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26/02/2016

Livro investiga mobilização de mulheres contra a epidemia de cesarianas

Alessandra Eckstein (Editora Fiocruz)


O lançamento pela Editora Fiocruz do livro Cenas de Parto e Políticas de Corpo acontece em um momento muito oportuno: já estão em vigor as novas recomendações estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para estimular o parto normal e reduzir o número de cesáreas desnecessárias. A medida foi tomada após a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter alertado para o aumento na realização de partos através de cirurgias nos últimos 20 anos, muitas vezes sem que houvesse razões médicas para tal.

O Brasil é o recordista mundial de cesáreas. Aqui, de 52 a 82% dos partos são cirúrgicos na rede pública e na rede privada, respectivamente. Há o que se pode chamar de cultura ou epidemia. Porém, não é só o alto número de cesarianas que chama a atenção, mas o que está por trás disso: as cesáreas são a escolha da maior parte das gestantes e dos profissionais que delas cuidam.

Em Cenas de Parto e Políticas do Corpo, a antropóloga e feminista Rosamaria Giatti Carneiro buscou o caminho inverso e quis conhecer os 48% e os 12% de mulheres que optaram pelo parto normal. Ela seguiu na contramão para encontrar as famílias que buscam a humanização do nascimento. E ela destaca: “Por parto humanizado entende-se, grosso modo, aquele com o mínimo de intervenções médicas e farmacológicas possível ou, então, o que respeita o tempo físico e psíquico de cada mulher para parir, em ambiente respeitoso e acolhedor, e com seu consentimento informado para todo e qualquer procedimento realizado”. De acordo com esta definição, o parto cirúrgico pode também ser considerado humanizado, desde que seja desejado, planejado e consentido pela mulher.

O movimento pela humanização do parto tomou corpo no fim do século passado e chegou ao Brasil nos anos 1990. Embora esteja conquistando adeptos e adeptas, os relatos de violência obstétrica nos espaços hospitalares ainda existem. Para conferir esta realidade, a autora conviveu, entre 2008 e 2010, na cidade de São Paulo, com cerca de 60 mulheres que já tinham dado à luz e, novamente grávidas, esperavam não repetir as experiências dolorosas anteriores. Rosamaria Carneiro esteve também com gestantes de “primeira viagem”, que queriam estudar possibilidades para decidir qual opção escolheriam. Sem aceitar imposições. “Poucos casos e muita densidade foram sempre meu objetivo. Porém, mais que isso, o conteúdo é fruto de uma pesquisa etnográfica, eminentemente qualitativa sobre saúde sexual e reprodutiva”, afirma Rosamaria.

A pesquisadora constatou que essas mulheres queriam tomar as rédeas da situação: ser as protagonistas de suas próprias histórias, dizendo em alto e bom som que o que acontece na cena de parto, em geral, não lhes agrada. E tal tomada de decisão empoderou essas mulheres. A autora ouviu de duas delas: “Eu tenho muito mais confiança em mim e naquilo que posso fazer e viver e isso é realmente incrível” e “Hoje, eu acho que posso tudo”. Apesar de não terem tido experiências com o feminismo, certamente, elas têm muito a acrescentar ao movimento.

Outro ponto a que a autora dá visibilidade é uma nuance bem contemporânea desta mobilização: o ativismo virtual. A internet, com redes sociais, blogs, notícias circulando em tempo real e trocas de correspondência, é um veículo fundamental para a convergência de expectativas e demandas. Rosamaria deixa bem claro que a internet passou a fazer parte de seu “universo de reflexão como um plus e não como espaço privilegiado de investigação”, mas que de todo modo é preciso considerar essa nova forma de relacionamento.

Sobre a Coleção Criança, Mulher e Saúde

Os estudos da saúde da criança e da mulher se desvinculam, gradativamente, de uma visão puramente médica dos problemas a que se dedicavam, incorporando novas abordagens disciplinares. Isto levou a criticar a ótica que percebia a mulher apenas como mãe, ou a que ignorava os apelos da subjetividade da criança.

Buscando superar tais limitações, a coleção Criança, Mulher e Saúde está aberta ao novo, que se pode inaugurar em diversos aspectos desse complexo campo que é a atenção à saúde da criança e da mulher, tanto sob a forma de relatos de pesquisas, descrições de casos e textos técnicos de grande abrangência quanto com inovações metodológicas que venham questionar o estabelecido e fundar novas possibilidades.

Aqui serão partilhadas várias óticas do conhecimento, abordagens disciplinares e interdisciplinares, visando à melhor compreensão do objeto de trabalho que engloba a clínica médica, as ciências sociais e humanas, as ciências básicas e a saúde coletiva.

Sobre a autora

Rosamaria Giatti Carneiro é antropóloga, doutora em ciências sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Professora adjunta do Curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias em Saúde da mesma universidade.

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