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18/06/2013

Livro trata de um grande empecilho à promoção da saúde: o estigma

Fernanda Marques


O estigma é definido como um atributo negativo ou depreciativo, que torna o sujeito diferente, diminuído ou possuidor de uma desvantagem. Mas o problema vai além: o estigma é também um dos processos sociais que reduzem o acesso à saúde por parte dos indivíduos e grupos afetados. No caso da Aids e do sofrimento mental, o estigma é, reconhecidamente, um dos maiores empecilhos aos avanços das políticas e ações que buscam garantir os direitos de seus portadores à dignidade e à cidadania. Aprofundar a análise dessas questões é o objetivo do livro Estigma e saúde, organizado por Simone Monteiro, pesquisadora da Fiocruz, e Wilza Villela, livre-docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Lançamento da Editora Fiocruz, com o apoio da Faperj, a coletânea tem dez capítulos, assinados por autores brasileiros e americanos, que fazem alertas sobre os meandros da estigmatização e as formas de eliminá-la, buscando conexões entre as pesquisas acadêmicas e as práticas dos serviços de saúde.

 

“Com esta coletânea, pretende-se apresentar alguns dos desafios teóricos, epistemológicos e políticos presentes na produção do conhecimento sobre estigma e discriminação no campo da saúde, além de fornecer aportes conceituais e metodológicos capazes de orientar pesquisas e políticas voltadas para o enfrentamento dos processos de estigmatização entre diferentes grupos e contextos sociais e suas repercussões sobre a saúde”, explicam as organizadoras. O livro identifica algumas lacunas na produção de conhecimentos sobre o tema e busca preenchê-las. Uma delas diz respeito aos aspectos conceituais e metodológicos dos estudos. Por exemplo, embora os termos preconceito e estigma apresentem elementos comuns, eles têm usos distintos. E a ausência de uma conceituação mais rigorosa dificulta a interpretação e a aplicação dos resultados das pesquisas.

Para compreender mais amplamente o tema, os autores "convocam" ainda outros conceitos, como violência e vulnerabilidade. Dessa maneira, demonstram que, dentro de um sistema de poderes e hierarquias, o estigma é um processo social coprodutor de desigualdades, onde, em uma ponta, há repúdio e sentimentos de superioridade, enquanto, na outra, há sofrimento e efeitos nefastos sobre a saúde coletiva. “A exclusão social de indivíduos e grupos, pautada em preconceitos ou em ações discriminatórias, tem como consequência danos diretos ou indiretos à saúde, pela produção de processos de marginalização social que dificultam o acesso à prevenção e aos cuidados em saúde, constituindo um círculo vicioso entre marginalização social e doença que reitera o estigma”, afirmam Simone e Wilza.

O estigma reduz as pessoas a estereótipos depreciativos que se tornam uma espécie de nova identidade forçada, com repercussão negativa sobre as oportunidades de vida e as condições de saúde. O estigma associado à doença pode acarretar, por exemplo, processos de segregação no espaço da cidade, como nos exemplos históricos da tuberculose e da hanseníase. Outro exemplo é a Aids, ainda vista como uma doença de ‘grupos ameaçadores’ e ligada a metáforas fatalistas, apesar de sua dinâmica epidemiológica e dos avanços no desenvolvimento e no acesso a terapêuticas.

Contudo, ainda são poucos no Brasil os estudos sobre estigma e saúde. Uma possível explicação para essa escassez pode estar em uma peculiaridade da cultura brasileira: a negação dos processos de discriminação e preconceito, “a despeito das inúmeras e profundas desigualdades sociais que caracterizam o país e as suas consequências sobre a saúde”. Como muitas situações de desigualdade parecem naturalizadas, é necessário um esforço para desconstruí-las. Além disso, como os estudos existentes costumam investigar a perspectiva dos indivíduos, faz-se necessária uma abordagem mais focada no coletivo, que considere não só fatores socioeconômicos, mas também as questões de gênero, cor/raça/etnia e diversidade sexual, relacionando aspectos macro e microssociais.

O livro apresenta tendências históricas e mudanças recentes em relação ao tema, traçando um panorama de como ciência e sociedade se articulam na produção e reprodução dos estigmas na saúde. Para tanto, o debate invade o campo dos direitos humanos, das ciências sociais aplicadas, da epidemiologia e dos direitos sexuais e reprodutivos. Discutir estigma e saúde é uma “tarefa inescapável de levar a Reforma Sanitária, que nos conduziu ao SUS, à radicalidade de suas aspirações emancipatórias”, destaca o professor José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres, da Universidade de São Paulo (USP), no prefácio do livro. A coletânea é resultado do encontro Estigma e Discriminação: Desafios da Pesquisa e das Políticas em Saúde, realizado em 2011 com o apoio da Faperj e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

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