11/05/2016
André Costa (Agência Fiocruz de Notícias/AFN)
A mesa da tarde do primeiro dia (5/5) do seminário O Desastre da Samarco: balanço de seis meses de impactos e ações, que aconteceu nos dias 5 e 6 de maio em Minas Gerais, contou com o procurador da República em Minas Gerais, Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, com a representante do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, Maria Julia Gomes de Andrade, com a representante da organização não-governamental Justiça Global, Raphaela Lopes, e com a professora da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Maria Galleno de Souza Oliveira. O debate se concentrou, sobretudo, em aspectos legais e jurídicos relacionados à tragédia.
O acordo entre a União, os Estados de Minas e do Espírito Santo e a Samarco esteve na pauta da segunda mesa do evento (Foto: Peter Ilicciev / CCS)Primeira a falar na parte da tarde, a advogada na área de direitos humanos, econômicos, sociais e ambientais, Rafaela Lopes, trouxe reflexões sobre o tratamento do Estado em relação à reparação das vítimas. Lopes observou como a Samarco foi protagonista no processo de elaboração da resposta às vítimas, responsabilidade que caberia ao poder público. A advogada encerrou criticando o acordo entre a União, os Estados e a Samarco, que, sem que ela soubesse, era homologado em Brasília naquela mesma tarde. Segundo a própria, o acordo padeceria de três falhas capitais: 1) não responsabilizaria as empresas envolvidas; 2) foi elaborado sem participação dos atingidos; 3) enfraqueceria qualquer medida judicial para reparação das dívidas.
A palestrante seguinte, Maria Julia Gomes de Andrade, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, falou sobre o novo Código de Mineração, cujo projeto está passando por reformulações, após já ter sido alterado quatro vezes. Gomes de Andrade falou que três grandes eixos devem mudar no Código: o fiscal, o modelo de concessão e o modelo administrativo. Ela também apontou que há ausências importantes referentes a dispositivos sociais, ambientais e trabalhistas. “Tudo é tratado como se fossem apenas questões fiscais e administrativas. Como se tudo referente à mineração acontecesse como se não envolvesse gente, vida, ambiente e natureza”, destacou.
Programado para ser o primeiro a falar, o procurador da República Dias Netto só fez sua exposição depois de Lopes e Andrade, pois esperava uma notícia de Brasília. Quando finalmente pode falar, trouxe uma informação que espantou a todos os presentes: o acordo entre a União, os Estados de Minas e do Espírito Santo e a Samarco referido pela advogada da Justiça Global havia sido homologado em Brasília, determinando o pagamento de indenização de R$ 20 bilhões de reais.
O procurador se mostrou extremamente crítico ao acordo, que padeceria de inúmeros vícios, a começar pela completa ausência de participação efetiva dos atingidos nas negociações - o que configuraria, segundo ele, violação do direito de informação. O acordo também teria sido celebrado no núcleo de conciliação do TRF em Brasília, o que, segundo o procurador, contrariaria seu tribunal natural – e o Ministério Público só teria sido informado desta mudança de vara na véspera. Dias Netto afirmou ainda que a União tem conflito de interesses para assinar o acordo, uma vez que possui ações da Vale e faz parte do conselho consultivo da empresa. “Um acordo feito sem atingir o povo só pode ser mau acordo. Ele cria uma espécie de consórcio governamental-empresarial”, resumiu.
O procurador aproveitou a ocasião para informar que a Procuradoria da República tentará impugnar o acordo, e que já entrou com uma causa que exige indenização de R$ 155 bilhões, para garantir reparação em todas as áreas, incluindo danos humanos, sociais, econômicos e ambientais – abrangência que, segundo o próprio, falta ao acordo firmado. O método para a adoção desta nova ação reparatória seria participativo, incluindo audiências públicas com povos e comunidades tradicionais, mediante mapeamento e consulta prévia.
Maria Galeno de Souza Ribeiro, última palestrante do dia, compartilhou um pouco de sua experiência para a criação de mecanismos de participação social. Ela observou que, embora a Constituição preveja a participação social, não temos marcos regulatórios especificando como esta deve se dar. Isto geraria uma distorção, uma vez que cidadãos acabariam não participando de questões que lhes dizem respeito diretamente, como, segundo a própria, muitas vezes se dá no caso das barragens: “O cidadão tem que ter o dom do protagonismo: ser o principal ator, e não um coadjuvante”, afirmou.
Um minuto de sirene
À noite, o evento contou ainda com um ato na Praça da Sé, no Centro de Mariana, organizado pelo coletivo Um Minuto de Sirene, movimento criado para lutar pelos direitos dos atingidos no desastre. Como em todo dia 5/5, o movimento, que tem por lema “Por cada morto em Mariana, nem um minuto de silêncio”, tocou a sirene ausente no desastre, como homenagem às vítimas e protesto. Em seguida, houve debate e a exibição do curta-metragem Lama, criado pelo coletivo e ainda inédito.