Início do conteúdo

14/05/2008

Jovens de favelas são novos atores sociais

Fernanda Marques


Na análise de Silvia, as organizações da sociedade civil, embora tardiamente, já começaram a descobrir que podem e devem participar ativamente na produção de respostas originais para os problemas da criminalidade e da segurança. “Nesse sentido, a grande novidade são os grupos de jovens de favelas e bairros de periferia, que, apesar de sua heterogeneidade e da ausência de uma articulação formal entre eles, constituem novos atores sociais, políticos e culturais preocupados em tomar atitudes contra a violência”, explica a pesquisadora, que estudou em profundidade as experiências de um desses grupos, o AfroReggae.


 Oficina de percussão: forma de reduzir distância entre policiais e jovens de favelas

Oficina de percussão: forma de reduzir distância entre policiais e jovens de favelas


Silvia identificou nesses grupos características comuns e que, muitas vezes, os distinguem das ONGs clássicas. Eles estão interessados no mercado e têm fins lucrativos. Investem nas trajetórias individuais, buscando formar artistas que sirvam de modelo e inspirem outros jovens a abraçarem a arte e não o tráfico. Valorizam o pertencimento à comunidade, mas desejam ter visibilidade bem além dos limites da favela. A denúncia do racismo e a afirmação da raça negra também caracterizam esses grupos.


Eles se organizam em torno de experiências culturais onde combinam produção artística com combate à desigualdade social; discutem o problema da violência em suas músicas, estética e atitudes; e buscam construir um novo estereótipo do jovem da favela, que emerge como artista de sucesso, dissociado da imagem da criminalidade. Os grupos de jovens de favelas atuam como mediadores de suas comunidades com o resto da sociedade, inclusive com a polícia.


Um exemplo disso está na trajetória do AfroReggae, criado como uma ONG na favela de Vigário Geral em 1993, mesmo ano em que essa comunidade foi alvo de uma chacina policial. Para promover a cidadania dos jovens das favelas, por meio de uma formação cultural e artística, o grupo oferece oficinas de percussão, teatro, circo, capoeira, vídeo e informática em Vigário Geral, Parada de Lucas, Cantagalo, Ramos e Complexo do Alemão. A iniciativa já originou uma banda e outros conjuntos de profissionais que se apresentam no Brasil e no exterior. Logo, surgiu também uma empresa do AfroReggae. São os recursos dessa empresa e de doações, convênios e patrocínios que sustentam a ONG.


Embora os jovens ligados ao AfroReggae já tivessem vivenciado experiências de violência policial e, por causa dos ressentimentos, prevalecesse no grupo uma cultura ‘antipolícia’, eles sugeriram a realização de um projeto junto à polícia. Assim, em 2004, teve início o Juventude e Polícia, uma iniciativa na qual jovens do AfroReggae davam aulas de percussão para policiais dentro de dois batalhões da PM de Minas Gerais.


A idéia era reduzir a distância entre os jovens das favelas e os policiais, por meio da arte e do respeito à ‘cultura do outro’. O sucesso do projeto garantiu sua continuidade nos anos seguintes. “Os resultados indicaram que é possível valorizar os aspectos humano, lúdico e artístico de policiais ao mesmo tempo em que se reduz o preconceito dos policiais sobre os moradores das favelas”, avalia Silvia.


Em sua tese de doutorado, a pesquisadora destaca cinco elementos-chave para o êxito da iniciativa: ela não mobiliza apenas a razão, mas também as emoções; em vez de impor mudanças aos policiais, propõe vivências inusitadas para todos os envolvidos; questiona tanto a imagem que os jovens das favelas fazem da polícia como a imagem que a polícia faz dos jovens das favelas; e, por fim, leva esses questionamentos para toda a sociedade, na medida em que ganha visibilidade na mídia.


A difícil reprodutibilidade é uma das limitações do projeto. Afinal, outros grupos podem não produzir o mesmo impacto simbólico do AfroReggae e outros batalhões da PM podem resistir às atividades propostas. Silvia adverte que projetos como o Juventude e Polícia não devem ser idealizados nem apontados como solução para a violência. “Nenhuma alteração se verifica na taxa de homicídios de jovens nas favelas onde os grupos mais estruturados atuam há anos”, destaca. “A principal contribuição desses grupos é a sua capacidade de estabelecer mediações e produzir agendas para governos, mídia e sociedade civil sobre sujeitos e temas antes silenciados ou invisíveis”.

Voltar ao topo Voltar