“Lutar por saúde é lutar por mais cidadania, mais justiça social, mais democracia e mais sustentabilidade da vida, de todas as formas de vida, do planeta e da humanidade”, defendeu Cândido Grzybowski na palestra Cidadania e Saúde, realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) em alusão ao Dia Mundial de Combate à Tuberculose. Cândido, que falou sobre as várias dimensões da cidadania, ressaltou a importância de se perceber e reconhecer, em sociedade, como um indivíduo titular de direitos. “É a cidadania em ação. É o agir para garantir os próprios direitos. Isso vale para o portador da tuberculose. Há um trabalho a se fazer junto a quem sofre, a essas comunidades que são estigmatizadas e não se percebem”, advertiu ele. Durante o encontro promovido pelo Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF/ Ensp/Fiocruz), ocorreu também o lançamento oficial do Boletim de Pneumologia Sanitária.
Apesar de ser uma doença tratável e curável, a tuberculose mata de 5 a 6 mil cidadãos brasileiros por ano (Foto: Ensp/Fiocruz)
A mesa de abertura do evento contou com a participação da vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, do diretor da Ensp/Fiocruz, Hermano Castro, o diretor do CRPHF/ Ensp/Fiocruz, Otávio Porto, o coordenador do Observatório Tuberculose Brasil da Ensp/Fiocruz, Carlos Basília, e Jesus Paim Ramos, pesquisador do Centro de Referência. Conforme destacou Otávio, o foco desse encontro foi tentar sair da tríade tradicional: vacinação, diagnóstico e tratamento. “Acreditamos que o fenômeno do adoecimento por tuberculose diz respeito a uma sociedade que se organiza para garantir mais ou menos saúde para a população. Na medida em que a população tem acesso a esses serviços, ela alcança também padrões de vida de qualidade que consideramos mais adequados. Infelizmente, esse não é o nosso caso. Por isso ainda somos obrigados a ter em pauta questões como populações vulneráveis, saúde e direitos humanos”, disse ele.
Jesus lembrou as diversas atividades realizadas pela Ensp e outras unidades da Fiocruz em alusão ao Dia Mundial de Luta contra a Tuberculose e entregou o Boletim de Pneumologia Sanitária aos convidados do evento. “A tuberculose não é uma doença da moda ou frequentemente aparece na mídia em horário nobre. No entanto, é uma doença milenar e relevante no Brasil, com cerca de 60 mil novos casos no país, e é o microrganismo mycobacterium tuberculosis que mais mata no Brasil."
O diretor da Ensp/Fiocruz, Hermano Castro, saudou a iniciativa do boletim e ressaltou os investimentos que a Fiocruz em sua totalidade tem feito na questão da tuberculose. “Hoje é um dia de luta, pois quem trata desse tema no dia a dia sabe como é difícil enfrentar as barreiras do campo, principalmente quem está na área da assistência. Investimentos em infraestrutura e sociais são fundamentais para enfrentar e reduzir essa elevada taxa de incidência que encontramos no país”, disse ele.
Carlos Basília trouxe os dados no novo relatório global da Organização Mundial de Saúde, revelando que a tuberculose superou a Aids como um problema de saúde pública global e como índice de mortalidade por doença infecciosa. “Os indicadores de mortalidade de Aids vem decrescendo ao longo dos anos, e os da tuberculose se mantendo. E nessa manutenção está superando a Aids. Portanto, não temos o que comemorar”, lamentou ele, lembrando ainda que a tuberculose é considerada uma doença negligenciada por todos os atores e todas as instâncias: “Do ponto de vista da gestão, da academia, da pesquisa, do ensino, dos investimentos etc.” Basília destacou e agradeceu a presença e participação de diversos atores de movimentos sociais que lutam contra a tuberculose.
Nísia Trindade Lima ressaltou a importância da assistência e pesquisa coordenadas pelo Centro de Referência Hélio Fraga e lembrou o sociólogo Herbert José de Sousa ao falar sobre o documentário inspirado em sua vida Betinho: uma esperança equilibrista. “Foi uma história de vida marcada pela trajetória individual de fragilidade na saúde. Porém, em contraponto a isso, por uma força que se expressou no coletivo. Isso também representa a marca da área da saúde. Temos contribuições individuais de todos os profissionais que estão na ponta do serviço, mas contamos com a força do coletivo”, disse a vice-presidente.
O filósofo e sociólogo Cândido Grzybowski apresentou suas ideias na palestra Cidadania em Saúde. A apresentação foi coordenada pelo pesquisador do Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF/ Ensp/Fiocruz) Pablo Dias Fortes que falou sobre a série de questões vividas atualmente no Brasil, em especial as relacionadas à conjuntura política nacional. “A questão da cidadania e saúde reflete a compreensão da atual direção do Hélio Fraga, consubstanciado na longa tradição do Centro sobre pensar esse tema como algo absolutamente estratégico e central. Não mais para falarmos no controle da tuberculose, mas para nos engajarmos em ações pelo fim da doença. Fica cada vez mais difícil ainda justificar porque uma doença tratável e curável mata por ano de 5 a 6 mil cidadãos brasileiros. Como é possível isso? Principalmente em um país que afirma ser a saúde um direito assegurado a todos. Parece óbvio termos que reafirmar o valor da cidadania, mas estamos em um momento de reafirmar coisas óbvias. Não podemos pensar a cidadania apenas como um atributo formal de quem nasce em determinado território. Mas pensar a cidadania como relação social, que é o que a Constituição de 1988 consagra”, disse Pablo.
Cândido, que faz parte do Colegiado de Diretoria do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), comentou que a cidadania é uma relação política de igualdade que tem os direitos como qualificadores dessa relação. Em sua definição mais simples, ela é o direito de se ter direitos. Esse é o pilar central da sociedade democrática. Sobre a Fiocruz, Cândido comentou que a Fundação é um bem comum da sociedade brasileira do ponto de vista da cidadania. “Um patrimônio que todos temos que zelar e defender. Ela é símbolo de algo que a sociedade conquistou que precisa ser preservado e fortalecido sempre.”
Em sua apresentação, Cândido ressaltou ser fundamental traçar um quadro de referência sobre cidadania e fazer uma reflexão política e sociológica do que ela significa. Para ele, democracia significa criar condições de equalização. Essas se dão por meio da cidadania política. “Somos todos iguais enquanto cidadão, ao menos no prisma da política. É um processo demorado, mas esse é o princípio da democracia. O potencial transformador da democracia como método está no seu processo, não nela enquanto projeto. A democracia não nega as classes sociais, as transforma em força de transformação. A ideia não é uma destruir a outra, mas sim chegar ao ponto comum entre os diferentes visando ao melhor para todos. Fazendo uma reflexão com o que vivemos hoje, esta é uma forma de prevenir que entremos em um processo de intolerância total e não mais consigamos conviver com o diferente”, alertou Cândido, dizendo ainda que “a democracia é um pacto permanentes de incertezas criativas, em que o próprio poder político se renova por pressão da cidadania, ela se dá na rua, na prática, nos espaços públicos”.
Cândido citou Boaventura de Sousa Santos dizendo que não existe igualdade se ela é negadora da diversidade. Mas não existe diversidade se ela nega a igualdade. “É o direito à igualdade desde que não seja homogeneidade. A cidadania não é individual, ela é uma relação política e social que qualifica os lados dessa relação. Sobre a área da saúde, Cândido ressaltou o absurdo da propriedade intelectual: “A propriedade intelectual é anti-humana e anticidadã por definição, pois não existe saber humano que não seja feito cooperativamente. Nessa crise que estamos vivendo, o vírus zika, não existiria saber sobre suas consequências se não fosse a cooperação, estaríamos em estaca zero. É a privatização do comum. Em termos jurídicos, é legal. No entanto, é ilegítimo. A distinção entre o que é direito e o que não é em termos de cidadania é fundamental, pois se os direitos não são para todos, são privilégios”, disse ele.
O direito à saúde, segundo Cândido, deve ter base na equidade: “A doença pode acontecer com um e não com outro. Portanto, é um direito de todos, mas de acordo com a necessidade de cada um.” Outro ponto exposto por ele foram as dimensões da cidadania: cidadania vivida, cidadania garantida (pelo Estado), cidadania percebida e cidadania ativa. "Cândido ressaltou a importância de se perceber e reconhecer em sociedade como um indivíduo titular de direitos. “É a cidadania em ação. É o agir para garantir os próprios direitos. Isso vale para o portador da tuberculose. Há um trabalho a se fazer junto a quem sofre, a essas comunidades que são estigmatizadas e não se percebem”.
Para finalizar, Cândido falou sobre a importância da produção de dados em saúde. “O nosso olhar sobre a produção de dados de saúde nos faz olhar inclusive para o ponto de vista da cobrança de políticas de geração de dados, inclusive para a política de geração de dados, transparência, acesso à informação, entre outros”. O Ibase está desenvolvendo uma avaliação sobre a riqueza da sociedade voltada para os seus direitos e cidadania, não mais baseada no valor do seu PIB. Esse Sistema de Indicadores de Cidadania do Instituto tentou recentemente criar um indicador de direito a segurança humana em situações de riscos de desastre, mas não conseguiu obter informação da região serrana do Rio de Janeiro em área de deslizamentos e nem da área de influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). “A falta de dado é uma grande violação. Pois não é apenas não dar o dado. É possuir o dado e não divulgá-lo. E eles são uma ferramenta estratégica da cidadania para se avaliar, avaliar o Estado e para ser cidadania ativa. Portanto, lutar por saúde é lutar por mais cidadania, mais justiça social, mais democracia e mais sustentabilidade da vida, de todas as formas de vida, do planeta e da humanidade”, defendeu Cândido Grzybowski.