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14/08/2018

Médico da Fiocruz participa de audiência pública sobre aborto

Everton Lima (IFF/Fiocruz)


Nos dias 3 e 6/8, foi realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), audiência pública para ouvir opiniões contra e a favor da descriminalização do aborto no Brasil até a 12ª semana de gestação (três meses). Para debater aspectos interpretativos dos artigos 124 e 126 do decreto-lei nº 2.848/1940 do Código Penal Brasileiro, foram apresentados mais de 70 pontos de vista de representantes de entidades médicas, religiosas e jurídicas, além de ONGs e movimentos sociais, que discutiram consequências da criminalização, sobretudo na saúde pública.

No primeiro dia da audiência, na sexta-feira (3/8), a maioria se posicionou a favor da descriminalização. Já na segunda-feira (6/8), os demais especialistas ouvidos foram contrários à legalização. De acordo com a relatora, Rosa Weber, os critérios utilizados para a seleção foram a representatividade técnica na área, atuação ou expertise especificamente na matéria e garantia de pluralidade e paridade da composição da audiência.

Uma das entidades selecionadas foi a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sendo representada pelo médico ginecologista e obstetra do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Marcos Augusto Bastos Dias, que agradeceu a oportunidade de apresentar argumentos derivados de seus 35 anos de experiência. Marcos expôs o problema da vulnerabilidade e dos riscos clínicos, psicoafetivos e sociais decorrentes da criminalização da interrupção voluntária da gestação e propôs a tese de que o aborto precisa fazer parte do cuidado integral à mulher, pois só assim se cumprirá com os objetivos fundamentais da ginecologia e obstetrícia de promover o maior bem-estar possível para mulheres em seu processo reprodutivo. “A criminalização do aborto traz profundos impactos negativos na vida das gestantes, além de sofrimento, contradições e sensação de impotência para os profissionais. Testemunhamos cotidianamente como o ambiente restritivo das possibilidades de aborto obriga as gestantes com diagnóstico de fetos malformados, e desejando interromper a gestação, a trilharem percursos de exposição a violências dos mais variados tipos”, comentou ele.

O profissional integra a equipe de obstetrícia do IFF/Fiocruz, hospital de referência no Estado do Rio de Janeiro para as gestações de alto risco, especialmente para os casos de malformação fetal. Para o médico, a saúde da mulher, no sentido integral da Organização Mundial da Saúde (OMS), deve ser o objeto de reflexão e atuação do STF. Ele foi enfático ao dizer que, os profissionais de saúde precisam ser cuidadores de todas as possibilidades de uma decisão reprodutiva: desde a orientação e acompanhamento do uso de métodos contraceptivos, passando pelo cuidado de preparação à mulher que deseja engravidar e toda a assistência ao pré-natal, parto e puerpério (período pós-parto), mas também a possibilidade de interrupção da gestação, quando necessário, e se essa for a vontade da mulher. “Com a criminalização do aborto, a mulher, por não poder contar com os serviços de saúde, onde poderia ter uma assistência integral e segura, recorre a práticas clandestinas e inseguras que podem resultar em morte ou em graves adoecimentos, e essa questão não pode ser ignorada pela saúde pública, pois precisamos garantir a sobrevivência da mulher”, avaliou ele.

Marcos ressaltou que a gravidez pode comprometer o arranjo familiar da mulher e outras relações de dependência e cuidado, pode interferir na possibilidade de inserção no mundo do trabalho e na garantia de subsistência, inviabilizar projetos de estudo, profissionalização, conquista de autonomia e agravar contextos familiares ou comunitários de violência. “As razões são tão diversas quanto as mulheres, mas todas devem fazer parte do horizonte de um médico obstetra comprometido com valores e princípios profissionais básicos de oferecer todas as alternativas de tratamento e cuidado necessários à situação em que a paciente se encontra. Quando qualquer aspecto do direito à saúde é violado, há uma falha na proteção integral da saúde da mulher”, explicou ele.

Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2008 a 2017, 2,1 milhões de mulheres foram internadas para tratar as complicações do aborto, como hemorragias e infecções, sendo 75% deles provocados, e ao menos 4.455 mulheres morreram por esta causa de 2000 a 2016. No Brasil, a lei criminaliza o aborto, com exceção dos casos de estupro, risco de morte da mulher e, desde 2012, em casos de anencefalia, quando o feto não tem cérebro, sendo esse último, por decisão do STF. Nos demais casos, conforme o Código Penal Brasileiro, em vigor desde 1942, caberá pena de 1 a 3 anos para a gestante e de 3 a 10 anos para o médico. “Nós, que somos médicos obstetras, e especialmente que atuamos na saúde pública, já temos por dever realizar o procedimento de aborto nas três exceções previstas. Este é nosso dever legal e ético como médicos. Mas, a lei atual não protege todas as situações em que uma gravidez pode ser considerada um risco à saúde da mulher. Há uma incompatibilidade entre o nosso dever médico de cuidar e a ameaça da punição”, lamentou ele.

O médico afirmou que as mulheres são abandonadas pela lei, devido à demora para que o trâmite legal seja finalizado ou mesmo da recusa da autorização judicial, e pelos médicos, pela punição, e declarou que esse cenário não pode mais persistir. “Deixar as mulheres morrerem ou adoecerem por uma causa evitável é o que deveria ser visto como inadmissível para nossa profissão. Da mesma forma que jamais poderia obrigar nenhuma mulher a fazer um aborto, não devo omitir socorro. Agora, esta Corte tem finalmente a oportunidade de garantir às mulheres e seus médicos a possibilidade de proteger efetivamente a saúde”, concluiu ele.

Os posicionamentos apresentados servirão de referência para o voto da ministra Rosa Weber, relatora do processo que, em seguida, será liberado para julgamento. Caberá à presidência do Supremo definir a data para que os 11 ministros decidam se o aborto poderá ou não ser praticado até a 12ª semana de gestação.

Confira na íntegra como foram os dois dias de audiência. 

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