistas: Émile Roux, um dos criadores do soro antidiftérico e que lançou, em 1889, o primeiro curso de microbiologia do mundo (frequentado por Oswaldo Cruz em 1898); Alexandre Yersin, que identificou a bactéria causadora da peste bubônica e contribuiu com Emile  Roux, Albert Calmette, e Amédée Borrel  para o desenvolvimento do soro antipestoso;  Albert Calmette, um dos inventores, com Camille Guérin, da vacina contra a tuberculose (BCG); Elie Metchnikoff, um dos pioneiros da moderna imunologia (descobridor da fagocitose), e Nobel de fisiologia ou medicina em 1908.

Oswaldo Cruz manteve contatos profissionais e pessoais duradouros com alguns membros desse grupo francês, em particular Émile Roux, Elie Metchnikoff,  Alexander Besredka, Paul-Louis Simond e Émile Marchoux. Dessa relação, resultaria uma produtiva troca de correspondências, principalmente no período das campanhas sanitárias, a respeito de técnicas de fabricação de soros e vacinas. Essa colaboração se iniciou com o combate à peste bubônica em Santos, em 1899, e se intensificou quando o Instituto Pasteur enviou, em 1901, Paul-Louis Simond, Émile Marchoux e Alexandre Salimbeni para investigar os mecanismos de transmissão da febre amarela. Esses pesquisadores tiveram também a oportunidade de acompanhar a campanha sanitária contra essa doença desencadeada por Oswaldo Cruz a partir de 1903, cujo foco central era o extermínio de mosquitos. Tratava-se da reprodução da experiência recém-realizada pelos médicos militares norte-americanos em Cuba, que testaram e comprovaram a teoria da transmissão pelo mosquito defendida pelo médico cubano Carlos Finlay.

A coleção Oswaldo Cruz e os franceses

Os pasteurianos marcaram presença na vida profissional de Oswaldo Cruz também em sua estante de livros. São poucas, mas significativas, as referências. Os três volumes de autoria de Calmette sobre a purificação das águas e o livro sobre soroterapia, bem como o tratado de microbiologia de Duclaux, abordam assuntos pertinentes ao universo das investigações do brasileiro, evidenciando a afinidade de interesses científicos que o aproximava dos franceses. Por outro lado, registra-se a participação nesse pequeno conjunto bibliográfico de dois dos maiores nomes da ciência francesa do século XIX: Louis Pasteur e Claude Bernard.

A patente do processo da pasteurização foi registrada pelo cientista francês em 1865. Em 1867, Pasteur recebeu o prêmio da Exposição Universal por sua pesquisa sobre o vinho

 

Pasteur está presente na estante de Oswaldo Cruz com Etudes sur le vin. Publicada em 1866, o livro enfeixa os resultados das investigações sobre a fermentação do vinho. A pesquisa iniciara em 1864 a pedido do imperador Napoleão III em face das perdas econômicas enfrentadas pelos produtores de vinho e de cervejas devido ao azedamento e alterações de seus produtos. Pasteur mostrou que a fermentação do vinho era provocada por microorganismos presentes no ar, que não resistiam a ação de altas temperaturas. Por isso, como solução para evitar a fermentação, propôs o lento aquecimento das bebidas a uma determinada temperatura (60º C) até serem embaladas em recipientes assépticos e hermeticamente fechados. Demonstrou assim, que o processo de fermentação e decomposição orgânica ocorre devido à ação de organismos vivos, além de inventar a pasteurização, técnica  utilizada até hoje para eliminar microorganismos patogênicos e conservar os alimentos. Em 1865, Pasteur registrou uma patente para esse processo e foi premiado pela Exposição Universal de 1867 por sua pesquisa sobre o vinho.

Segundo Louis Paul Valérie Radot, filho de Pasteur, e editor de suas obras completas, as investigações sobre o vinho mostram o gênio do pai ao aliar a eficácia do método experimental à aplicação prática. Evidenciam também a lógica de encadeamento de seu trabalho desde a investigação sobre a dissimetria molecular, que dera vez às pesquisas sobre fermentações e geração espontânea (leite, vinagre, vinho). Essas consistiram no prelúdio das investigações sobre as doenças contagiosas que conduziram o químico francês a promover uma revolução científica na medicina e na biologia no século XIX.

Leçons de physiologie opératoire, de 1879, é a primeira edição do último trabalho de Claude Bernard, morto no ano anterior, que trata de um assunto que o notabilizou: o método operatório em animais vivos (vivissecção), aprendido com seu mestre François Magendie, fisiologista catedrático do Collége de France. Esse foi um dos pilares da fisiologia praticada por Bernard, baseada na pesquisa de laboratório, tema de outro de seus livros, Introduction a l’étude de la médecine éxperimentale (1865). Reconhecido como o fundador da moderna fisiologia experimental pelas inúmeras contribuições que deu à compreensão do funcionamento dos organismos vivos, Bernard se destacou pela forma de pensar e aplicar o método experimental em medicina. Considerava o laboratório “o templo da ciência moderna”, não apenas o lugar da observação, mas do controle dos fatos: “as ideias não vêm do céu, se não dos fatos, e a experimentação é o controle dos fatos”. Em virtude de suas descobertas e de sua influência na ciência e na medicina francesas, Bernard tornou-se ainda em vida um dos mais premiados cientistas de seu país, lado a lado com seu contemporâneo, Louis Pasteur.

Por último, uma curiosidade: na extensa bibliografia laudatória sobre Oswaldo Cruz, produzida após sua morte, foi-lhe conferido o título de fundador da medicina experimental no Brasil em clara e inequívoca referência ao notável fisiologista francês.

Voltar ao topo Voltar