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06/06/2016

Judicialização da saúde

Leandro Farias*


Notoriamente presenciamos a falência do Estado no processo de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Isso ocorre muito por conta dos interesses do setor privado, que envolve operadoras de planos de saúde, indústrias farmacêuticas, grupos de empresários, entre outros.

Juntos, corrompem o Executivo e financiam o Legislativo, de maneira que este trabalhe para os interesses do capital, contribuindo para o processo de atrofiamento e sucateamento da saúde pública.

Enquanto isso, o setor privado cresce de forma vertiginosa, por meio projetos de lei, propostas de emenda à constituição e nomeação de representantes desses empresários para ocupar cargos na diretoria de órgãos que deveriam regular, fiscalizar e prezar pelo bom funcionamento da saúde pública.

O episódio mais recente foi o Ministério da Saúde ter se transformado em "moeda de troca", visando manter a governabilidade do país, e sendo entregue para um representante de um partido que não tem qualquer compromisso com a defesa do SUS.

Diante desse cenário, um fenômeno vem ganhando força, que é a judicialização da saúde.

Nas diversas regiões do país, os Plantões Judiciários se tornaram verdadeiros plantões de saúde, com demandas que vão desde acesso a medicamentos até leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).

Com base nos artigos 6º e 196º da Constituição Federal de 1988, que garantem a saúde como direito social e dever do Estado, o Judiciário vem buscando soluções para os anseios da população.

Tais demandas poderiam ser facilmente resolvidas pelas autoridades competentes. No entanto, apesar do esforço dos magistrados, o Judiciário, assim como o Executivo e o Legislativo, também está sujeito às pressões dos empresários do setor privado da saúde.

Uma realidade do Estado do Rio de Janeiro é o baixo número de leitos nas unidades de saúde. Em vista disso, juízes atuantes no Plantão Judiciário baseavam-se no artigo 461 do Código de Processo Civil (Lei Nº 5.869/1973) para garantir a internação dos pacientes na rede privada.

Uma dessas providências era a incursão de oficiais de Justiça em UTIs dos hospitais privados, de maneira a verificar a presença ou não de leitos vagos.

Medida justa ao analisarmos que a expansão do setor privado conta com o apoio do Estado por meio de linhas de crédito no BNDES, parcerias público-privadas (PPPs), renúncia fiscal, isenção de impostos, renegociação ou até perdão de dívidas, uso de reservas técnicas, entre outras ações com o objetivo de suprir a deficiência do setor público sucateado.

Eis que o então presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, no uso de suas atribuições, publica um ato (aviso TJRJ Nº 48/2015) que impede tais incursões em UTIs, alegando risco de contaminação dos pacientes e dos oficiais de Justiça.

No entanto, existem regras rígidas de biossegurança nesses ambientes, que vão desde a higienização das mãos à utilização de jalecos descartáveis.

Com base nessa alegação, então os pacientes hospitalizados nesses ambientes não podem receber visitas de seus familiares?

O desembargador ainda complementa o ato informando que a verificação de leitos será feita pelo chefe do plantão hospitalar.

Partindo do pressuposto de que o médico plantonista é um funcionário da unidade e que segue ordens, haverá isonomia e imparcialidade de sua parte?

Para os donos dos hospitais privados o que é melhor, reservar um leito para um paciente detentor de um plano de saúde avançado ou para um usuário do SUS?

Bem, em um cenário no qual observamos o Executivo e o Legislativo sem credibilidade, estaríamos diante de um Judiciário indo ladeira abaixo?

*Leandro Farias, 26, é farmacêutico da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e coordenador do Movimento Chega de Descaso.

Este artigo foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 25 de maio de 2016.

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