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03/02/2017

Mesa-redonda na Fiocruz aborda enfrentamento da febre amarela

Gustavo de Carvalho (Agência Fiocruz de Notícias)


No encontro sobre a febre amarela, realizado pela Fiocruz em cooperação com a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, na última terça-feira (31/1), uma mesa redonda abordou diversos aspectos para o enfrentamento do surto atual. Os cinco palestrantes aprofundaram temas importantes para auxiliar no trabalho de pesquisadores, gestores, profissionais de saúde e outros que atuam na contenção da doença em áreas de risco.

Mesa-redonda tratou do vírus, dos vetores, dos macacos, da doença e da vacina (foto: Peter Ilicciev)

 

Vírus e diagnóstico laboratorial

Chefe do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Ana Bispo fez iniciou a nessa com uma abordagem histórica da doença, “a primeira a ser descrita como transmitida por um vetor, já antes de 1648, quando foi reconhecida clinicamente na epidemia de Yucatán, no México”. Segundo a pesquisadora, o vírus e o vetor da febre amarela chegaram ao continente americano através do tráfico de escravos.

Afirmando que “o vírus é o mesmo e a doença é uma só”, Bispo explicou que a diferença entre a febre amarela silvestre (FAS) e a urbana (FAU) “está na localização geográfica, no tipo de hospedeiro e na espécie vetorial”. Ela reafirmou a importância do diagnóstico laboratorial para a vigilância: “isso evita o risco da reurbanização da doença, impede a implantação de epidemias e inclui o diagnóstico diferencial”. De acordo com ela, este último é importante porque na fase inicial a febre amarela é difícil de ser distinguida entre a dengue, a malária e a hepatite. Com base nesses diagnósticos, é possível também acompanhar a presença da doença ao longo dos meses, mostrando a comprovação de casos positivos entre o final de 2016 e o início de 2017.

Vetores da febre amarela

A pesquisadora titular do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Goreti Rosa Freitas, apresentou o tema e informou que existem cerca de 3,5 mil espécies de mosquitos descritos no mundo, classificados em aproximadamente 50 gêneros. Estão presentes em todo planeta, “mas preferencialmente em regiões mais quentes”, como a África e a América Latina, segundo ela. A especialista abordou ainda a morfologia e o ciclo de vida dos mosquitos: ovos, larva, pupa e adultos machos e fêmeas, “sendo que só estas sugam sangue para gerar os ovos”.

Goreti explicou que, no Brasil, a FAS tem como vetores o Haemagogus e o Sabethes e o hospedeiro é o macaco, “sendo que o homem pode ser um hospedeiro acidental se estiver presente naquela área”, disse. Na FAU o vetor é o Aedes Aegypti e o hospedeiro é o homem. A pesquisadora lembrou que na década de 90 o Aedes havia sido erradicado do Brasil, mas que o sucesso das campanhas paradoxalmente levou a um relaxamento da vigilância e, em 2002, o mosquito voltou. Para conter o surto atual e impedir a urbanização, ela indicou medidas de controle, como “o uso de inseticidas e larvicidas, o uso de telas e repelentes, o controle genético dos vetores e o controle físico dos criadouros”.

Macacos e a transmissão da doença

Alcides Pissinatti, pesquisador do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro foi responsável pela palestra sobre febre amarela em macacos, focando nos hospedeiros da FAS. Pissinatti salientou que são conhecidas em torno de 800 espécies de primatas, perto de 170 no Brasil, “sendo que temos conhecimento suficiente sobre o papel de duas ou três apenas na transmissão de doenças”. No caso da FAS, o Alouatta (ou bugio, guariba) é o mais susceptível nos surtos epizoóticos (doenças que ocorrem ao mesmo tempo em vários animais de uma mesma área geográfica).

Pissinatti colocou em questão se são apenas os macacos que têm um papel na transmissão da doença, afirmando que “matar macacos não impede a circulação do vírus, pois há outras espécies que são sub transmissoras”. O pesquisador lançou uma provocação ao público ao dizer que seres humanos assintomáticos e infectados com formas leves da febre amarela “são mais perigosos que os macacos”.

A doença e a vacina

Esta foi a abordagem da infectologista Juliana Arruda de Matos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Ela fez questão de frisar inicialmente que a febre amarela “é uma arbovirose e uma zoonose, uma doença infecciosa aguda, não contagiosa, que só é transmitida para o homem pelo vetor”. Em relação ao espectro clínico, a febre amarela causa desde infecções assintomáticas, até casos graves e fatais, “uma estimativa é que sejam de sete a doze casos inaparentes para um caso sintomático, o quadro clínico é o mesmo para a FAS e para a FAU”, afirmou. O período de incubação da doença (sem sintomas após a picada do mosquito) é de três a seis dias, e é sintomática entre dez e quinze dias em média. A médica esclareceu que “quem pega a febre amarela uma vez não pega outra vez, a imunidade é permanente”.

Juliana explicou que a febre amarela não tem tratamento específico, “assim como na dengue não devem ser utilizados anti-inflamatórios não hormonais, por risco de sangramento”. A vacina é composta por vírus atenuados, cultivados em embrião de galinha, “os alérgicos à proteína da galinha, a ovo não podem utilizar a vacina”, disse. Nas áreas de risco, ela é indicada a partir dos nove meses de idade, com reforço aos quatro anos, nas ocasiões de surtos a recomendação é a partir dos seis meses. Ela advertiu que são necessárias precauções para administrar ou não a vacina, que devem ser avaliadas segundo o contexto epidemiológico, “é o caso de portadores de doenças virais graves, gestantes, mulheres que estão amamentando crianças com menos de seis meses, deve-se evitar dar a primeira dose em pessoas com mais de 60 anos, além disso, pessoas que forem vacinadas devem aguardar quatro semanas para doar sangue”.

Coleta de primatas: manejo de risco no campo

Telma Abdalla, médica veterinária e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), falou sobre biossegurança e avaliação de risco na manipulação de carcaças ou de animais em campo. Para o manejo e descarte, segundo ela, é preciso saber quais são as doenças que circulam naquele ambiente, quais são as características da população local, “além disso, o profissional tem que fazer exames médicos periódicos, manter sua cartela de vacinação em dia e saber quais são os agentes biológicos envolvidos na atividade e tomar as medidas profiláticas necessárias”.

A pesquisadora chamou atenção para o fato de que, no caso do controle do surto atual, “os macacos podem albergar uma gama enorme de patógenos, muitas vezes estamos buscando a febre amarela e esbarramos com doenças cujos mecanismos de transmissão são os mais diversos”. Ela insistiu na importância de se determinar previamente o tipo de precaução e os equipamentos de proteção necessários, apresentando ao público exemplos de vestimentas, acessórios e reservatórios para o acondicionamento e transporte em segurança das amostras a serem investigadas.

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