Início do conteúdo

03/02/2017

Aplicativo da Fiocruz colabora na prevenção da febre amarela

André Costa (Agência Fiocruz de Notícias)


Um aplicativo desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz que transforma cidadãos comuns em agentes ativos para prevenir febre amarela e outras doenças de origem animal foi um dos destaques da segunda metade do painel de Febre Amarela, na última terça-feira (31/1), no campus da Fiocruz em Manguinhos. A bióloga Márcia Chame, coordenadora do Centro de Informação em Saúde Silvestre e do Programa Institucional Biodiversidade & Saúde apresentou o aplicativo SISS-Geo, do Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SISS), discorrendo sobre como o programa pode se tornar uma ferramenta útil no enfrentamento a doenças silvestres.

(Confira o Especial Febre Amarela da Agência Fiocruz de Notícias)

Segundo a pesquisadora, o principal trunfo do SISS-GEo é estimular a participação da sociedade no monitoramento de epizootias (termo usado para definir eventos de doenças em animais não humanos, análogo ao conceito de epidemia em pessoas). O aplicativo trabalha com a perspectiva de “ciência cidadã”, que entende que qualquer pessoa pode contribuir com a ciência.

Sua proposta é bastante simples: cada vez que alguém que alguém se deparar com um animal silvestre, deve reportá-lo no aplicativo, informando o tipo de animal observado, suas características, localização, características do ambiente e fotos. O aplicativo é gratuito, muito leve – tem menos de 3 MB – e simples de usar, possibilitando vasta implementação. “Apostamos que qualquer pessoa é capaz de gerar informação sobre a saúde dos animais, estando onde estiverem, mesmo com nível de alfabetização muito baixa. Com o celular, qualquer um pode prevenir doenças e ajudar a monitorar a situação de saúde dos animais”, disse Márcia.

Após o registro, os dados são disponibilizados em um banco de dados, e então cruzados com 2.600 parâmetros, distribuídos em 39 camadas temáticas. Eles podem ser relacionados com outras bases de dados, permitindo que se estude, por exemplo, como doenças em animais se relacionam a eventos climáticos, ou então que se monitore a dinâmica de animais reintroduzidos em ambiente silvestre, ou ainda que se emitam alertas de moléstias que atingem determinadas espécies.

A pesquisadora explicou que a iniciativa objetiva responder o desafio de “um país de dimensões continentais, com vasta diversidade de parasitas, vetores e hospedeiros”. Somam-se a este cenário difícil a alta complexidade da ecologia das doenças, a capacidade limitada de ir a campo e a deficiência de infraestrutura em Big Data. Para se contrapor a isso, o sistema procura gerar, em tempo real, “informações digitalizadas que permitam explorar esses dados com grande potência”.

Como exemplo, o sistema permitiu saber que, nos últimos 70 dias, houve o registro de 24 indivíduos mortos de tartarugas marinhas, com intervalo médio espacial de 19km entre cada indivíduo, e de 4,33 dias entre o registro de cada óbito.

Para que o sucesso do SISS-Geo seja pleno, entretanto, é crucial a expansão da participação social. No momento da apresentação, o sistema contava com 1.109 colaboradores, com 1.404 registros válidos. A título de comparação, uma iniciativa semelhante para monitoramento de pássaros nos Estados Unidos conta com 80 mil participantes. Márcia confia que o aplicativo da Fiocruz pode chegar lá: “Podemos e queremos também ter 80 mil colaboradores”, afirmou.

Detecção precoce

Além da apresentação sobre o SISS-Geo, o painel de febre amarela também contou com uma exposição do superintendente de Vigilância Ambiental e Epidemiológica do Rio de Janeiro, Mário Sérgio Ribeiro, sobre procedimentos de vigilância de epizootias no estado do Rio. Nesta última, foi apresentado um panorama das medidas tomadas para evitar que o surto de febre amarela se propague até o estado, assim como uma avaliação dos riscos atuais.

O superintendente afirmou que “o ciclo silvestre de transmissão do vírus não é passível de eliminação, então devem ser adotadas estratégias que visam à detecção precoce da circulação viral, a fim de monitorar as áreas de risco e de aplicar oportunamente medidas de prevenção”. Por conta disso, a vigilância procura identificar precocemente a circulação do vírus em seu ciclo animal, evitando a ocorrência de casos na população humana. Para isso, a população de macacos é o principal sentinela, isto é, o principal indicativo de alertas (o que reforça a importância do SISS-Geo).

De acordo com Ribeiro, as principais recomendações para quem trabalha em áreas de conservação para que essa detecção precoce seja bem sucedida são as seguintes: a) a verificação na região onde se localizam unidade de conservação de quaisquer rumores de morte ou adoecimento de animais; b) a busca detalhada de informações, verificando a extensão da área afetada, com registro fotográfico; c) a observação e consulta a populações locais sobre a presença de animais e mosquitos na mata; d) a obtenção com moradores de informações sobre ocorrência de mortes anteriores de primatas não humanos, e, se possível, o período; 4) constatada a existência de animais mortos e/ou doentes, a equipe de investigação deve preencher a ficha de notificação e investigação de epizootia, adicionando detalhes relevantes no campo "observações" ou em relatório complementar; f) a determinação da localização geográfica com GPS. Quando não disponível, a localização deve ser determinada por pontos de referência ou distância aproximada e direção a partir do ponto central do município.

Estas informações têm caráter preventivo, porque, segundo o superintendente, até o momento não há nenhum caso de febre amarela no Estado do Rio – o único confirmado foi importado, isto é, proveio de uma pessoa que se deslocou de outro estado. Devido a isso, o Rio ainda não é uma área de vacinação, embora o Ministério tenha liberado a imunização para quem quiser. O que foi feito, ao invés de se estimular a imunização generalizada, foi a criação de um cinturão de vacinação em áreas fronteiriças, de modo a impedir a penetração do vírus.

Oficina para agentes ambientais

Na mesa redonda que encerrou o evento, foi decidido que uma oficina com a participação de Márcia Chame e de outros pesquisadores será oferecida nos próximos meses para capacitar agentes ambientais no enfrentamento à febre amarela. “Ela será pensada em conjunto com parques, para pensar o fluxo de informação dos parques e de seus visitantes. Pensaremos sobre como podemos ampliar o espectro de busca e circulação de agentes infecciosos em primatas e em outros animais, para que possamos criar um processo lento de acúmulo de conhecimento do que circula em animais”, disse Márcia Chame, que será uma das organizadoras da oficina. “Precisaremos pensar em formas de encaminhamento de fluxo e de amostras, para poder ter alíquotas de vigilância que respondem a diagnóstico rápido”, acrescentou.

Também na discussão que encerrou o evento, o epidemiologista Guilherme Franco-Netto, da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, fez sugestões sobre o que poderia ser articulado para melhorar a ação pública contra a doença. Dentre estas, está o avança de medidas de precaução, algo, segundo Franco-Netto, de aplicação ainda restrita em saúde pública. Sugestão análoga foi a introdução de outros aspectos de antecipação de cenários, aproximando a virologia da entomologia de modo a tentar antecipar a circulação do vírus antes mesmo da morte de macacos. Estes são, segundo o pesquisador, exemplos de medidas que podem ser aplicadas a partir do surto deste ano.

“A sensação é de que deveríamos estudar e conhecer muito bem o caso do surto deste ano, que está dizendo algo diferente para nós. Temos muitos processos em curso, e as mudanças entre áreas rurais e urbanas são abruptas hoje. Temos também agressões ambientais variadas. Cenários de análise de risco são cada vez mais utilizáveis pela saúde pública, e devem ser adotados”, afirmou Franco-Netto.

Esta mudança ambiental também foi lembrada por Márcia Chame, em sua última participação no evento: “é importante que as pessoas entendam que precisamos ter grandes ambientes de áreas naturais preservadas, suficientemente grandes para que mantenham o ciclo silvestre das doenças em seus lugares naturais. Estes surtos sempre acontecem em áreas silvestres pequenas. É o que sempre dizemos: biodiversidade faz bem para a saúde”, afirmou a pesquisadora.

Voltar ao topo Voltar