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12/04/2016

Seminário 'Futuros do Brasil' defende respeito à democracia

André Costa (Agência Fiocruz de Notícias/AFN)


A defesa das instituições democráticas de direito contra um processo de impeachment que carece de legitimidade é necessária e crucial para a democracia brasileira, ao mesmo tempo em que a construção de um país igualitário e mais digno exigirá uma autocrítica por parte da esquerda em relação a práticas adotadas nos últimos anos: foram estas algumas das conclusões do primeiro dia do seminário Futuros do Brasil – Crise atual e alternativas de longo prazo. Organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fiocruz, o evento aconteceu na tarde desta segunda-feira (11/4), no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), no Flamengo, e contou com a presença de cientistas políticos, economistas, políticos e representantes da Fiocruz.

Na abertura do seminário, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, chamou a atenção para a necessidade de se pensar o Brasil para além da crise política atual (Fotos: Renan Kastrup / CEE/Fiocruz)
 

O seminário, que chega ao fim nesta terça (12/4) e ocorre no âmbito do programa Futuros do Brasil, tem a proposta de pensar estratégias de longo prazo para o desenvolvimento e o aprofundamento democrático do Brasil, em meio à grave crise política no país. Trata-se de mais uma iniciativa da Fiocruz para reforçar seu compromisso com a democracia e o respeito ao estado de direito: no começo deste mês, a instituição emitiu um manifesto reafirmando o compromisso da Fundação com as regras democráticas e os direitos assegurados pela Constituição de 1988.

Em sua fala na abertura do seminário, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, ressaltou que a necessidade de se pensar estrategicamente o país, para além do presente imediato, ganha, diante do cenário hoje vivido, um caráter urgente, uma vez que os acontecimentos dos próximos dias definirão os rumos da nação nos próximos anos. “Trabalhei por um período na área de história, e os historiadores sempre sinalizam, ao remeter ao passado, que não podemos esquecer que naquele passado havia outros futuros possíveis”, disse. “Vivemos hoje do outro lado: os futuros possíveis hoje estão vinculados a nosso presente imediato. Uma das visões da Fiocruz é a de que conquistas fundamentais e dolorosas estão hoje ameaçadas, sem serem trabalhadas com a relevância e a atenção necessárias. Vivemos hoje uma clara ameaça de regressão, em todos os níveis, individual, social e institucional”.

José Maurício Domingues, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj) e coordenador do CEE/Fiocruz, enfatizou a urgência de se pensar estrategicamente o país. “Perdemos a capacidade de pensar o que queremos a longo prazo de nosso país. O programa Futuros do Brasil tenta recuperar essa dimensão estratégica nacional, o que, em uma conjuntura como a atual, é extremamente importante. Tivemos alguns avanços nas últimas décadas, achávamos que a democracia estava consolidada, e hoje sabemos que não”, afirmou.

Primeiro convidado externo a falar, o deputado estadual Carlos Minc disse que, embora no momento imediato seja necessário impedir o impeachment para a conservação da democracia, a crise atual exige reflexões a longo prazo. Minc, que deixou o Partido dos Trabalhadores no último mês de março depois de mais de 25 anos, ofereceu três críticas que, segundo ele, abriram o flanco que permitiram que a situação política nacional chegasse a seu atual estado: 1) a deterioração da esquerda com a questão ética, que, ao abandonar a defesa intransigente do combate à impunidade e da transparência, teria se igualado a seus inimigos; 2) a revisão das políticas econômicas, que deixaram o país em recessão profunda; 3) a revisão das práticas partidárias, que teriam sido ultrapassadas por novas tecnologias e entrado em descompasso com as demandas sociais contemporâneas.

Encruzilhadas da conjuntura

Depois de Minc, foi a vez da mesa Encruzilhadas da Conjuntura, composta pelos cientistas políticos André Singer (Universidade de São Paulo) e Marcos Nobre (Unicamp) e pela economista Lena Lavinas (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Especialistas analisaram o contexto internacional e as possíveis saídas para a crise
 

Primeiro a falar, Singer disse que o Brasil vive hoje um embate entre dois projetos: de um lado, uma agenda liberal, predominante no mundo desde a década de 1980 e que voltará a ser posto em prática no país caso o impeachment seja aprovado; de outro, um projeto desenvolvimentista ou antiliberal, vigente na maioria da América do Sul neste século, que dá sinais de arrefecimento. Segundo o cientista político, a volta do liberalismo deve ser encarada com naturalidade, tendo em vista que a alternância de poder faz parte da democracia; o problema real, para ele, está em qual será o novo equilíbrio de poder em um cenário que definiu como “pós-golpe constitucional”. “A capacidade de resistência do outro lado é o problema estratégico de fato. Não sabemos qual será a capacidade de resistência do outro lado, isto é, com quais forças essa nova onda liberal precisará negociar”.

Marcos Nobre, por sua vez, afirmou que, eleito com o objetivo de reformular o sistema político e de atacar a desigualdade, Lula, após o escândalo do mensalão, em 2005, decidiu priorizar o segundo compromisso, por falta de poder político. Nobre ressaltou que isto significou um “abraço de Tamanduá” no PMDB, que por sua vez viria a ruir ao longo dos governos Dilma, e que hoje custa caro ao governo. O especialista previu uma tendência à fragmentação dentre os partidos nacionais nos próximos anos, e estimou que em 2018 tenhamos cerca de 30 siglas na Câmara, cada uma delas com entre 10 e 40 deputados.  O segundo turno das próximas eleições presidenciais, segundo o cientista político, definirá quem irá dar as cartas da política nacional nos próximos 20 anos. “Teremos eleições muito abertas em 2018, com a possibilidade de termos cinco candidatos com chances de ir ao segundo turno. Isso significa que uma pessoa com 16% pode ir ao segundo turno, assim como ocorreu com Lula em 1989. E, tal como naquela ocasião, quem não estiver no segundo turno, estará fora do jogo político pelas décadas seguintes”.

Última participante, a economista Lena Lavinas fez uma apresentação repleta de dados, que discordou da análise de seus colegas de mesa de que os governos petistas fugiram à agenda neoliberal. Mais crítica aos governos petistas do que os dois cientistas políticos, Lavinas destacou que a maioria dos avanços sociais dos últimos 14 anos se deu antes por meio de uma expansão no consumo do que por um aumento em direitos constitucionais básicos, como saneamento, educação e saúde. Segundo Lavinas, o que caracteriza os governos petistas foi um grande endividamento de todas as classes sociais, o que prejudica sobretudo os mais pobres. “Quando você analisa indicadores relacionados à saneamento ou saúde, as alterações são muito pequenas. Quando considera televisões ou telefones celulares, são altíssimos. Vivemos uma financeirização da esquerda, como definiu Roberto Grün: abrimos mão da criação de uma sociedade coesa e unida, na qual pegamos o mesmo metrô ou vamos à escola juntos”, afirmou.

Além da participação dos nomes acima, estava prevista uma segunda mesa, da qual participariam os políticos Marcelo Freixo, Reimont Otoni e Lindbergh Farias, que acabou cancelada devido ao evento realizado na Lapa em defesa da democracia. O seminário continua nesta terça-feira (12/4) à tarde, e contará com a presença da socióloga Angela Alonso, da USP, do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, Guilherme Boulos, e da jornalista Tereza Cruvinel, entre outros.

Confira a programação completa dos debates desta terça-feira.

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