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22/07/2005

Moléculas presentes em peixe brasileiro têm ação antimicrobiana

Sarita Coelho


O muco que reveste a pele de muitos peixes nativos do país, como o pacu, o tambacu e o tambaqui, apresenta substâncias com atividades antimicrobianas. Entre essas moléculas, as proteases e os peptídeos são considerados os mais importantes. As proteases são enzimas que, por participarem de vários processos metabólicos, são alvos quimioterápicos valiosos para o desenvolvimento de novos fármacos. Para identificar as características das principais famílias de proteases que protegem o tambacu de doenças, a bióloga Cristiane Martins Cardoso de Salles desenvolve estudo no Laboratório de Bioquímica de Proteínas e Peptídeos do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular (DBBM) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), chefiado pelo biólogo Salvatore Giovanni De Simone.


"A pesquisa tem um caráter econômico, já que o tambacu representa uma das produções mais expressivas da pesca brasileira. Outra vertente do trabalho está relacionada ao peixe como fonte de moléculas para futuros fármacos, que poderão ser utilizados até mesmo em infecções humanas", explica Cristiane. Segundo ela, o estudo também é importante para ampliar a informação sobre o assunto. "Como não existem muitos dados no país sobre o controle de pragas em peixes, o produtor também deve se preocupar com isso. Ao conhecer os mecanismos com os quais o peixe se defende dos microorganismos, poderemos criar armas contra essas pragas menos agressivas ao meio ambiente".


Dados registrados pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostram que o Brasil apresentou um crescimento de aproximadamente 925% na aqüicultura comercial entre os anos de 1990 e 2001, superando a média mundial, que ficou em torno de 187% no mesmo período. No entanto, muitos cultivos de peixes comerciais são ameaçados por doenças causadas por fungos, bactérias e parasitos. A utilização de antibióticos é a forma mais rápida de combate às doenças bacterianas. Além de caro, o uso prolongado desse tratamento levou ao surgimento de patógenos mais virulentos. O desenvolvimento de medicamentos feitos com substâncias retiradas do próprio peixe pode ajudar a resolver esse problema.


O primeiro passo do estudo, iniciado há um ano, foi separar o muco em duas frações, uma contendo moléculas de alto peso molecular e outra contendo moléculas menores, como os peptídeos. Na fração de alto peso foi possível identificar as proteases presentes nos peixes sadios. A equipe da Fiocruz recebeu os tambacus de criadores do Rio de Janeiro, conseguidos por meio de uma parceria entre o Laboratório e o Departamento de Bioquímica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde Cristiane concluiu seu doutorado. Produzido a partir do cruzamento do macho do pacu com a fêmea do tambaqui, o tambacu é um híbrido interessante para o cultivo, porque cresce bastante em um curto período de tempo.


Segundo a pesquisadora, os peptídeos antimicrobianos atuam, na maioria dos casos, desestabilizando a membrana celular dos microorganismos. Já a ação antimicrobiana das proteases está relacionada à fragmentação de proteínas da membrana dos parasitos, fazendo com que esse morra ou se desligue de seu hospedeiro. A partir da molécula que é quebrada por essas enzimas, é possível descobrir as diferentes classes de protease. Se uma droga for desenvolvida no futuro, é preciso que ela se ligue às classes de protease presentes no tambacu. Entre as classes, as serinil e as metaloproteases foram as mais importantes. As enzimas também foram caracterizadas quanto ao seu peso molecular. Atualmente, os pesquisadores estão na fase de isolamento dessas proteases.


O próximo passo do estudo será repetir o experimento, desta vez utilizando peixes acometidos com algumas das infecções mais comuns nos criadouros. A identificação dos peptídeos presentes e a análise das reações das proteases nesses peixes poderá resultar em uma forma mais eficaz de combate às enfermidades. "A expectativa é de que em cinco anos já se tenha desenvolvido algum tipo de antimicrobiano", diz Cristiane. Outro ponto importante do projeto é comparar os mecanismos de defesa do tambacu com o de outras espécies de peixe para ver se o antimicrobiano pode ser comum. "Já começamos a analisar as enzimas do pacu, que aparentemente tem defesas diferentes contra infecções em relação ao tambacu", adianta a pesquisadora.

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