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11/12/2007

Kit para a identificação dos causadores da diarréia ajudará a acelerar o tratamento

Grace Soares


No Brasil, anualmente, cerca de 50 mil crianças menores de 1 ano padecem de diarréia, segundo dados de especialistas. A primeira das medidas traçadas frente à necessidade de controle do problema é conhecer o agente patogênico e a segunda é a definição das formas de tratamento específico para cada caso. O desafio atual é acelerar o processo de identificação do microorganismo nas unidades de pronto atendimento. Para o caso de gastroenterites (infecções que atingem o sistema gastrointestinal) provocadas pela bactéria Escherichia coli diarreiogênicas (E. coli), a pesquisadora Andrea Grava, do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD), unidade da Fiocruz no Amazonas, apresenta a proposta de produção de um kit de diagnóstico para rápida identificação, num custo mais baixo de comercialização.


 A bactéria <EM>E. coli</EM> ampliada 30 mil vezes (Foto: Academia de Ciência e Tecnologia)

A bactéria E. coli ampliada 30 mil vezes (Foto: Academia de Ciência e Tecnologia)


A pesquisa teve início em 2006 e recebe financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Dentre grupo das bactérias, a E. coli é o microorganismo encontrado com mais abundância nos exames clínicos e das enteroviroses (vírus responsáveis pelas doenças no trato digestorio) destacam-se os rotavírus. Juntas, são responsáveis por mais de 40% dos casos de diarréia infantil no Brasil.


A questão, no entanto, é o fato de existirem seis subgrupos de E. coli diarreigênicas. É o caso da E. coli de aderência difusa (Daed), que provoca diarréia aquosa, principalmente em crianças menores de 5 anos; da E. coli enteroagregativa (Eaec), que resulta em diarréia aquosa ou hemorrágica e também é persistente em crianças; e da E. coli enteropatogênica (Epec), responsável pela produção de enterotoxinas que acabam gerando uma disfunção nas celulas do epitélio intestinal, dificultado a absorção dos nutrientes pelo organismo.


“Os estudos moleculares nos ajudam a descobrir qual variante da diarréia estamos combatendo, impedindo que tratamentos, hora ineficazes ora prejudiciais, sejam prestados aos pacientes”, diz Patrícia Orlandi, também pesquisadora da Fiocruz, ressaltando com pesar que essas análises ainda estão restritas aos laboratórios das Instituições. Esses testes moleculares levam vários dias para a conclusão dos resultados.


A pesquisa de Andréa Grava tem razão de ser justamente porque trabalha com a necessidade de se desenvolver anti-soros e anticorpos específicos utilizáveis na produção de kits rápidos de identificação. A idéia é incluir esses exames na rotina hospitalar. A hipótese lançada no estudo é que algumas E. coli não precisam ser tratadas com antibióticos quando diagnosticadas, mas a vagarosidade na realização dos testes de identificação acabam levando os médicos a prescreverem medicamentos antes do diagnóstico elucidado. “Existem alguns soros bons, utilizados para identificação rápida, mas eles são importados e representam um custo alto para o estado. Constatada a grande demanda de casos diarréicos infantis registrados no País, a sua utilização em larga escala acaba se tornando inviável”, ressalta Grava.


Na dianteira do problema, encontra-se a própria questão da melhoria da saúde pública. Orlandi e Grava condenam o uso indiscriminado de medicamentos, face a versatilidade dos agentes patogênicos, o que significa que para o tratamento de diarréias é recomendado desde a simples ingestão de soro caseiro ao uso de antibióticos específicos. “Tornamo-nos grandes criadores de bactérias multi-resistentes. Além do mais, acaba saindo muito caro para o Estado, que mantém hospitais e laboratórios infantis à base de medicamentos específicos e sofisticados, quando muitas vezes, em caso de diarréias, o tratamento com os mesmos não tem necessidade. Se identificado o subgrupo de E.coli diarreiogênica, a criança passa somente pelo ambulatório e com orientação médica a própria mãe pode cuidar da criança em casa, não precisando ir para emergência. Diminuindo assim, o fluxo de crianças nos hospitais”, salienta Grava. Assim, a correta e rápida identificação destes patógenos não contribui unicamente como ferramenta de estudo, mas, principalmente, como instrumento de correção no tratamento da doença diarréica.


Produzindo o soro


O primeiro passo rumo à produção dos soros, que podem ser policlonais ou monoclonais, capazes de identificar as amostras das diferentes categorias de E. coli é a extração de DNA (para retirada do gene que interessa), a partir de cepas padrões. Cepas são bactérias estudadas e seqüenciadas que contêm o gene de virulência em padrões reconhecíveis em todos os laboratórios. A identificação das cepas é feita por estes genes de virulência (aqueles que dão o caráter patogênico da referida bactéria), contidos em bancos de dados laboratoriais onde já são expressados os genes de interesse da pesquisa. “Nesse processo, a primeira técnica molecular que aplico é o PCR (Polymerase Chain Reaction - reação em cadeia polimerase), para ter certeza de que a seqüência gênica de interesse está ou não presente. A técnica PCR baseia-se no processo de replicação de DNA”, explica Grava.


São construídos os primers específicos para cada gene de virulência.  Segundo Grava, eles são os iniciadores que permitirão que o processo de replicação dos DNAs plasmidiais aconteça. Essas estruturas são um tipo de material genético circular (ou seja, móveis) das bactérias, que têm a mesma estrutura do DNA, mas que podem ser replicados espontaneamente, sendo utilizados pela bactéria para comunicação com o meio externo. É com eles que a pesquisadora trabalhará.


Em seguida, é feita a clonagem em vetor de expressão, que compreende na expressão de determinada proteína (específica da bactéria) por meio de sua síntese (a síntese protéica) a partir dos processos de transcrição e tradução, onde no primeiro a informação genética é transferida para o local apropriado (ribossomo) e é traduzida, e no segundo são produzidas as proteínas a partir de uma seqüência de aminoácidos (sim, aquelas estruturas que juntas formam as proteínas). Nessa etapa, é gerada uma grande quantidade de proteína, que ainda passará por um processo de purificação, para retirada de restos de células, DNAs, ou outras proteínas que não são de interesse.


Após clonadas nos vetores de expressão, as proteínas serão expressadas, sonicadas  (“quebradas por ultra-som) durante 30 minutos no gelo e então purificadas utilizando técnicas de cromatografias. A visualização das proteínas “recombiantes”, frutos das clonagens, será realizada através da técnica de eletroforese em gel de poliacrilamida, método utilizado pelo grupo para separar as complexas misturas. A base do sistema, em suma, é a migração das moléculas que possuem carga em função de um campo elétrico. O sucesso do procedimento também está ligado à existência de outros métodos sensíveis o bastante para identificar as proteínas separadas. Somente restarão aquelas de interesse.


As técnicas cromatográficas são um alargado campo de métodos físicos usados para separar e/ou analisar misturas constituídas por diversos tipos de compostos. Quando uma amostra contendo uma mistura de vários componentes entra num processo cromatográfico, os diferentes compostos migram através do sistema a diferentes velocidades, diferenciando-se. “As proteínas recombinantes serão inoculadas em animais, como camundongo e coelho. O animal responde à proteína produzindo anticorpos contra ela. Extrai-se, então, o soro total do qual serão isolados  os anticorpos de interesse”, revela Grava.


Na etapa preliminar, os subgrupos de E. coli serão testados em ensaios celulares e moleculares. Todas as amostras são submetidas aos testes tradicionais para a confirmação dos resultados com o soro produzido na pesquisa. “É preciso confirmar se o Kit está funcionando. Testar as amostras em métodos de indentificação convencionais para a confirmação do mesmo comportamento celular em todos eles”, reforça.


Conforme demonstrado por Grava, em dez minutos, o kit da pesquisadora divulga o resultado do teste, em detrimento das versões importadas, onde podem levar dias para a confirmação do diagnóstico. Exige-se menos infra-estrurura e mão de obra. O projeto ainda está em andamento, mas a expectativa é de que os hospitais da região possam se beneficiar o mais rápido possível com esses avanços.

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