17/10/2006
Paula Ribeiro
Entre as doenças infecciosas, a febre amarela ocupa um lugar de destaque na história do Brasil. Na campanha desenvolvida por Oswaldo Cruz, sua erradicação na capital da República, em 1901, alcançou a dimensão simbólica de vitória da civilização contra “uma maldição dos trópicos”. Os esforços feitos, na primeira metade do século 20, para controlar a febre amarela no país são apresentados nesta pesquisa da historiadora Ilana Löwy. Entretanto, a autora não se limita a apresentar a história da febre amarela no Brasil, mas uma reflexão sobre uma fase crucial da história da doença.
Para melhor ilustrar esta reflexão, o livro mostra sucessivos cenários que permitem demonstrar as dimensões da transferência de conhecimentos e práticas científicas entre “centro” e “periferia”, pois era de fato importante examinar as relações entre o saber científico universal e a percepção da doença tanto pelos pacientes quanto pelos médicos. O primeiro capítulo do livro aborda a dialética entre “centro” e “periferia” e os problemas ligados à significação destes termos.
Etiologia e epidemiologia da febre amarela; as viagens, coletas e análises de laboratório; os modelos de controle sobre os mosquitos, os vírus e as populações; os conceitos, técnicas e artefatos voltados para a produção de vacina contra a doença são temas que sustentam o pensamento da pesquisadora de que não há uma transferência unilateral dos saberes e tecnologias e coloca em evidência a circulação destes saberes entre o centro e a periferia nas diversas tentativas de controlar o flagelo no Brasil.
O segundo capítulo da publicação fala sobre as primeiras descrições da febre amarela, sintomas, população infectada além de mostrar a visão que médicos europeus e americanos tinham sobre a doença e a epidemia. Este mesmo capítulo apresenta como o Brasil, principalmente o Rio de Janeiro, enfrentava a febre amarela e as pesquisas feitas na época por sanitaristas e pesquisadores brasileiros.
A Fundação Rockefeller no Brasil, 1920-1945 é o tema do capítulo 3. Este capítulo é dedicado à história da Fundação e como seus estudos e apoio à saúde pública dos EUA serviram de exemplo e de incentivo para que a Rockefeller viesse para o Brasil. A escolha do país foi influenciada pela impressão favorável produzida pela campanha sanitária de Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro.
Os estudos epidemiológicos da febre amarela podem ser separados em dois grupos: os conduzidos antes de 1930 e os posteriores a essa data. Descrições, fotos e relatos das viagens pelo Brasil que possibilitaram estes estudos são apresentados no capítulo 4.
Estilos de controle: mosquitos, vírus e humanos é o título do capítulo 5. Nesta parte do livro, a autora mostra que a partir da descoberta do papel dos mosquitos como vetores da febre amarela, os especialistas propuseram uma gama de soluções para controlar estes insetos. Com isso, desencadeou-se uma luta contra a febre amarela e com um foco bem preciso: o mosquito Aedes aegypti. Neste contexto, Oswaldo Cruz desenvolve a campanha antimosquitos com matadores de mosquitos à base de gás sulfúrico nas zonas definidas como “focos” de infecção. Este método combinou o isolamento dos doentes, a destruição dos mosquitos adultos, a eliminação das larvas na vizinhança e a vigilância de todas as pessoas não-imunes que pudessem ser encontradas no “foco”.
O capítulo 6 mostra como foram desenvolvidas e preparadas as primeiras vacinas contra o vírus da febre amarela nos EUA e no Brasil, assim como apresenta a campanha de vacinação, os resultados, complicações e reações à vacina e as perspectivas dos pesquisadores diante destes fatos.
Na primeira metade do século 20, especialistas afirmaram que um conhecimento sólido sobre os agentes e os modos de transmissão das doenças era uma condição necessária e suficiente para o controle dos mesmos. Foi baseado nesta afirmação que o último capítulo abordou o controle da febre amarela e apresenta a medicina tropical como instrumento de mudança social, entre o período de 1900 e 1950.
A pesquisa científica em medicina tropical concentrou-se nos agentes e nos vetores das doenças, já que estas são apreendidas exclusivamente sob o ângulo da presença de seus agentes. Conseqüentemente, seu controle é uma atividade baseada em um saber científico universalmente aplicável, que torna possível o desenvolvimento de métodos eficientes de eliminação dos agentes e dos vetores de transmissão.