24/04/2007
Ricardo Valverde
A Editora Fiocruz tirou do prelo o livro Saúde coletiva como compromisso: a trajetória da Abrasco, que recupera a fecunda e inovadora caminhada feita por todos aqueles que, a partir dos anos 70, pensaram as questões sanitárias nacionais da maneira mais ampla possível, incluindo temas como universalidade, eqüidade, democracia e cidadania. O livro, com organização da socióloga Nísia Trindade Lima e do médico José Paranaguá de Santana, reúne artigos que recordam e comemoram os 25 anos da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). A obra também traz charges criadas ao longo deste um quarto de século e originalmente publicadas no periódico Boletim Abrasco, reproduz documentos de época – incluindo a ata de fundação da Associação – e fotografias e publica resumos de congressos e outros eventos.
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Charge de Mayrink no Boletim Abrasco 18 (abr-jun 1986) |
Fundada em 1979, quando a ditadura militar entrava em seu período final e a luta pela volta da democracia ganhava força, a Abrasco consolidou um termo (“saúde coletiva”) criado no Brasil e que hoje está presente não apenas na América Latina mas também na África. Para Nísia e Paranaguá, as discussões que contribuíram para pavimentar a estrada que levou à implantação da Abrasco se fortaleceram com a criação, em 1976, do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e da revista Saúde em debate, entre outras iniciativas. A renovação porque passava o pensamento sanitarista, iniciada em fins dos anos 60, e que levou ao estabelecimento do primeiro curso de medicina social no continente – o da Uerj, em 1973 – conduziu também à Conferência Internacional sobre a Atenção Primária à Saúde, que ocorreu em Alma-Ata, no Cazaquistão, em 1978. Em setembro do ano seguinte foi organizada a 1ª Reunião sobre Formação e Utilização de Pessoal de Nível Superior na Área da Saúde Coletiva em Brasília, que viu surgir a Abrasco. Todas essas iniciativas, que mobilizavam o movimento sanitarista – e que no caso brasileiro congregava também os opositores do regime autoritário – tinham como objetivo fazer a crítica da abordagem médica tradicional dos problemas de saúde. Nas bases acadêmicas brasileiras, onde o debate desses temas floresceu, encontram-se a USP, a Uerj, a UFBA, a UFPB, a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz e, em especial, o Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp e a Faculdade de Ciências Sociais da UnB. Toda essa formulação, com sotaques de diversas regiões nacionais, ganhou visibilidade com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em dezembro de 1985.
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Charge de Mayrink para o Boletim Abrasco 13 (nov-dez de 1984) |
No primeiro artigo do livro (A história da Abrasco: política, ensino e saúde no Brasil), a historiadora Cristina M. O. Fonseca traça um panorama da situação do país na época de fundação da Associação – um mês depois da aprovação da Lei de Anistia, que havia galvanizado as atenções de milhões de brasileiros nos meses anteriores. Aquele momento de debates calorosos e apaixonados, de contestação aos modelos (políticos, sociais, econômicos, educacionais, sanitários etc) vigentes vocalizou uma insatisfação generalizada das correntes progressistas, insatisfeitas com o autoritarismo sufocante. Para a autora, “a Abrasco contribuiu para vincular a área de recursos humanos à política. Ela atuou nesse processo intermediando a relação entre as proposições e as diretrizes adotadas para a formação em saúde pública e as necessidades e articulações políticas estabelecidas”. Para Cristina, a Abrasco se caracteriza como uma instituição profissional e acadêmica, com forte atuação política, que congrega diversas categorias profissionais, mas que não deve ser vista como um núcleo corporativo.
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No segundo artigo, Congressos da Abrasco: a expressão de um espaço construído, a médica Soraya Almeida Belisário resume um capítulo de sua tese de doutorado para fazer uma análise dos encontros da Associação. Ela rememora as tensões, os debates, as proposições políticas, as divergências e convergências que marcaram os congressos, que ao longo dos anos ganharam mais e mais legitimidade e representatividade pela amplitude setorial de seus participantes e pela presença ministros, prefeitos, secretários e gestores. Foram fóruns de divulgação da produção científica e acadêmica, de difusão de conhecimentos, de tomadas de posição e de intensas e frutíferas discussões. Além dos Congressos da Abrasco, Soraya comenta reuniões como o 1º Encontro de Saúde Coletiva do Cone Sul, o 5º Congresso Paulista de Saúde Pública, os Congressos de Epidemiologia e os Congressos de Ciências Sociais em Saúde.
O feito por fazer, artigo escrito pelos médicos Moisés Goldbaum e Rita Barradas Barata, descreve e comenta as atuações de cada uma das diretorias da Abrasco – a atual é a 13ª nestes 27 anos. No texto, os autores avaliam a gestão pela figura dos presidentes e fazem essa opção tendo em vista o caráter marcadamente presidencialista da política brasileira, o que repercute nas instituições nacionais, mesmo as que não têm no universo político a sua principal razão de existência, como é a Abrasco.
A socióloga Maria Cecília de Souza Minayo aborda, no artigo Atuação da Abrasco em relação ao ensino de pós-graduação na área de saúde coletiva, a importância dos estudos superiores em estrito e lato senso para a Associação, que ela define como “o coração” da instituição criada em 1979. Afinal, o termo “pós-graduação” consta do próprio nome. A mesma autora escreveu o artigo seguinte, denominado Perfil, histórico e outras informações sobre a revista Ciência & Saúde Coletiva. A publicação, trimestral, é um espaço para discussões, debates, apresentação de pesquisas, exposição de novas idéias e de temas controversos sobre as questões de saúde pública, com cada edição publicando cerca de 25 textos. Há colaborações de pesquisadores de línguas francesa, espanhola e inglesa.
O sexto artigo, Revista Brasileira de Epidemiologia: uma história narrada com base em seus editoriais, dos médicos José da Rocha Carvalheiro e Marilisa Berti de Azevedo Barros e da geógrafa Marina França Lopes, traça a história de uma publicação que, embora ainda recente (uma década de existência), já ocupa um lugar privilegiado na divulgação da saúde coletiva brasileira. Os autores relembram os momentos iniciais, contam de forma sincera o período de crise vivido em 2000, explicam como se deu o amadurecimento da publicação, entre 2001 e 2004, e transcrevem editoriais que julgam relevantes e pertinentes. Entre as curiosidades editoriais, citam a escolha do nome da revista. Alem do título vitorioso, outros dois foram cogitados: Epidemiologia: Teoria e Prática e Epidemiológica, ambos descartados.
Encerrando o livro, o artigo Comissões e grupos temáticos, do sociólogo Everardo Duarte Nunes enfoca a atuação histórica dos departamentos setoriais da Abrasco. Associação mantém, atualmente, quatro comissões (Ciências Sociais e Humanas em Saúde, Ciência e Tecnologia, Epidemiologia e Políticas de Saúde) e 12 grupos temáticos (Acreditação Pedagógica, Comunicação e Saúde, Educação Popular e Saúde, Gênero e Saúde, Promoção da Saúde, Saúde do Trabalhador, Saúde e Ambiente, Saúde dos Povos Indígenas, Informação em Saúde, Profissões e Recursos Humanos, Saúde Mental e Vigilância Sanitária).