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01/07/2011

Judiciário e Saúde: sistemas estreitam ligação em favor do direito público à saúde

Antonio Fuchs


É cada vez maior o número de processos judiciais demandando medicamentos ou tratamentos ao sistema de saúde brasileiro, seja na esfera federal, estadual ou municipal. Quase sempre, os pedidos são ratificados pelo Judiciário, que por não ter conhecimentos técnicos sobre o assunto toma decisões que acarretam problemas para a sustentabilidade do sistema de saúde. Essa é a judicialização da saúde. Tratando-se de um direito garantido a toda população brasileira - conforme estabelecido na Constituição de 1988 -, a saúde pública se vê, por meio desta judicialização, obrigada a prestar o atendimento nos moldes das alegações formuladas.


O debate está aberto. Um grupo entende que esta é a forma justa de o cidadão buscar seu direito à saúde, uma vez que não encontra os medicamentos ou serviços necessários para seu tratamento no sistema, seja por falta destes nas unidades de saúde, ou por serem recentes e não estarem incorporados na lista do SUS. Outro grupo defende que tais ações são extremamente onerosas para a administração pública, que acaba obrigada a destinar recursos de determinados projetos, também importantes para a sociedade, para o cumprimento de decisões judiciais. E quem está certo na história? Um dos poucos consensos é que o Judiciário precisa conhecer melhor o sistema de saúde, para que as decisões sejam baseadas em evidências clínicas e científicas, e não apenas no que determina a lei.


Várias instituições de ensino e pesquisa fazem estudos na área da judicialização da saúde, de forma a compreender melhor o que vem acontecendo ao país, seja no campo judiciário, seja no campo executivo. A Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), atenta ao problema, desenvolve estudos e pesquisas e estabelece parcerias a fim de fomentar a elaboração de políticas públicas que ampliem o acesso a medicamentos, mas que, simultaneamente, resguardem a gestão pública.


Entendendo a necessidade de maior capacitação dos magistrados na relação entre justiça e saúde, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em abril de 2010, o Fórum Nacional da Saúde, para colaborar com políticas públicas e elaborar projetos que agilizem a solução dos processos judiciais que tratam do tema. E, em março de 2011, o órgão instituiu, na estrutura do Fórum, o Comitê Executivo do Estado do Rio de Janeiro, que está sob a coordenação do juiz federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro Ricardo Perlingeiro e da juíza de Fazenda Pública do Rio de Janeiro Maria Paula Gouvea Galhardo.


No dia 30 de junho, o Comitê Executivo do Rio de Janeiro promoveu a oficina Os desafios da tutela judicial do direito público à saúde, no Núcleo de Ciências do Poder Judiciário (Nupej), da Universidade Federal Fluminense (UFF), no centro de Niterói. Este foi o primeiro grande debate realizado pelo comitê, que teve como finalidade obter a padronização de rotinas administrativas e judiciais, a elaboração de propostas de normas administrativas, e a uniformização da interpretação de leis materiais e processuais pertinentes ao direito público de saúde e sua proteção judicial. Entre as autoridades judiciais, pesquisadores e médicos, estava o diretor da Ensp, Antônio Ivo de Carvalho, participando do evento. O Informe Ensp conversou com os coordenadores do fórum, Ricardo Perlingeiro e Maria Paula Gouvea Galhardo, para compreender melhor as frentes de atuação que estão sendo desenvolvidas e como é a parceria entre o Judiciário e a academia.


O CNJ compôs comitês estaduais em todo o país, e os senhores dirigem o Comitê Executivo do Rio de Janeiro. Como está composto e organizado esse comitê?


Ricardo Perlingeiro: O Comitê Executivo do Estado do Rio de Janeiro do Fórum Nacional da Saúde, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi instituído pelo ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, pela Portaria nº 25, de 22 de março de 2011. São membros desse Comitê, além de nós dois, Sérgio Luiz Côrtes da Silveira, secretário Estadual de Saúde, Antônio Ivo de Carvalho, diretor da Ensp, Sérgio Fisher, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, Anabelle Macedo Silva, promotora de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Fernanda Garcia, defensora pública responsável pelo Núcleo de Primeiro Atendimento de Saúde da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. O comitê constituiu três subcomitês para melhor desenvolver suas atividades: Subcomitê Banco de dados estatísticos e de decisões, Subcomitê Cursos e programas de visitas e Subcomitê Pesquisa/seminários e workshops.


Como os senhores veem a participação da academia no Comitê Estadual do RJ, nesse caso por meio da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz)?


Perlingeiro: A participação da academia no comitê estadual é representada pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), mas também pelo Núcleo de Ciências do Poder Judiciário da Universidade Federal Fluminense (Nupej-UFF), que desenvolve uma linha de pesquisa específica na área do direito e saúde, com atividades de pesquisa e ensino, em parcerias com certas instituições científicas e judiciárias com jurisdição administrativa no Brasil e no exterior. No âmbito do comitê, as atividades acadêmicas serão desenvolvidas em conjunto entre UFF e Ensp/Fiocruz e objetivarão a produção de conhecimento específico, voltado para o aperfeiçoamento do sistema judiciário de saúde pública, bem como a formação e aperfeiçoamento por meio de programas de ensino presencial e a distância de seus principais atores, tais como juízes, membros do Ministério Público, advogados públicos e privados e gestores de saúde.


Maria Paula Gouvea Galhardo: Eu acredito que a maior contribuição é no sentido de troca de expertises. É fundamental que critérios médicos e jurídicos possam estabelecer um diálogo e possam se cooperar. Os médicos não simpatizam com a judicialização da saúde. Por sua vez, os juízes, muitas vezes, se sentem constrangidos diante do caso concreto, da morte iminente, que bate às portas através de ações judiciais, e do reflexo que a decisão judicial causará ao sistema. Um diálogo de técnicas pode auxiliar na produção de decisões que venham a contribuir para a melhoria do sistema de saúde.


Os subcomitês têm feito reuniões para o delineamento de estratégias? Quais as principais estratégias desenhadas nesses encontros dos subcomitês?


Perligeiro: As diretrizes iniciais do Comitê de Saúde do Rio de Janeiro, fixadas em reunião ocorrida no dia 28 de abril último, estão baseadas em duas frentes, uma de pesquisa, outra de ensino. Com relação às atividades de pesquisa, almeja-se a instituição de um banco eletrônico de dados estatísticos e de decisões judiciais, bem como a realização de workshops e seminários de pesquisa, com o fim específico de obter a padronização de rotinas administrativas e judiciais, a elaboração de propostas de normas administrativas e a uniformização da interpretação de leis materiais e processuais pertinentes ao direito público de saúde e sua proteção judicial.


Qual a expectativa e quais os resultados esperados a médio e longo prazo com a atuação do comitê estadual?


Perlingeiro: O Comitê do Rio de Janeiro obteve de maneira rápida uma formidável legitimidade junto à comunidade, notadamente pelo perfil dos seus membros, acadêmico e profissional. Todos estão muito comprometidos e vêm priorizando as atividades do Comitê.


Recentemente foi realizado o encontro de todos os comitês estaduais no Conselho Nacional de Justiça. Em que aspecto este encontro trouxe contribuições para o debate?


Perlingeiro: O encontro no Conselho Nacional de Justiça com todos os comitês estaduais demonstrou que as diretrizes adotadas no Rio de Janeiro estão no caminho certo e, no futuro, podem gerar produtos de interesse nacional.


O Fórum Nacional do Judiciário foi instituído para monitoramento e resolução das demandas judiciais de assistência à saúde. A senhora pode falar um pouco das principais características dessas demandas judiciais no Estado do Rio de Janeiro?


Maria Paula: As demandas que são dirigidas à Justiça Estadual pleiteiam a concessão de medicamentos de custo elevado e para patologias menos universais, como doença de Crohn, hipertensão pulmonar, tratamento de câncer, epilepsias. Observa-se um incremento dos pedidos de medicamentos psiquiátricos; tratamentos médicos como Home Care e Oxigenoterapia. Há quatro anos e meio, quando assumimos a 4ª Vara de Fazenda Pública, houve um "boom" de pleitos ligados ao tratamento da diabetes, nos quais se pedia insulina e o aparelho glicosimetro. Isso ocorreu porque os municípios se recusavam a fornecer o glicosimetro.


Como as sentenças proferidas obrigaram-nos a fornecer o aparelho, e nas sentenças destacava-se a recomendação da Organização Mundial de Saúde, o município do Rio de Janeiro passou a incluir o aparelho no programa de diabetes, e esse tipo de demanda cessou. Há demandas que envolvem insumos, como lei para alérgicos à lactose e mesmo fraldas e pomadas para pessoas em estado vegetativo. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entende que tais insumos devem ser considerados necessários à sobrevivência dos pacientes, obrigando os entes públicos a prestá-los. Desde o ano de 2010, observamos um incremento do número de demandas pleiteando internações, especialmente em UTI, e estas demandas vêm no seu somatório ultrapassando o número de demandas de medicamentos. Esse incremento, assim como o insucesso no cumprimento das decisões judiciais, leva à conclusão da evidente falta de leitos no Estado do Rio de Janeiro.


Publicado em 1º/7/2011.

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