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17/07/2008

Mestrado profissional da Fiocruz: a academia no universo do trabalho

Fernanda Marques


Protocolos assistenciais para prevenção de doenças neonatais; aconselhamento em HIV/Aids no Programa Saúde da Família; gestão de arquivos permanentes; e sistema de informação para pesquisa clínica: estes são os temas dos quatro projetos recentemente aprovados em edital relativo ao Programa de Incentivo à Inovação no Ensino, Comunicação e Informação na Fiocruz. Dirigido a propostas que tivessem origem em dissertações de mestrado profissional apresentadas em 2005, 2006 e 2007, o edital – uma iniciativa da Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação – contemplou cada um dos projetos aprovados com R$ 10 mil, quantia destinada a colocar os trabalhos em prática, no prazo de um ano. “Os objetivos desta iniciativa são fomentar a inovação e valorizar os produtos dos cursos de mestrado profissional oferecidos pela Fundação aos seus quadros profissionais”, diz a coordenadora geral da Pós-Graduação da Fiocruz, Virginia Hortale.




     

Além da seleção de trabalhos pela Vice-Presidência, há outra novidade quando o assunto é o mestrado profissional da Fiocruz. A Escola Politécnica de Saúde (EPS), uma unidade da Fundação, iniciou este ano seu primeiro curso nessa modalidade, na área de educação profissional em saúde. As linhas de pesquisa incluem políticas sociais e gestão do trabalho na educação e na saúde, bem como concepções e práticas na formação dos trabalhadores de saúde. O novo curso da EPS se soma a outros mestrados profissionais já oferecidos por diferentes unidades da Fiocruz, em áreas como gestão em ciência e tecnologia em saúde; gestão em vigilância epidemiológica e sanitária; gestão em organização de serviços e sistemas de saúde; saúde materno-infantil; ensino em biociências e saúde; tecnologia de imunobiológicos; e comunicação e informação.



Embora seja uma modalidade de pós-graduação em crescimento na Fiocruz e no país como um todo, muita gente não sabe o que é mestrado profissional nem suas diferenças em relação ao mestrado tradicional. Os dois tipos de mestrado têm objetivos distintos e, portanto, devem gerar produtos também diferentes. “Na modalidade tradicional, o aluno aprofunda e produz conhecimentos científicos numa preparação para se tornar um professor e/ou pesquisador. Já na modalidade profissional, como o objetivo principal é formar trabalhadores para as áreas tecnológicas e de prestação de serviços, o aluno deve desenvolver novas técnicas ou processos diretamente aplicáveis ao universo do trabalho e da produção”, explica a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Maria do Carmo Leal. “O mestrado profissional é considerado a alternativa mais viável para a formação de quadros estratégicos e lideranças que atenderão às funções essenciais da saúde pública”, completa a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, Maria Cristina Guilam.



O que se espera, portanto, é que as dissertações de mestrado profissional tenham aplicação na prática. Um exemplo é o trabalho da tecnologista Ana Beatriz Moraes da Silva, da Vice-Presidência de Serviços de Referência e Ambiente, que foi da primeira turma de mestrado profissional da Fiocruz, na Ensp. “No curso, escolhi estudar um assunto que já fazia parte do meu cotidiano de trabalho: a gestão da qualidade nos laboratórios de referência da Fiocruz”, diz.



Com foco nos laboratórios de referência para a vigilância epidemiológica, onde qualidade significa confiabilidade dos resultados analíticos para o diagnóstico de doenças, Ana Beatriz realizou um estudo dividido em duas etapas. Na primeira, 22 laboratórios de referência foram avaliados quanto a requisitos gerenciais (organização, controle de documentos, auditorias internas, ações corretivas etc) e técnicos (pessoal, instalações, equipamentos, procedimentos, entre outros). Na segunda etapa, a partir dos resultados dessa avaliação, foi proposto um plano de ação para que aqueles requisitos, baseados nas normas de gestão da qualidade laboratorial vigentes no país, fossem 100% atendidos nos laboratórios de referência da Fiocruz.






Concluída em 2004, a dissertação de mestrado profissional de Ana Beatriz começou logo a ser posta em ação. Naquele mesmo ano, o Ministério da Saúde lançou uma portaria tornando compulsória a implementação da gestão da qualidade nos laboratórios de referência. No final de 2007, eles começaram a passar por auditorias e apenas os aprovados são habilitados como referência para o Ministério. Até agora, dez laboratórios de referência da Fiocruz já passaram pelas auditorias e todos foram habilitados: prova da eficiência do plano de ação proposto por Ana Beatriz.


Da vigilância epidemiológica às vacinas


Eficiência semelhante foi alcançada pela dissertação de mestrado profissional da vice-diretora de Qualidade do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) da Fiocruz, Maria da Luz Fernandes Leal. Ela desenvolveu o trabalho em um período no qual a equipe de Biomanguinhos discutia amplamente a reorganização de suas atividades de desenvolvimento tecnológico. “Participei dos debates que culminaram no formato hoje em vigor, que é a organização por programas e a gestão por projetos”, conta Maria da Luz, que concluiu o curso em 2004 na Ensp. “No mestrado profissional, foi possível ampliar minha visão de saúde pública e compreender o processo de globalização, em que padrões de qualidade são utilizados como forma de competição e há intensa inovação com o lançamento de novos produtos”. 



A vice-diretora de Qualidade analisou a evolução do desenvolvimento tecnológico de vacinas em Biomanguinhos. O objetivo central era discutir as práticas de gestão vigentes, assim como identificar e vencer os obstáculos para transformar em produtos os conhecimentos gerados pelas atividades de pesquisa e desenvolvimento. Para estabelecer parâmetros comparativos e contribuir para o aperfeiçoamento do desenvolvimento tecnológico de vacinas na Fiocruz, a pesquisadora também analisou as práticas de uma indústria farmacêutica de destaque na área de inovação. “Como produto final, foi apresentada uma proposta de operacionalização da Planta de Protótipos de Biomanguinhos, que deve entrar em operação no segundo semestre de 2009”, diz Maria da Luz, que responde pelas áreas de garantia e controle de qualidade e participa da elaboração e implantação do plano estratégico de Biomanguinhos.






No entanto, não são apenas funcionários da Fiocruz que se beneficiam dos cursos oferecidos pela Fundação. O coordenador geral do Programa Nacional de Controle da Malária do Ministério da Saúde, José Lázaro de Brito Ladislau, também fez mestrado profissional na Fiocruz. Sua dissertação, defendida em 2007, avaliou o plano de intensificação das ações de controle da malária na Amazônia Legal, ou seja, tratou de um tema totalmente pertinente a suas atividades de trabalho. “Optei pelo mestrado profissional porque eu precisava fazer uma pós-graduação sem me afastar do serviço. A grande vantagem do mestrado profissional é possibilitar ao aluno aprender e imediatamente aplicar em suas rotinas de trabalho aquilo que aprendeu”, opina.  



Segundo Ladislau, a experiência no mestrado profissional facilitou a tomada de decisões no trabalho, que passaram a ser cada vez mais embasadas em dados epidemiológicos, racionalizando o uso dos recursos e conduzindo a resultados mais eficientes. “O conhecimento de metodologia científica fez com que eu avaliasse e organizasse melhor o serviço. É importante fortalecer a discussão acadêmica atrelada às rotinas de trabalho, isto é, incentivar que a academia realize estudos voltados aos problemas reais da população”, opina.



Ladislau obteve o grau de mestre na Ensp. No entanto, outras unidades da Fiocruz também oferecem cursos de mestrado profissional, como Biomanguinhos, a EPS, o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), o Instituto Fernandes Figueira (IFF) e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC). A Fiocruz Pernambuco formou seus primeiros alunos de mestrado profissional em 2007. Todos eram funcionários da Fiocruz Pernambuco ou da Fiocruz  Bahia.



“A tônica dos trabalhos foi a aplicabilidade na Fiocruz. Os temas foram os mais variados, como gestão acadêmica, biossegurança e política de comunicação social”, conta o vice-diretor de Ensino da Fiocruz Pernambuco, Wayner Vieira de Souza. Estruturado em torno de três áreas temáticas – gestão e avaliação de serviços de saúde; gestão em instituições de ciência e tecnologia em saúde; e gestão de sistemas de vigilância em saúde –, o curso ganhou uma segunda edição este ano, desta vez em parceria com a Secretaria de Saúde de Pernambuco.



“Os cursos de mestrado profissional são feitos sob encomenda e mantidos por instituições que necessitam dessa formação para seus funcionários. São cursos que devem ser baseados no desenvolvimento de competências e habilidades para o trabalho”, afirma a vice-presidente Maria do Carmo. Além de cursos destinados aos seus próprios funcionários, a Fundação também recebe encomenda de cursos dirigidos ao pessoal do Ministério da Saúde e das secretarias de Saúde municipais e estaduais.



Em meados dos anos 90, diante das transformações técnicas e socioeconômicas que exigiam cada vez mais qualificação e produtividade do profissional no mercado, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC) percebeu a necessidade de flexibilizar o sistema tradicional de formação no mestrado. “O mestrado convencional fornecia uma qualificação acadêmico-científica predominantemente voltada à carreira docente, que não atendia às demandas do mundo do trabalho e do mercado. Para atendê-las, criou-se uma nova modalidade, o mestrado profissional”, justifica Maria do Carmo.



O mestrado profissional da Fiocruz teve início em 2002 e, de lá para cá, já formou cerca de 270 alunos. Atualmente, mais de 130 estão matriculados em cursos oferecidos pela instituição nessa modalidade. “O mestrado profissional se encaixou muito bem na missão da Fiocruz, que tem como um de seus principais objetivos a formação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS)”, garante Maria do Carmo.


Publicada em 15/07/2008

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