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21/07/2016

Livro da Editora Fiocruz apresenta história do combate ao Aedes

Fernanda Marques (Editora Fiocruz)


Onze países e territórios das Américas, inclusive o Brasil, foram declarados oficialmente livres do mosquito Aedes aegypti durante a 15° Conferência Sanitária Pan-Americana, realizada em Porto Rico no ano de 1958. Este evento faz parte de um importante capítulo da história da saúde que nos conta o autor Rodrigo Cesar da Silva Magalhães em seu livro A Erradicação do Aedes aegypti: febre amarela, Fred Soper e saúde pública nas Américas (1918-1968). Este título, que integra a coleção História e Saúde, é o primeiro da Editora Fiocruz lançado simultaneamente em papel, para venda, e e-book, disponível em acesso aberto no Portal SciELO Livros. A medida se soma aos esforços da Fiocruz e de outras 32 entidades internacionais signatárias da Declaração sobre o compartilhamento de dados em emergências de saúde pública, na qual se comprometem a compartilhar, de forma rápida e aberta, dados e resultados relevantes de pesquisas que possam ajudar na crise com o vírus zika e em outras emergências de saúde pública.

Fruto da tese de doutorado do autor, o livro – que também contém um caderno de fotos históricas – trata do período compreendido entre 1918 e 1968. Em 1918 tinha início a Campanha Mundial de Erradicação da Febre Amarela, conduzida pela Fundação Rockefeller. Em 1968 terminava a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti, lançada em 1947 sob os auspícios da Organização Sanitária Pan-Americana (OSP), hoje conhecida pelo nome de Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Segundo o historiador Rodrigo Cesar, a segunda campanha dava continuidade à primeira, mas em um contexto internacional renovado. Estava sendo construído "um novo padrão de relacionamento das organizações internacionais e do governo norte-americano com os países da América Latina, especialmente o Brasil, com maior preponderância destes", diz o autor, um crítico da vertente segundo a qual as organizações internacionais integravam um plano de imperialismo cientifico e sanitário dos Estados Unidos.

Se, nas primeiras décadas do século 20, as repúblicas americanas mantinham poucos contatos diplomáticos e quase nenhum diálogo em áreas como política e economia, elas começaram a estreitar suas relações no âmbito da cooperação em saúde. Portanto, a reformulação da Campanha Mundial de Erradicação da Febre Amarela e o seu relançamento, sob o título de Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti, "resultaram de uma articulação inédita das repúblicas americanas para combater conjuntamente um problema sanitário que afetava todas elas", afirma Rodrigo Cesar.

O Brasil desempenhou um papel central nesse contexto. A nova etapa do programa contra a febre amarela nas Américas foi proposta pelo então diretor do Departamento Nacional de Saúde (DNS), o médico Heitor Praguer Fróes, que, em 1947, representava o Brasil na Reunião do Conselho Diretor da OSP, em Buenos Aires. À época, a OSP era dirigida pelo médico norte-americano Frederick Lowe Soper, que já havia trabalhado em campanhas contra doenças no Brasil, com destaque para a sua atuação no Nordeste, onde realizara atividades de combate ao mais eficiente dentre os vetores da malária, o mosquito Anopheles gambiae.

“Soper é personagem importante da narrativa. De 1927 a 1939, foi chefe do Escritório Regional da Fundação Rockefeller, que tinha sede no Rio de Janeiro e centralizava as atividades da organização em todo o continente americano. Também foi diretor do Serviço Cooperativo de Febre Amarela (SCFA) e do Serviço de Malária do Nordeste (SMN). Teve papel de destaque em algumas descobertas sobre a febre amarela no país, como a febre amarela silvestre. Em 1947, foi eleito diretor da OSP, meses antes da Campanha Continental ser aprovada, com sua chancela”, detalha Rodrigo Cesar. Com o respaldo dessa trajetória, Soper estava convencido de que "ele tinha desenvolvido as técnicas e os métodos necessários para alcançar a completa eliminação das duas doenças [malária e febre amarela] pela erradicação dos seus vetores, convertendo-se, assim, no principal proponente do conceito de erradicação", conta o autor.

De fato, a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti foi levada a efeito pelos mesmos sujeitos que participaram das atividades de combate à malária e à febre amarela no Brasil. "Com isso, um novo modelo de combate à febre amarela, calcado na erradicação do mosquito Aedes aegypti e em um planejamento minucioso das atividades, criado no Brasil, nos anos 1930, se internacionalizava, sendo exportado para outros países do continente", acrescenta o autor. Nesse processo, Soper se destacou não só por sua carreira no campo da saúde internacional, mas também por seu protagonismo no estabelecimento da cooperação internacional nas Américas.

Contudo, a Campanha Continental chegaria ao fim em 1968, como consequência da decisão do governo norte-americano de encerrar seu programa nacional de erradicação, uma decisão controversa, pois se verificava a reinfestação do continente pelo mosquito Aedes aegypti justamente a partir dos Estados Unidos. Para Rodrigo Cesar, "o estudo de programas e campanhas de saúde desenvolvidos conjuntamente pelos países da América Latina e do Caribe – como a Campanha Continental para a Erradicação do Aedes aegypti – pode contribuir para a recuperação das relações estabelecidas entre eles, frequentemente eclipsadas pelo papel desempenhado pelos Estados Unidos na política externa da região".

Para o professor e pesquisador Marcos Chor Maio, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), o estudo de Rodrigo Cesar pode trazer contribuições também no cenário da recente epidemia causada pelo vírus zika, que coloca “novamente na ordem do dia o combate sem tréguas ao mosquito Aedes aegypti, também responsável pela transmissão da dengue e da febre chikungunya. O livro nos oferece uma análise original dos esforços envidados no passado recente e subsídios para realizarmos com sucesso este enfrentamento no presente”, afirma.

"Que desta vez, no entanto, a guerra ao mosquito não relegue ao segundo plano o enfrentamento de questões sociais importantes para a proliferação da espécie, tais como urbanização, saneamento básico, coleta de lixo e fornecimento de água encanada", reforça o professor, que orientou Rodrigo Cesar no doutorado e assina o prefácio do livro. “O livro não pretende oferecer ‘lições da história’. Entretanto, sua refinada análise sobre um problema central da saúde global em um passado não tão distante oferece ao leitor de diferentes áreas do conhecimento a possibilidade de refletir sobre como as opções, ideias, escolhas, decisões e ações em um determinado contexto histórico forjaram os contornos de nosso crítico estado sanitário do presente”, avalia Gilberto Hochman, professor e pesquisador da COC/Fiocruz, que assina a orelha do livro. O trabalho que originou a obra foi premiado em 2014 como melhor tese pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC).

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