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22/09/2011

Marcador diferencia origem bacteriana ou viral da meningite

Cristiane Albuquerque


Um estudo inédito desenvolvido numa parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec), duas unidades da Fiocruz, investigou como as citocinas, proteínas que atuam como mediadores em processos de resposta imunológica, podem ser utilizadas para o diagnóstico da origem da meningite. Os pesquisadores estudaram especificamente as interleucinas, tipos de citocinas que podem ser encontradas no líquor. Os resultados dão indicativos de que a concentração das chamadas interleucina 6 (IL-6) é elevada no liquor nos casos de meningite e que a interleucina 8 (IL-8) podem ser uma importante ferramenta para o diagnóstico diferencial, apontando a origem viral ou bacteriana do quadro. O diagnóstico diferencial entre as duas etiologias é fundamental para decidir o tratamento adequado para cada caso.


 Imagem de meningite bacteriana

Imagem de meningite bacteriana


A meningite é um processo inflamatório das membranas que envolvem o cérebro, podendo ser causada por diversos agentes infecciosos, como bactérias, vírus, parasitas e fungos. De acordo com o Ministério da Saúde, devido à capacidade de causar surtos, as meningites bacterianas e virais são as mais importantes do ponto de vista da saúde pública. Para identificar o tipo do agente infeccioso envolvido no caso, o diagnóstico baseia-se, principalmente, na avaliação clínica do paciente pelo médico e no exame laboratorial do líquor (líquido encefalorraquidiano, que envolve o sistema nervoso). Apesar de apresentarem manifestações clínicas diferentes, em alguns casos fazer o diagnóstico diferenciado entre os dois tipos torna-se um desafio, dificultando o tratamento do paciente.


Metodologia


Os pesquisadores analisaram amostras do líquor de 60 pacientes atendidos no Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, no Rio de Janeiro. Do total, 18 pacientes tinham meningite viral (também chamada meningite asséptica), 9 possuíam diagnóstico laboratorial confirmado de meningite bacteriana e 33 eram indivíduos saudáveis. De acordo com o chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC, Hugo Caire de Castro Faria Neto, um dos responsáveis pelo estudo, a pesquisa foi motivada pelo interesse de investigar a possibilidade de haver um marcador que pudesse ser utilizado para diferenciar os casos de meningite bacteriana e asséptica.


“Nosso principal questionamento foi se seria possível, pela medida da resposta inflamatória do líquor dos pacientes, encontrar substâncias que indicassem quando o líquor era originário de um paciente que estava com infecção bacteriana ou o que apresentava meningite asséptica”, justifica o pesquisador. “Partimos do pressuposto de que a resposta inflamatória que está ocorrendo no sistema nervoso central do paciente poderia ser uma oportunidade para avaliar as características moleculares distintas desta resposta inflamatória. Para isso, fizemos um painel das diferentes citocinas que poderiam atuar como mediadoras no processo inflamatório e comparamos a participação de cada uma delas”, completa.


Resultados


A partir de análises clínicas e laboratoriais do líquor dos pacientes, o estudo comprovou que as interleucinas IL-6 e IL-8 são importantes mediadores inflamatórios em todos os casos de meningite presentes na amostra. Comparando individualmente estes mediadores, a pesquisa verificou que as concentrações da IL-8 foram superiores nos casos de meningite bacteriana em relação ao grupo de meningite asséptica.


“Sabemos que as interleucinas são marcadores de resposta inflamatória, então, nosso objetivo foi investigar se havia alguma que marcasse a resposta inflamatória pela presença de bactéria ou que não fosse causada por outros agentes. Então, dosamos e quantificamos as concentrações e os níveis de interleucina 6 e 8 no liquor dos pacientes para tentar fazer essa diferenciação”, conta o especialista.  “O que vimos foi que os níveis de Interleucina-6 (IL-6) mostravam-se elevados nos dois grupos, ou seja, marcava a presença de inflamação, mas não era capaz de fazer a distinção entre os casos. Já a interleucina-8 parecia ter maior capacidade de distinguir quando havia infecção bacteriana, pois a concentração desta citocina no liquor era muito maior do que quando se tratava de meningite asséptica”, revela o pesquisador.


Hugo Caire destaca que diagnóstico diferencial entre as duas etiologias é fundamental para decidir o tratamento adequado para cada condição. O tratamento da meningite viral é bem diferente do da meningite bacteriana. Enquanto na meningite viral indica-se apenas o tratamento de suporte, com a adequada avaliação e monitoramento clínico, na meningite bacteriana os antibióticos são fundamentais e a terapia deve ser iniciada o mais precocemente possível. “O maior impacto do nosso estudo está na questão de guiar o tratamento dos pacientes em que o diagnóstico etiológico não pode ser obtido com os testes rotineiros”, observa.


O pesquisador lembra que determinar corretamente o tipo de meningite em casos onde há dúvida ou dificuldade no diagnóstico também é importante para determinar origem da transmissão. “Um surto de um determinado tipo de meningite viral ou bacteriana precisa ser detectado prontamente para que medidas preventivas na população sejam adotadas e os profissionais de saúde sejam alertados a fim de aumentar o grau de suspeição no atendimento aos pacientes nas emergências. Além disso, o diagnóstico etiológico também é fundamental para determinação da circulação de determinados agentes”, afirma.


Desdobramentos


Para Hugo Caire, os resultados podem abrir caminho para melhorias no diagnóstico de casos em que há dificuldade de se definir o tipo de meningite. “Devido ao alto custo, não pretendemos que está análise seja adotada como exame de rotina. Mas, nos casos de dúvida médica, em que não é possível fazer o diagnóstico pelos parâmetros clínicos e laboratoriais rotineiros, a análise da concentração e dos níveis destas citocinas pode ser utilizada para diagnóstico diferencial da meningite. Futuramente, essa alternativa ajudaria a realizar o diagnóstico com mais precisão, a fim de determinar a gravidade do caso num momento de dúvida e, assim, auxiliar na definição do tratamento adequado para cada caso”, ressalta o pesquisador.


Apesar dos resultados positivos, o pesquisador lembra que é necessário avançar nos estudos para que a confiabilidade dos resultados seja confirmada. “Os resultados do estudo foram animadores. No entanto, como trabalhamos com um conjunto de 60 pacientes é necessário ampliar o universo amostral para obtermos resultados mais definitivos. Além disso, todas as amostras analisadas foram de um Centro de Referência para Meningite, então, seria interessante incluir pacientes de outros hospitais em avaliações futuras. Essas medidas aumentariam a capacidade de validar o uso do exame de citocinas para o fechamento do diagnóstico de meningite de origem indefinida”, conclui.


Publicado em 22/9/2011.

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