Início do conteúdo

29/12/2006

Ipepatro e Fiocruz firmam acordo para tratar de impacto sanitário em Rondônia


O parasitologista Luiz Hildebrando Pereira da Silva, diretor do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais em Rondônia (Ipepatro), esteve recentemente com o presidente da Fiocruz, Paulo Buss, o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), Antônio Ivo de Carvalho, e especialistas em endemias e epidemiologistas para discutir um acordo de cooperação técnica entre as duas instituições. O objetivo é tratar do manejo de impactos sanitários e ambientais da construção de barragens das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Porto Velho (RO). À Ensp caberia propor soluções para organização de serviços de atendimento básico em saúde e articulação de políticas públicas. Em entrevista ao Informe Ensp, Hildebrando fala do projeto da saúde associado à construção das hidrelétricas em Rondônia, das atividades do Ipepatro e de sua brilhante trajetória profissional. Hildebrando foi cassado pelo regime militar duas vezes (em 1964 e 1968) e hoje divide seu tempo entre Porto Velho e Paris, onde trabalhou até 1996 no Instituto Pasteur.


 Luiz Hildebrando (em pé) participa de reunião na Ensp (Foto: Ivone Perez)

Luiz Hildebrando (em pé) participa de reunião na Ensp (Foto: Ivone Perez)


Como o senhor espera contribuir para responder aos impactos possíveis que vão decorrer das construções das barragens e das instalações das hidrelétricas em Porto Velho?


Luiz Hildebrando Pereira da Silva: A construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Porto Velho, e suas respectivas barragens suscitam discussões sobre a conservação da região e o impacto na saúde da população. As barragens serão construídas num futuro mais próximo ou mais distante. Vai depender da decisão do Governo Federal. Haverá impactos ambientais, com destruição de sítios, alagamentos de áreas, desflorestamentos de algumas áreas, com repercussões sobre as culturas locais, a cultura agrícola, o pescado. Na área da saúde, há repercussões ambientais e relacionadas às migrações de populações que são atraídas pelo processo da construção das barragens e das instalações hidrelétricas. Estamos nos ocupando das repercussões e pactos na área da saúde, sabendo perfeitamente que não são impactos isolados, mas relacionados a impactos ambientais e sociais. Avaliando, de certo modo, a repercussão desses impactos sociais, migratórios e dos impactos ambientais, estamos prevendo ou procurando prever quais são os problemas a controlar, os problemas a evitar e como planificar as medidas necessárias no sentido de minimizar ou excluir essas repercussões. Esse é o nosso objetivo.


A região onde serão construídas as barragens é o Vale do Madeira, a mesma que no início do século 20 sofreu os impactos da construção da Ferrovia Madeira-Mamoré. Já existe, portanto, conhecimento a respeito das conseqüências das grandes massas migratórias. O senhor pode comentar o problema?


Hildebrando: O projeto físico de construção de duas barragens é de responsabilidade do consórcio proponente Furnas e Odebrecht e já tem oito anos. As hidrelétricas terão potencial de gerar sete milhões de MW e vão provocar a formação de reservatórios, que segundo o consórcio acarretarão impactos mínimos porque será necessário inundar uma área pequena, comparando com projetos anteriores. A tecnologia avançou muito. Procuramos avaliar as repercussões para a saúde da população que podemos controlar. Existem repercussões que podemos definir como imediatas e que estão associadas com experiência histórica da região, que é a contrução da Ferrovia Madeira-Mamoré. Na época, milhares de trabalhadores migraram para a região e sofreram com a epidemia de malária. Mas provavelmente o problema não era apenas a malária, mas também virose, febre amarela e outras infecções. Milhares de pessoas morreram. Existe uma memória bastante trágica desse período. Outro acidente que houve na região foi a abertura da Rodovia 364, ligando Cuiabá a Porto Velho. Depois, dando continuidade a essa rodovia, outra ligação foi feita de Porto Velho até Rio Branco. Outra onda migratória foi registrada na região por causa do garimpo. Perto de Porto Velho e na área localizada mais ao sul de Rondônia foram registradas milhares de mortes associadas às crises sociais. A malária foi a segunda causa de morte. Sabemos que a construção das barragens e das hidrelétricas vai atrair novamente milhares de trabalhadores que virão de outras áreas do país. Podemos prever perigos de epidemias de malária e de outras infecções, doenças sexualmente transmissíveis e viroses transmitidas pela água. Essas informações são a chave para a nossa atuação na região. Por isso, medidas de controles e de prevenção precisam ser implantadas.


O senhor disse que o Ipepatro está buscando parceiros para analisar os impactos na área da saúde. O que o senhor espera da Ensp e da Fiocruz?


Hildebrando: O Ipepatro não tem competência na área de saúde pública e na área de organização e de gestão de serviços de saúde. Somos um Instituto especializado em pesquisa tecnológica na área de doenças transmissíveis, de malária, viroses, hepatite. Temos laboratórios de imunologia, de virologia, de microbiologia e contamos com colaborações na área técnico-cientifica com vários laboratórios da Fiocruz, como os de Manaus, Rio, Belo Horizonte, além de laboratórios da USP e da Universidade do Rio Grande do Sul, entre muitos outros. Nossa competência está relacionada às doenças transmissíveis, do ponto de vista das medidas que podem ser utilizadas. Mas para instalações de estruturas físicas para a organização do atendimento básico em saúde, das relações de organização com as comunidades locais – tudo muito complexo e que exige uma estrutura multidisciplinar e multitécnica que não temos – contamos com a Fiocruz e, particularmente, com a Escola Nacional de Saúde Pública, que tem condições de realizar um excelente trabalho nessa área. Se for o caso, a Ensp pode contar com a colaboração de especialistas da Universidade Federal de Rondônia, que é sediada em Porto Velho e que tem serviços nacional, estadual e municipal, seja no nível do planejamento, seja no nível de estruturação de espaços físicos ou organizacionais de gestão.


O projeto está localizado em Porto Velho. Quais são as principais características geográficas da região?


Hildebrando: O município de Porto Velho é fronteiriço com a Bolívia de um lado e com o Acre e depois com o Amazonas, formando um arco fronteiriço de cerca de 35 mil quilômetros quadrados. É uma região gigantesca, do tamanho da Bélgica, com uma população de 350 mil habitantes – muito menor que a Bélgica em termos de população. Porto Velho não deve ter mais de 300 mil habitantes. A população rural se estende ao longo do curso do rio que corta a cidade. Nós, do Ipepatro, estamos desenvolvendo estudos preliminares para um sistema piloto para estudar doenças transmissíveis, particularmente malária, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis e diarréia. O objetivo é formular um projeto de prevenção. O piloto envolve uma área de 15 a 20 quilômetros quadrados e abarca comunidades ao sul de Porto Velho, área que vai ser afetada em primeiro lugar pela construção da primeira barragem, localizada a dez quilômetros do município, na cidade de Santo Antônio. Estamos estudando as localizadas no entorno dessa área para saber um pouco mais sobre as epidemias locais e os problemas que podem repercutir nas migrações. Ao mesmo tempo, precisamos saber quais são as epidemias que podem ser difundidas na população local com a chegada de migrantes. Esse é o nosso trabalho atual. A partir desse primeiro contato com a Fiocruz, começaremos a estudar possíveis associações ou parcerias a serem propostas.


Além da organização da estrutura necessária para o atendimento básico à população, a Ensp também contribuiria em outras questões?


Hildebrando: A Ensp também poderá nos ajudar na articulação de políticas públicas. O projeto vai atender os migrantes, a população local e as repercussões em toda área do estado e da região. Exatamente por isso é necessária uma apresentação global das problemáticas, que inclui desde conhecimentos aprofundados dos impactos nas estruturas existentes no nível social até questões que se abrem com o problema de instalação das usinas hidrelétricas.


O senhor é um cientista brilhante, que desenvolveu sua carreira na França e no Brasil. Por que escolheu essa região brasileira para dar continuidade ao seu trabalho?


Hildebrando: Fui expulso do Brasil pelos militares em 1964 e em 1968. Aposentei-me em 1996 no Instituto Pasteur, em Paris, e tentei voltar depois da anistia. Em 1980, procurei voltar para USP de onde eu tinha sido expulso, o que não aconteceu. Como eu tinha trabalhado com malária esses anos todos, me sentia competente para continuar. Voltei para o Brasil e moro em Porto Velho há oito anos. E me divido entre Brasil e Paris até hoje. Sempre tive vontade de trabalhar na Amazônia, onde existe malária no Brasil. Visitei Roraima, Amapá, Pará, Manaus. Rondônia teve maior aceitação da equipe que eu iria montar em parceria com a USP. Isso se explica muito bem porque o Pará e o Amazonas têm uma hierarquia institucional nas questões relacionadas à saúde e à pesquisa. Em Rondônia não havia nada. Nos ofereceram condições para nos instalarmos. Ao mesmo tempo, quando cheguei, em 1995, Rondônia registrava altos índices de malária. Hoje, temos um conhecimento básico da estrutura epidemiológica de transmissão da malária na região, que encontra reflexo a outras áreas do país. Em Manaus, o problema da malária é ainda maior. Por isso, temos convênios com Universidade Federal de Rondônia e temos atraído especialistas de São Paulo e de Minas Gerais e estamos formando pessoal lá. Nas universidades, temos mestrado e doutorado em doenças transmissíveis e contamos atualmente com 30 mestres e 14 doutores.


Fonte: Informe Ensp

Voltar ao topo Voltar