19/08/2008
Edmilson Silva
Não é difícil encontrá-los à venda nas feiras livres e mercados populares das principais capitais: são folhas, frutos e flores, e entrecascos secos das mais diversas plantas, assim como esporões e chifres de animais. Ingredientes para, de forma isolada ou reunidamente, serem usados em diferentes poções ou na forma de chás e xaropes, como remédio. Quem achar pitoresca ou exótica vai encontrar as raízes dessa prática que perdura ao ler Enfermidades endêmicas da Capitania do Mato Grosso – A memória de Alexandre Rodrigues Ferreira.
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Pintura que faz parte do livro mostra imagem da então Villa do Bom Jesus de Cuyabá no século 18 |
Organizada pela historiadora Ângela Pôrto, da Casa de Oswaldo Cruz (COC), a nova versão de Enfermidades endêmicas da Capitania de Mato Grosso, do naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), está mais rica que a de 1962, de autoria de Glória Marly Fontes. À atual foram acrescidos três estudos, que circunstanciam e ilustram o texto de Ferreira. Um glossário, feito pela professora Edméa Souto de Lima, ajuda na compreensão do texto.
A expedição de Ferreira ao Mato Grosso se deu entre 1783 e 1792, período em que, além de ser vítima das doenças descritas, o não médico observou, em profundidade, as riquezas e costumes locais, atendendo à determinação da Coroa portuguesa. Simultaneamente, produziu material que possibilitou inúmeras abordagens do campo da história das ciências, como destacam as historiadoras Ângela Pôrto e Kaori Kodama, na introdução do livro.
No fim do século 18, por conta da importância dada à influência dos fenômenos atmosféricos sobre a biologia, antes de analisar as enfermidades reinantes na capitania do Mato Grosso, Ferreira descreve detalhadamente a capital, Vila Bela. “O ar pela sua parte, com os efeitos do seu calor, causa diversas enfermidades. A porção mais espirituosa do sangue, todos os dias se dissipa, sai pela transpiração pelo suor e pela ourina. O que fica no corpo é um sangue seco, térreo e espesso; donde procedem as melancolias, as lepras, os vômitos pretos, as câmaras de sangue, as febres ardentes etc”.
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Ferreira também anotou o que os nativos usavam atrás de cura. Um exemplo: “as pessoas de mais conhecimentos e que têm sido ensinadas pela experiência do país a terem grande cautela com os aproches da corrupção, como de nenhuma outra coisa se receiam tanto quanto deste, logo ao primeiro acesso de toda e qualquer febre, o de que primeiramente tratam é de a reconhecer mediante algum cristel estimulante de pimentas cumaris ou malaguetas”. Corrupção ou corrução era , tão somente, uma das doenças mais temidas à época e todo diagnóstico de doentes iniciava pela observação da existência ou não dos sintomas principais dela.
Além de viagem pitoresca Brasil d’antão, os leitores terão ainda a oportunidade de conhecer a lista do que Ferreira levava na botica.
Enfermidades endêmicas da Capitania de Mato Grosso – A memória de Alexandre Rodrigues Ferreira
Organizadora: Ângela Porto
Preço: R$ 35, 175 páginas
Editora Fiocruz: (21) 3882-9039
Publicado em 18/08/2008.